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Por que o 5G é importante para o Brasil?

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13 de outubro de 2021

As lacunas e barreiras identificadas nas políticas públicas de inclusão digital brasileira, desde a década de 90, estão se repetindo nos caminhos adotados governamentalmente para a implementação do 5G no Brasil. O problema é que essas lacunas são as causas para o abismo digital ainda existente no Brasil. Então, a pergunta importante é: quais os problemas que o 5G pode resolver e como colocamos essa nova tecnologia a serviço da redução das desigualdades do Brasil?

Implementação estratégica do 5G

Cada geração de tecnologia móvel traz uma capacidade de conexão distinta. O 1G possibilitou as ligações entre celulares; 2G mandar SMS; 3G conexão à internet pelo celular 

e o 4G possibilitou um melhor tráfego de dados, o que permite o uso de aplicações que demandam alto volume de tráfego de dados, como streamings. O 5G aumenta ainda mais a capacidade de tráfego de dados, oferece uma velocidade mais alta e pode ser utilizado por mais usuários simultaneamente. Nesse sentido, a principal inovação do 5G é a possibilidade de que tecnologias de alta performance sejam utilizadas e desenvolvidas. 

Um exemplo de tecnologia de alta performance são os carros autônomos. Pensando na realidade brasileira, em que mais de 50% das casas não possuem nenhum carro, nem os mais populares, a maior parte de nossa população não fará uso dessas tecnologias (caras) que demandam a capacidade de tráfego do 5G. Então, qual é a necessidade do 5G para o Brasil? Fortalecer a soberania tecnológica nacional e aumentar a competitividade de industriais e grandes produtores nacionais. O 5G é importante para que, a nível de desenvolvimento tecnológico, nós não fiquemos para trás. As grandes empresas de telecomunicação estão extremamente interessadas no 5G para expandir a venda de seus serviços para grandes empresas. Por sua vez, os grandes produtores agrícolas e industriais estão interessados no 5G para conseguirem aprimorar seus processos e produtos.

Então, se a população em geral do Brasil não vai de fato utilizar as novas aplicações possibilitadas pelo 5G, porque a implementação dessa tecnologia é importante para os cidadãos em geral? E a resposta é: oportunidade. Podemos pensar que temos 3 variáveis em uma mesma equação. Primeiro, um interesse enorme de empresas com grande capacidade econômica de adquirir e utilizar a tecnologia 5G; segundo, o abismo digital brasileiro, que diz respeito à falta de conexão ou à má qualidade do acesso à internet por maior parte da população e; terceiro, um bem público gerenciado pelo Estado e um recurso essencial para o funcionamento dessa tecnologia: as faixas de radiofrequência que serão leiloadas em breve. 

Portanto, estamos diante de uma oportunidade de direcionar interesses privados na concessão de um bem público à promoção de inclusão digital. Essa oportunidade pode ser concretizada por meio da expansão das obrigações de universalização como contrapartida à concessão das frequências leiloadas. Infelizmente, o modelo adotado pelo Edital aprovado pela Anatel e TCU vão na contramão desse caminho. Praticamente, exigem migalhas como contrapartidas à concessão.

Para além das diversas irregularidades já destacadas pelo setor técnico do TCU, mas negligenciadas pelos Ministros, a Coalizão Direitos na Rede elencou diversos pontos do edital do 5G que o fazem irregular e comprometem a inovação e desenvolvimento tecnológico para o Brasil com impacto nos próximos 20 anos. Essa contrapartida que o Estado deveria requerer em troca de um bem público tão importante tem sido pequena. Os compromissos de investimento e expansão da infraestrutura de rede pelas empresas de telecomunicações são poucos. Há sobreposição de obrigações, o processo de elaboração do edital foi açodado e com baixa participação popular (como a maior parte das políticas públicas do atual governo).

O cavalo de tróia das contrapartidas

Duas obrigações que, a primeiro olhar parecem interessantes, também foram desenhadas de forma a prejudicar a universalização do acesso à internet no Brasil. O compromisso de conectar escolas, na verdade, é a sobreposição de uma obrigação que já era para ter sido cumprida pelas teles. Como o Instituto Telecom aponta, as concessionárias Oi e Vivo descumprem desde 2008 o Programa Banda Larga nas Escolas e não foram sancionadas ou sequer fiscalizadas pelo não cumprimento dessa obrigação. Ou seja, o edital estabelece um compromisso que sequer deveria ser um problema atual se a ANATEL estivesse fiscalizando os leilões passados. O correto seria o edital do 5G estabelecer patamares mais elevados ao invés de reforçar questões que deveriam ter sido superadas.

Uma segunda obrigação aparentemente interessante é o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS) que tem por objetivo conectar a região norte, a mais carente de infraestrutura e conexão do país. Entretanto, como apontado pela área técnica do TCU, porém ignorado pelos ministros do tribunal, os termos dessa obrigação estabelecidos no edital geram  incertezas na especificação, construção e operação das infovias do PAIS. Por essa razão, ao invés de oferecer conexão à região, existe um potencial grande de prejuízo ao erário. Não é possível exigir o cumprimento de uma obrigação que não esteja devidamente especificada e descrita no edital. 

Considerando que o modelo proposto pela ANATEL é de um leilão não arrecadatório, todas as contrapartidas estabelecidas devem ser estratégicas e detalhadas para que os descontos no preço do leilão não resultem na concessão a preços irrisórios de um bem público tão valioso.

Nova tecnologia, mesmos problemas

Os diversos problemas relacionados ao desenho e implementação das políticas de inclusão digital no Brasil permanecem em relação à política do 5G, como a descoordenação entre setores, priorização dos interesses do setor privado em detrimento dos interesses da população, negligência às desigualdades sociais do Brasil e aos outros eixos da inclusão digital. Se você se interessou pelo assunto, confira o livro Inclusão digital como política pública: Brasil e América do Sul em perspectiva, que apresenta a análise de 27 políticas públicas de inclusão digital e uma avaliação das lacunas persistentes nesta temática.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Representante do IRIS no Grupo de Trabalho sobre Acesso à Internet e na Força-Tarefa sobre eleições na Coalizão Direito nas Redes (CDR). Membro suplente no Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (CDUST) da ANATEL. Co-autora dos livros “Inclusão digital como política pública: Brasil e América do Sul em perspectiva” (IRIS – 2020) e “Transparência na moderação de conteúdo: Tendências regulatórias nacionais” (IRIS – 2021).

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