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Para recalibrar as expectativas sobre o metaverso

Escrito por

23 de fevereiro de 2022

Recentemente, temos ouvido falar muito sobre o tal do metaverso. O conceito é recorrentemente enunciado como o futuro da internet – algo que promete dominar de vez a forma como interagimos com o mundo e com as pessoas ao nosso redor (presencial  ou digitalmente).

Este post – um pouco diferente daquilo que eu costumo escrever – propõe, de certa forma, um leve exercício de respiração. A sugestão  é que tenhamos um pouco de calma e controlemos nossas expectativas quanto à promessa do metaverso: para além do jargão de marketing, o que significa de fato esse conceito, e  o que podemos esperar dele? 

Prelúdio: uma conversa um pouco “meta”

Achei interessante introduzir este post com uma breve contextualização. Isso porque vai ser um texto com bastantes mudanças quanto ao que eu costumo produzir para o blog do IRIS – em mais de um sentido. Tem sido um grande desafio para mim, e algo que tem alimentado  um pouco minhas incertezas e inseguranças. Por isso, usemos um pedaço do texto para falar sobre o próprio texto. Chique.

Em primeiro lugar, é a minha primeira tentativa escrevendo de forma um pouco mais pessoal. Usualmente, eu dou preferência para um estilo de redação mais “frio”, evitando o uso da 1ª pessoa, entre outras coisas, mas decidi aproveitar o espaço de autoexpressão que o blog proporciona para tentar algo um pouco diferente – vamos ver no que dá.

Em segundo lugar (e agora sim o ponto relevante): este vai ser o primeiro post de uma série que decidimos começar aqui no blog sobre realidade estendida (XR, extended reality). Recentemente, tivemos a oportunidade de dar início a um projeto de pesquisa muito empolgante, no qual vamos estudar os impactos dessa tecnologia para a privacidade e a proteção de dados pessoais.

Apesar disso, ironicamente, este post não vai tratar sobre proteção de dados e não propõe exatamente uma análise sobre XR, que engloba tecnologias como realidade aumentada (AR), realidade mista (MR) e realidade virtual (VR) – essas tecnologias e conceitos serão abordados e melhor esclarecidos em uma próxima oportunidade. Como aponta o título, o primeiro post da série sobre realidade estendida será o metaverso: o assunto tem um grau considerável de intertextualidade com o tema real da série. É justamente falando sobre essa relação que vamos começar o debate.

Realidade estendida, metaverso e internet

A escolha do tema para esse texto teve como motivo algo que encontramos consistentemente durante a busca por bibliografia sobre realidade estendida: resultados vinculando diretamente a ideia de XR – ou alguma das tecnologias nela englobadas – ao metaverso foram comuns. Isso parece ter sido motivado pelos esforços recentes do Meta (antigo Facebook) em vender o conceito de metaverso. Desde a mudança de nome, ilustrando o novo rumo que pretendem tomar daqui em diante, diversas peças publicitárias foram postadas nos canais de comunicação da empresa para ilustrar o que é o metaverso para o Meta.

Isso mexeu bastante na percepção geral sobre o conceito de metaverso. Não só o termo ganhou muito mais tração e popularidade em mecanismos de busca online no ano de 2021 – conforme indica o Google Trends –, como também vimos diversos diálogos surgindo em torno do metaverso. Quase sempre, o assunto gira em torno do conceito de metaverso como uma réplica das funcionalidades já existentes na internet hoje, potencialmente em forma de renderização 3D, em um ambiente de realidade estendida – mais recorrentemente, de realidade virtual.

Legenda: As buscas pelo termo “metaverso” no Google aumentaram exponencialmente em 2021, após o anúncio do rumo institucional do Meta (antigo Facebook).

E o metaverso, segundo esse conceito, parece… ao mesmo tempo, uma expectativa desproporcional e um pouco de “mais do mesmo”? O que estou tentando dizer, basicamente, é que a ideia de metaverso que está sendo vendida e discutida hoje parece mais uma camada adicional para um ecossistema já instituído e operacional.

O debate hoje parece equiparar a ideia de metaverso ao uso de realidade estendida. Interações sociais, jogos, trabalho, estudos, entre muitos outros. Todas essas funcionalidades são disponibilizadas ou prometidas dentro desse novo universo, possibilitando interação e comunicação em tempo real de pessoas localizadas em diferentes pontos do mundo. Mas esse não é basicamente o conceito de internet que já conhecemos há anos, com alguns elementos de acessibilidade e interatividade a mais?

Metaverso: entendendo o conceito e discutindo o significado

Antes do recente crescimento do interesse pelo conceito de metaverso e as possibilidades que essa tecnologia traria para os usuários, já havia discussões e estudos sobre o tema. Desde 2006, por exemplo, a Acceleration Studies Foundation (ASF) vem trabalhando em um roadmap do metaverso, e publicando expectativas e impressões de representantes de diversos setores do mercado sobre esse tópico.

Segundo uma das definições propostas pela própria ASF na época, o metaverso seria uma mistura de “mundo virtual fisicamente melhorado” e de “mundo físico virtualmente habilitado”, de forma que seria possível migrar de forma natural entre essas duas realidades – a “virtual fisicalizada” e a “física virtualizada”, digamos.

Cabe pontuar que a ideia proposta pela ASF não é necessariamente a de que o metaverso seria experienciado 100% em um ambiente digital tridimensional. Inclusive, a previsão foi bem o contrário: estimaram que, provavelmente, a maioria das interações dos usuários com o metaverso aconteceriam em 2D, mas com a possibilidade de mescla entre essas duas realidades em algum nível. É um conceito publicado já há bastante tempo – cerca de 15 anos atrás –, mas pessoalmente me parece bastante realista.

De certa forma, podemos observar um grau considerável de intersecção entre o conceito de metaverso apresentado pela ASF e a ideia atual dessa tecnologia que tem circulado na internet. A principal diferença – pelo menos do meu ponto de vista – é que o conceito “inicial” já incluiria dentro da sacola do metaverso experiências que eram relativamente novas na época, mas que hoje são vistas como normais. Mundos virtuais como o Second Life e o World of Warcraft, por exemplo, compõem o conjunto do que seria considerado o metaverso segundo essa definição de 2006.

Hoje, experiências dessa natureza parecem estar inseridas no que usualmente se entende como “apenas a internet”. Esses universos digitais representaram um avanço significativo nas possibilidades disponibilizadas pelo ambiente digital, com a interação em massa de usuários em ambientes virtuais e a possibilidade de um grau antes desconhecido de imersão, mas não são mais vistas como parte do metaverso.

E, embora seja natural que o conceito de metaverso se altere ao longo do tempo, isso nos leva ao segundo ponto que eu gostaria de levantar sobre o tópico.

O metaverso hoje: nada de novo sob o sol

Como apontei logo acima, experiências antigamente consideradas como integrantes do metaverso – Second Life, World of Warcraft, entre outras – hoje são assimiladas como apenas algo a mais que podemos fazer dentro do ambiente da internet. A concepção de metaverso para esses mundos virtuais se alterou para comportar experiências mais modernas: envolvendo o uso de headsets de realidade virtual, na maioria das vezes.

Grande parte do conceito de metaverso parece estar girando em torno dessa ideia hoje – a de “imergir” em um ambiente virtual como se você de fato estivesse lá. Em campanhas publicitárias do Meta, por exemplo, isso parece ser representado pelo uso de avatares em ambientes de realidade virtual (VR) ou na forma do que parecem ser “hologramas” inseridos no mundo real.

A questão é que – reiterando o argumento do início do texto – da mesma forma como o “metaverso” de antes hoje já não é nada mais do que uma das diversas funcionalidades disponíveis através da internet, o próprio uso de equipamentos especializados para aumentar a imersão em um ambiente virtual também parece fadado ao mesmo destino. Isso não significa que o “novo metaverso” vai cair em desuso. Muito pelo contrário. Mas me parece que a popularização de tecnologias imersivas representa apenas a ascensão de uma nova funcionalidade para o mundo digital: talvez se trate mais de uma nova ferramenta que acrescenta ao uso da internet no geral, mas não necessariamente indique uma quebra de paradigma com relação à realidade que vivemos hoje – é certamente algo inovador, mas será de fato tão disruptivo quanto se está querendo fazer parecer?

Mas nem é esse o ponto que eu pretendia levantar aqui. Meu principal problema com toda essa discussão sobre o metaverso é que, independentemente de os mundos virtuais já “normalizados” dentro da internet serem ou não “o metaverso”, e independentemente de o argumento girar em torno de o futuro ser o uso de realidade estendida para materializar o metaverso, nada do que nos foi apresentado até agora é de fato novidade. O uso de realidade virtual para simular a presença de várias pessoas em um mesmo espaço digital – seja para fins de trabalho, entretenimento, comunicação social ou qualquer outro – é algo que existe e é utilizado já há alguns anos, por exemplo. Aplicações como o VR Chat estão disponíveis desde 2017, e desde o lançamento dos agora relativamente populares headsets de VR podemos observar programas que se propõem a fornecer ambientes de trabalho em realidade virtual.

O resumo da ópera é que – ao menos ao meu ver, e tendo como base a tecnologia disponível hoje e as experiências futuras previstas para o metaverso – a situação está sendo elevada a proporções um pouco desarrazoadas. Isso, contudo, não significa que o “hype” por trás do uso de tecnologias de realidade estendida não seja justificado: apenas que precisamos recalibrar um pouco nossas expectativas sobre o quanto esse avanço tecnológico irá de fato representar uma revolução na forma como interagimos com o ambiente digital.

Recalibrando expectativas: o “metaverso” ainda é um conceito promissor

Que fique claro: “recalibrar expectativas” não quer dizer que o que se tem chamado hoje de metaverso não seja um avanço tecnológico incrível – atenção para a dupla negativa, a proposta toda é, sim, muito promissora. A popularização de tecnologias de realidade estendida representa um salto considerável para as possibilidades de imersão em experiências de todas as naturezas: para o aprendizado, para a interação social, para o entretenimento, para a cultura, entre diversos outros usos.

Em especial, o uso dessas tecnologias para educação e cultura, com a possibilidade de imersão dos usuários em locais distantes, museus ou mesmo para o estudo “ao vivo” de ambientes aos quais o acesso seria impossível sem o uso de realidade virtual (como o espaço, o fundo do mar etc.) representam uma perspectiva empolgante para o futuro. O uso de VR para simulação e treinamento de sobrevivência em caso de desastres ambientais, como tem sido feito no Japão, também é um retrato atual de como essas tecnologias podem ser empregadas de forma inteligente, útil e inovadora.

Mesmo as inovações que dizem respeito à aplicação em dispositivos “vestíveis” – os wearables – são algo que eu pessoalmente considero bastante interessantes. Tecnologias como o Microsoft HoloLens e o Google Glass, por exemplo, foram anúncios que, embora ainda não tenham alcançado todo o seu potencial, representam ferramentas promissoras.

O entusiasmo com o aumento do uso e das aplicações de realidade estendida, contudo, não anula minhas profundas preocupações com a segurança desses dispositivos – especialmente no que diz respeito à privacidade e à proteção dos dados pessoais dos usuários. Esse não é exatamente o tópico deste post, e será abordado em mais detalhes em uma próxima publicação da série, mas cabe deixar registrado o desconforto e a certeza de que ainda temos muito o que evoluir do ponto de vista da garantia dos direitos das pessoas inseridas no “metaverso”.

Em qualquer hipótese, as diversas aplicações da realidade estendida representam um avanço tecnológico bem-vindo.

Lado a lado

A percepção do chamado “metaverso” como algo à parte de tudo o que vivenciamos hoje – uma revolução absoluta na forma como interagimos, ou vamos interagir, com a rede e as pessoas ao nosso redor – soa bastante como uma promessa exageradamente otimista, ou então como um excesso de entusiasmo que supera um pouco as expectativas razoáveis. Apesar disso, é evidente que as tecnologias baseadas em realidade estendida são ferramentas importantes para nossa interação com o mundo digital, e é muito provável que se tornem cada vez mais. Talvez não substituam completamente o uso de computadores tradicionais, com telas e afins – ao menos não no curto-médio prazo –, mas soa bastante plausível que um dia andem lado a lado com eles.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Victor Vieira é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pós-graduando em Proteção de Dados Pessoais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). É pesquisador e encarregado de proteção de dados pessoais no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) e advogado. Membro e certificado pela International Assosciation of Privacy Professionals (IAPP) como Certified Information Privacy Professional – Europe (CIPP/E).

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