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Tomada de decisões no ambiente virtual: você decide ou decidem por você?

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2 de agosto de 2022

Em tempos onde um rápido click na opção “Li e aceito os termos de uso” é suficiente para determinar nosso consentimento enquanto sujeitos digitais, torna-se evidente que não temos tomado decisões tão conscientes assim. No entanto, responsabilizar completamente os usuários não é a solução. É preciso analisar e identificar os padrões presentes no ambiente virtual para, diante disso, tentarmos desenvolver atitudes mais conscientes e críticas.

Em texto anterior, abordei um pouco sobre Populismo Digital, explicando como esse fenômeno político se relaciona com o Capitalismo de vigilância e como sua manifestação depende de elementos do ambiente virtual, a exemplo dos filtros bolha e câmara de eco. No presente texto, será possível observar algumas relações, visto que os fenômenos, padrões e mecanismos que nos influenciam na tomada de decisões no ambiente virtual estão contemplados nessa lógica da vigilância, embora nem sempre apresentem um caráter manifestadamente político. Te convido então para a leitura e, espero que, identificando padrões que nos influenciam no ambiente virtual, seja possível pensar duas vezes antes de decidir.

Efeitos cascata: decisões em efeito dominó

No artigo “Authoritarianism and the Internet”, os autores Bryan Druzin e Gregory S. Gordon apresentam o conceito cyberspeech cascades, o qual teria como tradução “cascatas cibernéticas” ou “cascatas do ciberdiscusso”. Ao longo do texto, exploram a relação de tal fenômeno com estratégias de autoritarismo digital, descrevendo os vários tipos de cascata e como comportamentos sociais e elementos das redes os fazem acontecer.

Previamente à descrição dos tipos de cascata apontados pelos autores, é importante explicar o fenômeno em sua esfera social, desatrelada do caráter cibernético. Os efeitos cascata são nada mais que o famoso efeito dominó, o comportamento em massa ou de manada. Assim, para ilustrar como essas sutis influências ocorrem no dia-a-dia, o texto traz o exemplo de um indivíduo que está em dúvida entre as lojas de roupa A e B, em um shopping center. Sem saber em qual ir,  inconscientemente, escolhe a loja onde parece haver mais pessoas. Em seguida, um segundo indivíduo com a mesma dúvida, ao ver o primeiro fazendo sua escolha, tende a segui-lo. A tendência, por sua vez, é que, nessa sequência, um grupo de pessoas se direcione à mesma loja, a despeito das suas percepções ou do motivo que orientou a escolha dos demais. Ao final, pode ser que a cascata tenha se orientado erroneamente, levando os indivíduos à loja mais cara e/ou com menor qualidade de peças. Além disso, o fator que orientou o primeiro indivíduo à sua escolha – o número de pessoas se direcionando ao estabelecimento – pode ter sido percebido de maneira equivocada, de forma que, na verdade, apenas existia um grupo de pessoas parado na vitrine esperando por um conhecido, por exemplo. 

Apresentados tais exemplos, é nítido como estamos todos propensos a influências externas, ao passo que, muitas vezes no dia-a-dia, decisões são realizadas de maneira rápida ou mesmo inconsciente. Diante disso, vários fatores são parte dessas tomadas de decisões, sendo o elemento social-comportamental bastante notável.

Explorando então os principais tipos de efeito cascata trazidos pelos autores, tem-se: o informacional, reputacional e de disponibilidade. O primeiro se baseia na influência gerada por informações periféricas diante de conhecimentos maiores; casos em que as percepções pessoais perdem espaço para aquelas públicas. O segundo, por sua vez, apresenta foco na reputação dos indivíduos que fornecem a informação e como o julgamento social se constrói a partir da formação de tal opinião ou posicionamento. Já o terceiro, reúne elementos conjuntos e é o mais perceptível nas redes: trata-se de como a disponibilidade de determinada informação influi nas concepções dos indivíduos. Um exemplo seria um indivíduo se convencer de que é mais fácil ser alvo de um ataque terrorista do que de um atropelamento de carro, visto a frequência com que se depara com esse tipo de informação em suas redes. Diante disso, o senso de risco das pessoas é alterado, tal como sua percepção geral sobre o assunto.

Frente a isso, as cascatas cibernéticas seguem o mesmo raciocínio daquelas externas ao ambiente virtual. No entanto, apresentam particularidades determinantes, a exemplo da velocidade e quantidade de informação nas redes, a presença de algoritmos manipuladores e as bolhas virtuais, orientadas por interesses mercadológicos das plataformas. Ademais, uma particularidade é que, grande parte dos usuários não têm ciência de como esses elementos os manipulam virtualmente, de forma que acreditam que estão tomando decisões autônomas e pessoais. A forma como isso ocorre através da estrutura das redes é ilustrada no próximo tópico.

Decidindo sob pressão: já ouviu falar em Dark Patterns?

Se você já entrou em um site e se deparou com uma promoção relâmpago, em que tinha 1 minuto (cronometrado) para decidir se desejava obter determinado produto pela metade do preço, em uma chance única, você sabe o que é um Dark Pattern – mais sobre esse tema pode ser encontrado no workshop apresentado no 12º Fórum da Internet no Brasil sobre o assunto.

Apesar de não haver ainda uma definição formal sobre o que seriam esses padrões obscuros ou enganosos, tratam-se de estratégias utilizadas no ambiente virtual para conduzir os usuários a atos induzidos, no qual seu consentimento e autonomia não são explícitos. Assim, para ocasioná-los, estratégias comuns são: mecanismos que impõe pressão na execução de ações (a exemplo de cronômetros que contam o tempo em que um desconto é válido), recursos de design, uso de palavras que suscitam a atribuição de impressões negativas à não aderência de práticas desejadas, procedimentos que dificultam a revogação do consentimento, dentre outros. 

Ainda, em sua mais nova legislação sobre direitos digitais, o Digital Services Act, a União Europeia traz uma breve definição sobre Dark Patterns, além de proibi-los. Assim, no documento “Questions and Answers: Digital Services Act”, publicado em 20 de maio de 2022, tais são colocados como misleading tricks that manipulate users into choices they do not intend to make (em tradução livre: truques enganosos que manipulam os utilizadores em escolhas que não tencionam fazer). 

Por fim, cabe mencionar que, indubitavelmente, várias práticas legais são usadas por estratégias publicitárias para persuadir os usuários; no entanto, a distinção entre tais e os Dark Patterns está em seu caráter enganoso intencional, o qual prejudica a autodeterminação informativa do usuário. Nesse contexto, os usuários, em conjunto a elementos diversos – tal como os efeitos cascata – são levados a tomar atitudes por pressão, desconhecimento ou mesmo por enganação. Observa-se assim como as redes estão repletas de elementos que, em uma primeira vista, não são aparentes.

Considerações finais

O ambiente virtual apresenta uma série de particularidades, bem como um conjunto de semelhanças com o mundo material. Os efeitos cascata são um exemplo disso. A grande questão é que as informações não chegam até nós como em uma conversa casual ou na checagem de um dado em um livro físico. Somos conduzidos a todo momento. E os interesses por trás disso, por sua vez, são diversos. Frente a isso, enquanto nossas regulações (sejam elas estatais ou sem força normativa) estão ainda caminhando, é preciso ter ao menos ciência das nossas atitudes e, logo, decisões na rede. Escolher e analisar criticamente é um importante passo para uma maior autonomia no mundo virtual.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Pesquisadora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atualmente mestranda em Direito Internacional Privado, pela mesma instituição. Integrante do projeto de pesquisa sobre moderação de conteúdo na internet. É coordenadora do Grupo de Estudos Internacionais em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual (GNet). Tem como áreas de interesse: Direito da internet, Direito Internacional Privado e Direito Político.

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