Blog

O seu papel na Governança da Internet

Escrito por

9 de outubro de 2019

Na última semana aconteceu o 9° Fórum de Governança da Internet, o evento foi sediado na cidade de Manaus do dia 1° ao 4 de outubro. O evento acontece desde 2011 e é promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. Caracteriza-se por um modelo multissetorial que incentiva que representantes dos quatro setores da governança-  sociedade civil, academia, governo e setor empresarial -, se engajem nas discussões sobre os principais desafios para a consolidação e expansão da internet no país. O evento é, também, uma preparação para o IGF (Internet Governance Forum), que acontece anualmente e é coordenado pela ONU. Discutiremos, aqui, de que forma essas discussões atravessam a nossa vida e como os nossos interesses se relacionam com a Governança da Internet.

O que é a Governança da Internet ?

Para você que tem acesso regular à internet, se percebe como parte de uma comunidade digital e vê a sua rotina atravessada por ferramentas digitais, a internet pode parecer uma questão bem resolvida e consolidada em nossa sociedade. Entretanto, diversas são as questões que estão em voga à respeito de sua regulação, expansão, desenvolvimento e inovação. A internet é um fenômeno relativamente recente na nossa sociedade, mas que já modificou substancialmente a nossa dinâmica social, nossas relações interpessoais e de consumo, o nosso acesso à informação e ao conhecimento, dentre muitas outras coisas. Por isso, há vários campos que estão em disputa e que são importantes para o entendimento sobre qual internet queremos, sobre como compartilhamos o ambiente online, e como viabilizamos o seu fortalecimento. 

A internet foi um Big Bang e ainda estamos vendo os fragmentos passarem” 

C.A.

Questões sobre vigilância online, proteção de dados pessoais, manuseio de dados sensíveis, segurança da informação, jurisdição, governança algorítmica, inclusão social, infraestrutura e desenvolvimento técnico, são pautas recorrentes nas discussões sobre governança da internet. 

O Fórum da Internet no Brasil 2019

A internet é um ambiente transdisciplinar, plural, diverso e que reúne diversos setores. Portanto, é coerente que um evento que se propõe a pensar o ambiente online seja, também, diverso e difuso. Nestes quatro dias de evento foram contempladas questões de infraestrutura, como as estratégias e desafios para a expansão do acesso à internet, que tocou questões de regulação e administração da infraestrutura disponível para o país e qual a melhor forma de manipulá-la a fim de oferecer melhores serviços e inclusão. Houve, ainda, discussões sobre o cenário de acesso à internet na região norte do Brasil, onde muitas comunidades ainda se encontram sem conexão. 

Na mesa “Novas estratégias para enfrentar o discurso de ódio na Internet”, foram apresentadas iniciativas no combate ao discurso de ódio na internet em direção a uma internet que respeite e promova os direitos humanos fundamentais. As painelistas trouxeram um respiro ao exaltar iniciativas de resistência engajadas por uma internet mais positiva e saudável, apresentando projetos como o Tem que ter, que desenvolveu um banco de imagens representativo para a comunidade LGBT, o projeto Meninas Digitais, que incentiva o interesse e o engajamento meninas nos estudos de tecnologia e engenharia.  

O painel “Como a violação de direitos da pessoa com deficiência na rede afeta sua autonomia e independência” pautou os desafios para a inclusão de pessoas com deficiência, destacando a falta de conscientização e mobilização dos desenvolvedores de sites, e, também, dos produtores de conteúdo, que não se atentam as estratégias comunicativas inclusivas e acabam por privar pessoas com necessidades especiais do acesso ao conteúdo. 

O IRIS esteve presente no Fórum propondo duas mesas, uma delas “Entre o punitivismo e a tutela: Tendências do poder legislativo brasileiro na regulação do ambiente online”, e outra “Proteção de dados e segurança pública no Brasil: contexto regulatório atual e perspectivas futuras”, além de ter contribuído para as discussões de “Quantos dados para comprar no mercado? Um debate sobre a proteção de dados pessoais nas relações de consumo”. Ainda, o conselheiro Lucas Anjos fez parte do painel “Revisão de decisões automatizadas: do discurso à prática”. No segundo dia do evento, os pesquisadores do Instituto – Ana Bárbara Gomes, Felipe Duarte e Paloma Rocillo, – lançaram o primeiro volume do Glossário da Inclusão Digital, como parte dos produtos da pesquisa “Barreiras e desafios à inclusão no Brasil: instrumentos do Direito & Tecnologias para transformação da realidade social digital.”, distribuído gratuitamente em sua versão impressa e disponível digitalmente aqui

 A programação completa do evento está disponível no site, assim como os vídeos de todos os painéis estão no Youtube com interpretação em LIBRAS. 

Somos parte do problema e podemos ser parte da solução 

Entender que a internet é uma extensão do mundo físico é um passo importante para compreender a importância de sua regulação. É importante zelar por nossos direitos online e offline. Problemas que atravessam as discussões sobre o uso da internet e sua governança encontram lastro nos nossos arranjos sociais, em nossa cultura, legislação, e a perspectiva de todos os setores afetados é importante para que se abranja a complexidade do debate. 

Os workshops tratados no evento são respostas à demanda da comunidade, podem ser propostos por todos os setores envolvidos e a participação dos painelistas é financiada pelo CGI.br. Para os jovens menores de 25 anos, o CGI.br encoraja e incentiva a participação por meio do programa Youth, levando jovens de todas as regiões do Brasil engajados na Governança da Internet a participarem ativamente no evento e contribuírem com as discussões. As chamadas são públicas e são abertas anualmente para acolher as inscrições das pessoas interessadas. Entre os critérios considerados, destacam-se a relevância temática, diversidade regional, diversidade de gênero e o multissetorialismo. 

Essas iniciativas são oportunidades de pautar debates emergentes, e contribuir para o avanço em direção a uma internet universal, democrática, aberta. A característica multidisciplinar e multissetorial do evento evidencia a complexidade do problema, que não se finda numa única área de estudos. Ao contrário, esses domínios do conhecimento se mesclam ao passo que decisões técnicas trazem implicações sociopolíticas de forma muito categóricas. No clássico texto de Winner (1980) sobre controvérsias sociotécnicas, “Artefatos têm política?”, o autor adverte sobre o risco de um “determinismo tecnológico”, pautado na crença de que as tecnologias se desenvolvem de forma orgânica e independente e, então afetam a sociedade. Em seguida, o autor evidencia exemplos práticos sobre como escolhas técnicas se transformam inevitavelmente em escolhas políticas, na medida em que elas podem oferecer possibilidades de inclusão ou exclusão, por exemplo. 

Conclusão

Se atentar à construção de um ambiente online que esteja de acordo com os princípios da internet é se empenhar na consolidação de uma sociedade mais justa e diversa. Compreender como esse debate nos afeta pode nos ajudar a nos localizar na discussão para, então, nos transformarmos em sujeitos conscientes de nossas práticas e escolhas online, além de nos capacitar para o engajamento na solução dos problemas que nos tocam de forma tão incisiva. 

Vale ainda lembrar a lição de Vint Cerf, um dos pioneiros da internet: a internet é um espelho do que somos como sociedade. Se você não gosta do que vê, quebrar o espelho não vai adiantar nada. 

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Diretora do Instituto de Referência Internet e Sociedade, é mestranda em Política Científica e Tecnológica na UNICAMP. É formada em Ciência Sociais pela UFMG. Foi bolsista do Programa de Ensino Tutoriado – PET Ciências Sociais, onde desenvolveu uma pesquisa sobre o uso de drones em operações militares e controvérsias sociotécnicas. Fez parte do Observatório de Inovação, Cidadania e Tecnociência (InCiTe-UFMG), integrando estudos sobre sociologia da ciência e tecnologia. Tem interesse nas áreas de governança algorítmica, vigilância, governança de dados e direitos humanos na internet.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *