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A Exclusão Digital na perspectiva do Sul Global: consequências e vulnerabilidades sociais

26 de setembro de 2022

Você já sentiu na pele o que é ser excluído de algo alguma vez na vida? Imagine agora, estar excluído de viver com mais qualidade de vida de forma constante, sem saber quem e quando vai te ajudar a sair dessa situação. É difícil, não é mesmo? Esta é a realidade de mais de 28 milhões de brasileiros que estão deixando de aproveitar o uso potencial da internet por não ter acesso a ela por motivos que vão desde a localização geográfica até a falta de interesse. A exclusão digital existe e, infelizmente, tem gerado consequências negativas para o desenvolvimento humano, em especial de camadas sociais menos favorecidas localizadas no Sul global, como moradores de zonas rurais, quilombolas, indígenas e demais grupos sub-representados e subconectados. Além disso, a problemática tem recebido pouca atenção dos governantes e dos formuladores de políticas públicas, o que acentua ainda mais a gravidade do problema. Ficou curioso para descobrir mais? Te convido a continuar a leitura para ficar por dentro de um assunto que tem provocado enormes consequências para milhares de pessoas.

O retrato da exclusão digital no Brasil e no mundo 

É inegável que o ser humano tem desenvolvido ferramentas incríveis, e uma delas foi a internet, a qual tem levado a patamares inimagináveis o desenvolvimento da humanidade em todos os sentidos. Como já é sabido, as Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDICs) oferecem inúmeras vantagens para quem as utiliza de modo potencial, tais como: acesso à informação; trabalho remoto; emissão de documentos fornecidos pelo governo; facilitação da comunicação entre amigos e familiares, entretenimento, etc. No entanto, o processo acelerado da digitalização de inúmeras atividades não está sendo acompanhado e nem ofertado de forma igualitária para todos os indivíduos. Portanto, aqueles que estão fora deste contexto, estão provando, infelizmente, do sabor da exclusão digital e enfrentando consequências que podem ser irreversíveis.

Uma pesquisa da União Internacional das Telecomunicações (UIT, 2021) mostra que 37% da população mundial ainda não possui acesso à internet, ou seja, mais de 2 bilhões de pessoas estão excluídas digitalmente. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021), cerca de 28,2 milhões de brasileiros não possuem acesso à internet. De acordo com a TIC Domicílios de 2021, 100% dos domicílios da classe A possuem acesso à internet, enquanto apenas 61% das classes D/E dispõem do serviço. Estes dados revelam o quanto as variáveis “renda” e  “escolaridade” influenciam o acesso e o uso da internet entre as classes sociais, bem como o nível da apropriação da tecnologia para o desenvolvimento pessoal e local. 

A relação entre a exclusão digital e a exposição às vulnerabilidades sociais 

Há uma relação intrínseca entre a exclusão social e a exclusão digital, uma vez que ambos os status acentuam ainda mais a vulnerabilidade de classes sociais menos favorecidas. Em paralelo a isso, a ausência e/ou o baixo nível de letramento digital é uma barreira imposta pelo descompasso social, econômico e tecnológico. Sendo assim, imersos nesses contextos, os cidadãos tendem a enfrentar desafios ainda maiores para satisfazer suas necessidades, bem como para conhecer, defender e exercer seus direitos, os quais estão garantidos na Constituição Federal de 1988.

Dito isto, a internet tem sido uma ferramenta cada vez mais utilizada, por exemplo, pelo Governo Federal para facilitar e melhorar o atendimento dos serviços públicos, ou seja, centenas de serviços podem ser encontrados a um clique de distância. No entanto, enquanto para aqueles que possuem dispositivos e acesso à internet isto é um paraíso, para os que não possuem dispositivo e nem acesso à internet (ou possuem ambos, mas com qualidade precária), a tendência é que, enquanto cidadão, a sua vulnerabilidade seja ampliada mediante a migração, cada vez mais massiva, dos serviços que eram ofertados presencialmente, para o mundo digital. 

Por outro lado, existe uma indústria digital repleta de empresas que oferecem serviços na internet, onde o Sul global tem sido o principal mercado. O que alimenta esta indústria são dados, os quais são coletados através de pegadas digitais deixadas pelos usuários ao navegar na internet. Esta é uma realidade muito preocupante, uma vez que os usuários subconectados e com baixo nível de letramento digital são mais vulneráveis a cair em golpes; aceitar termos de condições e cookies sem ler; clicar em links maliciosos; compartilhar fake news, dentre outros, pelo fato de estarem desprovidos de informações e de habilidades básicas para aproveitar, ao máximo, o potencial transformador do uso da internet, de modo que direitos sejam garantidos e exercidos.

O vigilantismo diante do acesso precário

Nesse contexto, torna-se possível perceber como questões já problemáticas e inerentes ao uso da rede – para qualquer usuário – se tornam maiores quando existem dificuldades básicas de acesso, letramento digital e apropriação tecnológica. Um exemplo disso diz respeito à lógica vigilantista em que estamos sujeitos nos dias atuais. Explicando melhor esse conceito, há muitos autores – sendo Shoshana Zuboff a grande precursora desses estudos – que afirmam que, hoje em dia, existe uma nova forma de capitalismo em curso: O Capitalismo de vigilância.

Nesse sistema, a constante extração e acumulação de dados no ambiente virtual origina uma lógica em que, quanto mais informações são extraídas dos usuários, mais fácil se torna prever seus gostos, traços de personalidade e, logo, próximas decisões – online e offline (mais sobre isso nesse post). A partir disso, as grandes empresas passam a comercializar todas as informações deixadas e coletadas pelos usuários, visto que elas se tornam importantes ativos para a predileção de comportamentos e, logo, indução de ações. Em outras palavras, torna-se mais fácil prever quando um determinado usuário está precisando de comprar novas roupas, por exemplo. Diante desse cenário, as lojas virtuais se aproveitam dessa informação e passam a, estrategicamente, exibir vários anúncios de roupas a todo momento para esse indivíduo – até que ele compre. 

Mas o que isso tem a ver com as questões de exclusão digital já abordadas? Bom, esse contexto vigilantista envolve os usuários da rede de maneira geral, independente de sua classe, gênero, nacionalidade, renda… No entanto, tal como colocado anteriormente, vulnerabilidades sociais se somam, ou mesmo são majoradas por vulnerabilidades digitais. Desse modo, ilustrações disso são como usuários que apresentam dificuldade no manejo de equipamentos e uso da internet são alvos mais fáceis de golpes online, spams e discursos desinformativos. Isso acontece ao passo que, quando o próprio uso e acesso dos recursos tecnológicos ainda são uma barreira, o uso cidadão, seguro e consciente das redes se torna um patamar ainda mais difícil de ser alcançado. Questões então como proteção de dados e a seleção de fontes confiáveis no dia-a-dia tornam-se, muitas vezes, utópicas quando o indivíduo tem, mensalmente, um pacote de dados suficiente apenas para atividades pontuais, necessárias e bastante limitadas. 

Em um âmbito mais geral, é interessante mencionar como essa lógica de extração de dados é mais forte e danosa àqueles, mundialmente, mais pobres; ou seja, o Sul Global. Esse pensamento é materializado pela concepção de Colonialismo de dados, que pode ser entendido como a lógica do vigilantismo e extração aplicada diante de uma perspectiva ainda colonial em que o Norte Global, por possuir mais recursos tecnológicos, monetários, intelectuais e outros tantos, se apropria do Sul Global a todo momento. Assim, apesar de mesmo em países ricos, o Capitalismo de vigilância ser uma realidade, são os países pobres os mais prejudicados, em uma postura de submissão contínua e falta de controle – e muitas vezes, mesmo consciência – diante desse fluxo de informações e poder.

Considerações finais 

Ao ser usada como ferramenta de transformação, a internet é capaz de promover mudanças de hábitos, economia de tempo, crescimento econômico, redução da distância, dentre muitos outros benefícios. No entanto, não podemos aceitar que as camadas mais vulneráveis da população brasileira e mundial (preponderantemente no Sul Global) permaneçam excluídas – e exploradas – no contexto da sociedade digital e globalizada. Para tal alcance, é necessário pressionar os Governantes e os formuladores de políticas para dar mais atenção ao problema da exclusão digital, uma vez que, ao tornar a população nacional munida de conhecimento e de ferramentas potenciais, a tendência é que a nação contribua, de forma orgânica, para o crescimento econômico e tecnológico do país.

O IRIS já está fazendo a sua parte para minimizar a exclusão digital e fomentar a inclusão digital através de estudos científicos, parcerias e ações práticas, como o projeto “Conectividade Significativa para Comunidades no Brasil com apoio da Embaixada Britânica no Brasil – mais informações, posts e publicações sobre o projeto em breve! Faça também a sua parte enquanto cidadão ao buscar se informar e pressionar os governantes para a construção e aplicação de políticas públicas voltadas para o combate da exclusão digital. Vamos juntos contribuir para uma sociedade da informação cada vez mais empoderada e munida de ferramentas capazes de transformar vidas.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autorores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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