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Me homenageiem em vida, para que depois eu possa só descansar!

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20 de novembro de 2023

Estamos abrindo o mês do “cansaço negro“: em novembro pessoas negras são lembradas para proferir inúmeras palestras, falas e consultorias, que por vezes não são nem pagas – mesmo que a instituição possa pagar. E como se não bastasse, ainda temos que aturar inúmeros comentários do tipo “somos todos humanos”, “mês da consciência humana” e qualquer outro argumento falacioso, que por vezes nem mesmo o locutor acredita, mas fala para justificar –  a partir do mito da democracia raciala ideia falsa de que não seria preciso falar sobre raças no Brasil.

Em outro texto que escrevi para o blog , falei sobre o quanto, meses com temáticas de grupos minorizados são cansativos para esses grupos, mas que ainda assim são vitais para trazer o enfoque a pautas que, por vezes, durante todo o restante do ano, são apagadas e/ou esquecidas. Na contramão do cansaço e da fadiga preta que este período nos causa, vou aproveitar da liberdade poética e deste espaço para fazer homenagens a pessoas negras inspiradoras da Governança da Internet (GI) no Brasil, que tenho o prazer de ter como inspiração, referência e até já ter batido um papo nos coffee breaks da GI. Então, se você esperava nesse texto uma longa reflexão sobre o quanto o racismo tecnológico pode afetar pessoas negras, já lhe adianto que não verá isso. Mas encontrará muitas pessoas que são referências no tema.

Aqui, eu quero só fazer valer algo que tenho falado muito por aí: “me homenageie em vida, porque depois da minha morte eu quero só descansar”. Então, bora homenagear essas pessoas pretas incríveis da GI do Brasil.

Pisando os caminhos das minhas ancestrais

No mês da consciência negra deste ano, decidi usar meu tempo para homenagear e agradecer às pessoas negras que estão há mais tempo do que eu na área da Governança da Internet no Brasil, e aproveitar para apresentar minhas referências para vocês. Para além deste espaço se constituir como um lugar de afeto, é também resistência – lembre-se sempre disso, minha cara pessoa leitora – resistência, porque durante o 2º Prêmio Destaques em Governança da Internet no Brasil, das 18 pessoas homenageadas, apenas uma era negra

Durante as homenagens, me questionei profundamente: onde estavam as pessoas negras? Enquanto fazia uma das conversas de corredores durante o FIB13 – evento em que tais homenagens foram realizadas – escutei enquanto argumento que a baixa representatividade de pessoas negras e de mulheres premiadas poderia se dar pelo baixo acesso destes sujeitos à temática que, por anos, foi restrita a pessoas brancas e masculinas.

Apesar de ouvir e concordar com parte da premissa, ela, por si só, não justificaria, a meu ver, essa ínfima representação negra no prêmio. Me sedimento, para perceber esse embranquecimento da premiação, no conceito de “epistemicídio” trabalhado por Sueli Carneiro, por perceber que essas ausências são, na verdade, uma soma das dificuldades históricas que pessoas negras tinham – e ainda têm – de transitar nos espaços da tecnologia, mas também de um apagamento presente dos trabalhos de pessoas negras que têm se consolidado como referência no Brasil.

Deste lugar da inquietude é que passo, então, a apresentar a vocês as pessoas que para mim são inspirações, me ensinam e me motivam a estar ocupando e disputando os espaços da Governança da Internet. Ah, acho crucial destacar que, infelizmente, tenho limite de espaço e tempo para fazer esse texto, então não vou conseguir colocar todas aqui. Mas já deixo o convite para vocês me indicarem outros nomes para o próximo texto.

Que rufem os tambores…

Para começar, não poderia ser ninguém menos que ele, que foi uma das primeiras pessoas que conheci da GI, ainda sem nem saber quem era ele, e que adora contar a história de vexame que passei ao conhecê-lo:

Paulo Rená da Silva Santarém, co-Diretor-executivo do Aqualtunelab, Doutorando em Direito na Universidade de Brasília, pesquisador no Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS, e como me disseram na primeira vez que descobri quem ele era, ‘nada mais, nada menos que um dos pais do Marco Civil da Internet’. Rená, como sou acostumado a chamá-lo, é uma referência para mim quando o ponto é simplificar o debate para uma linguagem que todos possam compreender. Sua dissertação e seu livro ‘O direito achado na rede: a emergência do acesso à Internet como direito fundamental no Brasil‘ são, sem sombra de dúvidas, um incrível referencial extremamente atualizado para se pensar na contemporaneidade os múltiplos espaços nos quais o direito se manifesta e emerge.

Seguindo a minha lista, vos apresento ela, quem eu batizei de nortista, só pela energia dela – e até hoje sigo incrédulo que ela não seja nortista:

Bianca Kremer, professora e pesquisadora em Direito e Tecnologia, Doutora em Direito pela PUC-RIO, além disso, é uma das referências quando o tema é proteção de dados, inteligência artificial e suas intersecções com a racialidade. Com sua tese de doutoramento sobre ‘DIREITO E TECNOLOGIA EM PERSPECTIVA AMEFRICANA: Autonomia, algoritmos e vieses raciais‘, Bianca nos leva especialmente a refletir sobre a necessidade de enxergar os produtos das novas tecnologias, especialmente de IA, como um resultado das desigualdades raciais que ainda assolam a população negra, e que qualquer avanço de debate racial por meio da tecnologia precisa perpassar pelo reposicionamento do papel do direito para além da neutralidade afirmada especialmente pelo mito da democracia racial e da isenção tecnológica. Assim, caso você ainda não conheça o trabalho de Bianca Kremer, te indico buscar conhecer um pouco mais dessa mulher incrível.

Diz o ditado que ‘Santo de casa não faz milagre’. Santo eu não sei, mas essas três que vêm em seguida com toda certeza me ensinam e me inspiram diariamente no IRIS.

Fernanda Rodrigues, coordenadora de pesquisa e pesquisadora do IRIS, Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais, onde pesquisa sobre direito, tecnociências e interdisciplinaridade. Fernanda tem desenvolvido pesquisas sobre Inteligência Artificial, Regulação de Plataformas e a intersecção de temas da tecnologia com racialidade. Recentemente participou de audiência pública na Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial do Senado Federal, colaborando com o debate sobre o Marco Regulatório de IA no Brasil.

Rafaela Ferreira, líder de projetos e pesquisadora no IRIS, graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Rafaela tem desenvolvido pesquisas especialmente sobre devido processo na moderação de conteúdo, proteção de dados e neurodireitos. Sobre este último tópico, indico inclusive seu último texto ao IRIS, sobre o protagonismo da América Latina no Reconhecimento de Neurodireitos, um texto que serve tanto de aporte para compreender esse ramo interdisciplinar que ainda é novo para muitas pessoas, como também para traçar insights importantes sobre os riscos que o desenvolvimento de tecnologias que explorem os campos neurais podem apresentar.

Glenda Dantas, mestranda em Comunicação e Culturas Contemporâneas na Faculdade de Comunicação (Facom) da UFBA, jornalista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), co-fundadora da Conexão Malunga, pesquisadora do IRIS no projeto de Inclusão Digital. Glenda tem desenvolvido trabalhos sobre inclusão digital, especialmente de grupos vulnerabilizados, como mulheres negras.

Juro que acabaram as homenagens de pessoas do IRIS, a ideia não era ser um “prêmIRIS”, mas o que posso fazer se só trabalho com gente incrível? Seguindo então, meus próximos premiados, vou chamar ela, que também é referência no campo da inclusão digital, especialmente a partir do olhar amazônico:

Thiane Neves Barros, doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporânea na Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestra em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), pesquisadora e educadora, com experiência nos temas de Amazônia, Ciberativismos, Feminismo Negro e Comunicação Digital (Governança, Infraestrutura, Apropriação, Cuidados digitais). Thica, como é conhecida, representa a energia da mulher negra nortista nos espaços que ocupa, falando sobre território, corpo e tecnologia, a partir de uma concepção de que tudo é cíclico e interligado. Que as sabedorias ancestrais têm muito a nos ensinar na forma como interagimos com a internet e as novas tecnologias. Ela é uma das co-organizadoras do livro: Griots e Tecnologias Digitais.

E na linha da cibersegurança, trago um trio de peso, que representa um acúmulo incrível de conhecimento e tem se debruçado especialmente na temática do uso de câmeras na segurança pública.

Pablo Nunes, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp-Uerj), mestre em Ciências Sociais pela Uerj e coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), integrante do projeto ‘O Panóptico’, que tem estudado como as novas tecnologias têm afetado a segurança pública e as dinâmicas sociais, especialmente nas periferias. Recomendo inclusive sua entrevista ao Nexo sobre racismo algorítmico e segurança pública.

Thalita Lima, doutoranda e mestra em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, coordenadora de pesquisa do projeto O Panóptico do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e pesquisadora no grupo de pesquisa DATAS – Rede de pesquisa sobre Dados, Tecnocontrole, Autoridade e Subjetividade, da PUC-Rio. Dentre os diversos trabalhos desenvolvidos por Thalita, gostaria de indicar o relatório de pesquisa ‘Das planícies ao planalto: como Goiás influenciou a expansão do reconhecimento facial na segurança pública brasileira‘, onde o projeto traz reflexões e dados que demonstram que cidades do interior de Goiás, que não possuem o mínimo de estrutura pública, são utilizadas como argumento político para a promoção do uso de reconhecimento facial na segurança pública do Brasil.

Ana Gabriela Ferreira, doutoranda pela PUC/RS, mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, pesquisadora na área de direitos humanos e direito criminal, professora universitária. Ana Gabriela tem desenvolvido pesquisas sobre segurança pública e cibersegurança, especialmente a partir de um olhar racializado, o que tem oportunizado debates riquíssimos, como o que podemos conferir na entrevista dada recentemente ao U.A.I Understanding Artificial Intelligence, do Instituto de Estudos Avançados da USP, que vale a pena você conferir.

E agora, saindo um pouco da galera que tem seu enfoque em analisar a tecnologia e os efeitos delas sobre as pessoas, eu queria fechar essa lista com ela, que tem seu enfoque em incluir mais pessoas negras na área técnica da tecnologia:

Andreza Rocha, fundadora e diretora Executiva do AfrOya Tech Hub, especialista em Curadoria e Experiências de Engajamento para times de tecnologia com foco em Diversidade e Inclusão, pesquisadora independente em Governança da Internet com o tema Discriminação Algorítmica no Mercado de Trabalho. Andreza foi reconhecida pelo LinkedIn Top Voice em Inteligência Artificial 2023 – inclusive muito merecido, porque foi a que menos me deu trabalho de encontrar informações sobre ela. Ela tem realizado anualmente o Afroya Tech Conference, que tem engajado diversas pessoas da área técnica e da governança da internet. E, por fim, acho importante indicar a pesquisa ‘QUEM SOMOS: Mapa de Talentos Negros em Tecnologia‘, desenvolvida pelo Hub, que tem como intenção ampliar corpos negros na tecnologia.

Enalteça hoje as pessoas que fazem a consCIÊNCIA negra no Brasil…

Geralmente, conclusões têm sempre uma estrutura planejada e detalhada, de revisitar tudo que foi dito e fechar os argumentos, mas como eu já quebrei nesse texto toda a lógica de construir uma narrativa perfeita e o transformei no Prêmio Preto da GI, eu queria começar agradecendo profundamente a cada pessoa citada neste texto. Vocês me inspiram, me acolhem, me ensinam e desmoldam diariamente o caminho da Governança da Internet no Brasil, e só um corpo negro sabe como isso é de fato desafiador.

No último evento que participei, ouvi a seguinte frase: ‘você seria um totem perfeito para a governança da internet do Brasil‘. E olhando para cada uma e cada um de vocês, tenho a certeza de que jamais conseguiria ser um totem. Quem veio antes de mim já nutriu suficientemente os meus caminhos para eu entender qual é o meu compromisso fazendo ciência sobre tecnologia no Brasil, e especialmente na região amazônica. Obrigada!

E para as outras pessoas negras da GI que me acompanham na jornada, que me fortalecem, que também me ensinam e inspiram, mas não estão nesse texto, eu não esqueci de vocês. O texto começou com quase 30 nomes e tive que ir cortando para fechar a versão final. Vocês também são incríveis e constroem diariamente a internet e a tecnologia que eu sonho para o futuro. Uma tecnologia que não esteja a serviço da branquitude, mas que seu compromisso seja com a equidade racial, com a emancipação e o aquilombamento das nossas. Gratidão!

Agora sim, encerro o texto reforçando o convite para vocês conhecerem as pessoas e os trabalhos indicados, e ficarem atentos à nossa campanha consCIÊNCIA negra do IRIS.

Escrito por

Mestrande em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça, pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR; Graduado em Direito pela Faculdade Interamericana de Porto Velho; Pesquisadore Bolsista do Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS; Mentore e ex-embaixador do Programa Cidadão Digital – Safernet Brasil; Ex-Coordenador de Práticas, Pesquisas e Extensões Jurídicas da Faculdade Católica de Rondônia – FCR (2022); Bolsista do programa sobre saúde mental para crianças e adolescentes da ASEC; Membro pesquisador do Grupo de Pesquisa e Ativista Audre Lorde. Tem como área de interesse: direitos humanos, infâncias e juventudes, sexualidade, raça e gênero, intersecionalização entre tecnologia e educação para direitos humanos.

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