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Rio Grande do Sul e (des)informação: o que isso tem a ver com a crise climática?

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8 de maio de 2024

Se você tem qualquer acesso à internet e redes sociais, é impossível que você não tenha visto a tragédia climática atual no estado do Rio Grande do Sul. 

A crise climática é parte central constitutiva do cenário mundial atual e se difunde pelas redes sociais levantando diferentes opiniões – aqui uso “crise” ou “catástrofe” climática sabendo que os termos levantam importantes apontamentos políticos, porém neste texto não terei tempo para desenvolver estes assuntos de forma tão detalhada. Continuando: como aproximar a governança da internet e a segurança climática? Neste texto de blog coloco um tanto de mim, das dores que carreguei nesta semana vendo as imagens do meu Estado, fotos da minha família e de amigos (e de tantos que lá vivem), tento criar um texto a partir das minhas vivências, dores e constituições dos meus saberes, e busco escrever sobre como pensarmos os problemas, riscos e oportunidades no uso de redes sociais em momentos de tragédias climáticas.

O caso do Rio Grande do Sul – breve explicação do ocorrido

Em setembro de 2023, o estado do Rio Grande do Sul enfrentou um extremo fenômeno climático, um ciclone extratropical, que deixou 157 mil pessoas desabrigadas e 54 mortas. No final de abril, início de maio de 2024, o mesmo Estado enfrentou um quadro ainda mais alarmante: as fortes chuvas no Rio Grande do Sul provocaram inundações e desmoronamentos em todo o estado, resultando em 83 vítimas fatais, conforme relatórios oficiais divulgados segunda-feira (6), às 9h. Além disso, 111 pessoas ainda estão desaparecidas em meio a esse caos, cujos impactos mais severos começaram em 29 de abril. 

O Rio Grande do Sul vive, então, a maior “catástrofe” ambiental de sua história. Na cidade de Eldorado do Sul só se chega de barco ou helicóptero. Na cidade de Canoas, cenas como um cordão humano de pessoas com água acima da cintura puxando um barco com motor desligado, que resgatava pessoas ilhadas nos telhados de suas casas, fazem parte das imagens espalhadas pelo mundo.

Diferentemente da antiga cheia histórica vivida na cidade em 1941, o momento atual é marcado pela difusão de vídeos, informações, narrativas negacionistas e solidariedade construídas por meio de redes sociais. Como entender isso tudo?

As redes sociais e a (des)informação climática – debates sobre negacionismo climático

Tragédias climáticas são, em alguma boa medida, escolhas políticas. Enquanto as narrativas negacionistas entram em disputa com movimentos da sociedade civil e de pesquisadores que demonstram a importância do debate e a veracidade dos fatos, eventos como NetMundial+10 e G20 apresentam a importância de aproximarmos os campos de governança da internet – com foco nas redes sociais – e segurança climática.

Alguns pontos importantes nesse assunto são:

  • Redes sociais se tornaram espaços de disseminação de desinformação climática, segundo especialistas. O Instituto de Diálogo Estratégico (ISD) destaca vulnerabilidades nas plataformas, enquanto a Universidade de Exeter aponta para um viés algorítmico que favorece a propagação de conteúdo enganoso. Além disso, entidades ligadas ao setor de combustíveis fósseis investiram milhões em anúncios para espalhar informações falsas antes da COP27 da ONU, destacando a influência desses interesses na disseminação da desinformação climática;
  • Daí a importância de gerenciar a Internet dentro do interesse público, em conformidade com o direito internacional e os direitos humanos, reconhecendo a transparência e responsabilidade como princípios fundamentais para uma governança eficaz da Internet e processos de políticas digitais inclusivas;
  • Segundo documento do UNICEF, a governança das mudanças climáticas está relacionada ao desenvolvimento dos países e ao bem-estar da natureza e das pessoas. Para que os processos sejam participativos e resultem em ações climáticas eficientes e eficazes, os direitos das pessoas e as regulamentações que os protegem devem ser levados em consideração. A aproximação da governança climática atrelada a governança da internet é urgente, podendo influenciar nos processos de difusão de informações sobre a temática.

Dificuldades e possibilidades: como aproximar a governança da internet e a segurança climática?

A aproximação entre a governança da internet e a segurança climática enfrenta tanto desafios quanto oportunidades significativas. Ambos os campos lidam com questões globais complexas que requerem colaboração internacional e coordenação entre múltiplos atores. Uma abordagem integrada poderia envolver a utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC) para monitorar e mitigar os impactos das mudanças climáticas, além de promover a conscientização e a educação sobre questões climáticas por meio da internet. No entanto, isso também levanta preocupações sobre questões como acesso equitativo à informação climática, proteção de dados pessoais e privacidade, e a necessidade de políticas que garantam que a tecnologia não exacerbe as desigualdades socioeconômicas. Ou seja: i) todas as pessoas deveriam ter acesso justo e igualitário a informações sobre mudanças climáticas, independentemente de sua localização ou status socioeconômico; ii) é crucial garantir que as informações pessoais coletadas para entender e combater as mudanças climáticas sejam protegidas e não sejam usadas de maneira inadequada, respeitando, principalmente, o seu direito à privacidade; iii) seria importante que as políticas garantissem que as tecnologias relacionadas ao clima beneficiem a todos os grupos da sociedade de maneira justa, evitando a ampliação das desigualdades socioeconômicas.

Resumidamente, as possibilidades e desafios são:

  1. Possibilidades:
  • Plataforma global e acessível para compartilhar informações sobre mudanças climáticas;
  • Facilita a conscientização e mobilização de ações relacionadas ao clima;
  • Permite alcance amplo e diversificado para disseminar dados científicos e campanhas de sensibilização.

    2. Dificuldades:

  • Propagação de desinformação e teorias da conspiração sobre mudanças climáticas;
  • Amplificação de informações imprecisas ou enganosas, minando a compreensão pública da crise climática.

Um dos casos positivos do uso das redes sociais neste cenário é o do grupo Agentes do Verificado, composto por especialistas, que apoia o programa Verificado pelo Clima, que visa combater informações falsas sobre mudança climática. Eles são reforçados por criadores de conteúdo influentes convidados a compartilhar mensagens em suas redes sociais. Em abril deste ano, em parceria com a ONU e a Purpose, o grupo atuou para combater a desinformação sobre mudança climática, promovendo informações confiáveis e precisas, durante o mês do Dia Internacional da Terra. O programa é apoiado pelo TikTok, Rockefeller Foundation e Fortescue, e busca enfrentar narrativas prejudiciais e promover soluções climáticas, como a transição para energias renováveis.

Outro caso é o da Agência Lupa que é uma plataforma de combate à desinformação por meio do fact-checking e da educação midiática. Na questão do Rio Grande do Sul, a agência vem realizando um incansável trabalho de checagem das informações divulgadas sobre a tragédia climática, divulgando informações falsas em seu site, como: a) É falso que Governo Lula patrocinou show da Madonna e deixou de enviar recursos para as vítimas das tragédias no RS (7/5/2024); b) É falso que governo gaúcho está fiscalizando documentação de jet skis e barcos que atuam em resgates (7/5/2024).

O que o caso do Rio Grande do Sul pode elucidar?

As redes sociais também podem ser usadas de forma colaborativa e solidária, afastando o negacionismo climático e desenvolvendo formas de ações sociais informativas. Mas não basta apenas isso: os princípios guiadores das plataformas e redes digitais, assim como da construção de um campo de governança da internet transparente, inclusivo e informativo, deve estar presente para uma construção solidária.

O caso do Rio Grande do Sul demonstra que as redes sociais foram centrais para catalisação de informações de forma ágil, assim como demonstrou que ter conectividade digital nessa hora foi central para salvar vidas. Redes sociais, como Instagram, estão sendo utilizadas para postagens com informações e endereço de pessoas que precisam de resgate de barcos; o Instagram também está sendo usado por um grande número de influenciadores para levantamento de ajuda financeira para o estado do RS. Conectividade significativa é sobre cidadania.

Por fim, mas não menos importante: não é preciso esperar um colapso climático ocorrer para o campo de governança da internet se dar conta de sua centralidade para educação climática digital e difusão de informações neste campo – assim como para conscientização das questões climáticas atuais. 

Para saber mais informações já verificadas sobre os acontecimentos no Rio Grande do Sul, confira a checagem de fatos em tempo real realizada pela agência LUPA. Para fazer doações e ajudar a população, confira a lista realizada pelo portal Terra.

Escrito por

Luiza Correa de Magalhães Dutra, doutoranda e mestra em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul. Especialista em Segurança Pública, Cidadania e Diversidade pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bacharela em Ciências Sociais pela UFRGS, com período sanduíche realizado no Science-Po Rennes, França, e Bacharela em Direito pela PUCRS. Pesquisadora.

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