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Entre o panóptico e o big brother: a vigilância de Foucault e Orwell em 2019

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25 de outubro de 2019

Certamente você já leu “1984” em algum ponto da sua vida. Assim como já passou pelo conceito de panoptismo em algum momento do ensino médio. Ambos exemplos citados tratam do tema de vigilância e formas de monitoramento.

Nesse texto são apresentados dois conceitos basilares de vigilância dos séculos XVIII e XX, sendo um de cunho filosófico e outro na base literária ficcional, pautando a atualidade e relevância no cenário brasileiro. 

Foucault, Bentham e a Casa de Inspeção

Jeremy Bentham foi um filósofo, economista, jurista e reformista social do século XVIII. Em 1786, ele iniciou uma série de estudos para a criação de um sistema arquitetônico que, de modo eficiente e econômico, melhoraria a administração de prisões, hospitais, escolas e fábricas. 

O sistema, denominado Panóptico ou Casa de Inspeção, era baseado nos seguintes atributos: uma torre central cujo interior era invisível e um anel periférico ao redor da torre no qual ficariam as celas dos presos. Uma vez que os presos não conseguiam ver dentro da torre, não sabiam se o vigia estava presente ou não. O sistema se mostrava eficiente na medida em que instigava uma auto-regulação das condutas, pois, ao não saber em que momento estava sendo vigiada, a pessoa mantinha um padrão de bom comportamento contínuo. 

Essa perspectiva se apresenta em depoimento do próprio Bentham acerca do impacto do panóptico sobre a sociedade:

[…] A moral reformada; a saúde preservada; a indústria revigorada; a instrução difundida; os encargos públicos aliviados; a economia assentada, como deve ser, sobre uma rocha; o nó górdio da Lei sobre os Pobres não cortado, mas desfeito – tudo por uma simples ideia de arquitetura!

Nesse entendimento, a efetividade da proposta do filósofo foi constatada pelo panorama da época. No século XX, o filósofo Michel Foucault populariza o conceito, demonstrando que ele ainda estava sendo utilizado em várias instituições para garantir a docilidade e a obediência das pessoas a partir dos efeitos da vigilância. 

O Grande Irmão está de olho em você

Foucault não foi o único autor do século XX que se debruçou sobre questões desse tipo. No clássico “1984”, George Orwell apresenta uma distopia de uma sociedade totalitária em que a vigilância onisciente controlava a população. Nessa narrativa, a figura de autoridade conhecida como “O Grande Irmão” instala câmeras de monitoramento por toda a cidade e televisores obrigatórios em todas as residências, tirando dos cidadãos qualquer direito à privacidade. 

O próprio autor assume que para a escrita do livro, se inspirou no cenário de autoritatismo presente na véspera da Segunda Guerra Mundial. Mais precisamente, na reunião dos líderes do Aliados na Conferência de Teerã, que ocorreu no ano de 1943 e reuniu Stalin, Roosevelt e Churchill para alinhamento de estratégias de batalha.

Qual a problemática?

Dada a explicação, você deve estar se questionando: “tudo bem, mas por quê estamos falando sobre esse tema?”. A resposta é simples: a vigilância tem sido uma questão cada vez mais em voga nos últimos anos. Com a modernização das mais diversas instâncias da vida nos vemos cercadas de mecanismos que, em maior ou menor grau, exercem sobre nós o poder do conhecimento dos nossos atos, nossos dados e, em última instância, criam um cenário de monitoramento. A diferença, no entanto, é que, imersos nessa dinâmica da sociedade da informação, da interatividade e da alta conectividade, isso parece ser cada vez menos evitável. Ao contrário, ceder os nossos dados nos parece cada vez mais normal e razoável.

Esse é o momento em que apontamos o panoptismo de Focault e o monitoramento de Orwell como pautas presentes – e de extrema importância – em diversas instâncias do atual cenário brasileiro. Tomemos como exemplo o formato adotado em instituições de ensino comuns: o professor em uma posição que permite a observação de todos os alunos enfileirados em uma sala de aula. O próprio termo “grade” curricular remete ao conceito primário da Casa da Inspeção.

Apesar de ser uma história ficcional, o autor de 1984 apresentou uma futurologia que acabou se mostrando como um cenário não tão distópico assim. Décadas depois, nos deparamos com vários programas, aplicativos e tecnologias que cumprem o papel de monitoramento do sujeito – e com a naturalidade em que fornecemos essas informações e dados à elas. 

Como ter autonomia de nossas escolhas se não estamos verdadeiramente escolhendo? Nas redes sociais, por exemplo, ou aceitamos todos os termos e condições ou não temos o direito de usar a plataforma. Ao decidir entrar em shows e eventos culturais, cedemos nosso direito de uso da imagem para cobertura do evento sem ao menos assinar algum documento.

Para além desses casos em que parecemos “escolher” fornecer, a discussão do uso de reconhecimento facial para a segurança pública tem sido uma pauta polêmica dentro e fora do Brasil.

Conclusão

Foucault e Orwell já levantaram a discussão no passado e cabe a nós continuar com ela, atrás de um posicionamento efetivo de autoridades e entidades que detêm nossos dados e muitas vezes fazem uso deles de forma inapropriada. Em julho deste ano, o plenário aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição, a qual garante a proteção de dados como direito fundamental e o tratamento dessas informações de forma legal.

Cabe a nós, cidadãos, seguir acompanhado de perto essas discussões, questionando as falhas e despertando a importância e sensibilidade dessa pauta para todos. Confira  a discussão do painel Proteção de Dados e Segurança Pública no Brasil, que ocorreu no Fórum da Internet do Brasil em outubro de 2019.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Graduanda em Relações Públicas na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Foi estagiária do Núcleo de Mediação da Fundação Clóvis Salgado e em mídias sociais do site Culturadoria.

 

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