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Patinetes elétricos e suas polêmicas com o Direito

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1 de julho de 2019

Recentemente, o compartilhamento de patinetes elétricos por meio de serviços ofertados por aplicativos de celular tomou o mundo de surpresa. Diversos países viram-se despreparados para lidar com as diversas repercussões causadas por esse modelo de negócios e, em decorrência disso, pode-se perceber um receio global relativo às questões sociais, jurídicas e regulatórias envolvidas com o transporte compartilhado. Este post busca listar algumas dessas questões, tendo como base a experiência internacional e aplicando-a ao contexto brasileiro, e levantar preocupações.

Recentemente, diversas cidades dos Estados Unidos uniram esforços e anunciaram a criação da Open Mobility Foundation (OMF). Este post busca listar algumas dessas questões, tendo como base a experiência internacional e aplicando-a ao contexto brasileiro, e levantar preocupações.

Os patinetes elétricos no Brasil

Os patinetes elétricos compartilhados foram inicialmente introduzidos em maior escala no Brasil no meio do ano passado, e rapidamente ganharam popularidade. Surgiram mediante o esforço conjunto de startups como Yellow, Ride e Scoo na cidade de São Paulo, mas logo se difundiram para outros outros pontos do país.

Atualmente, os serviços de compartilhamento dos patinetes estão presentes em diversas cidades. Ao andar pelas calçadas de centros urbanos mais populosos, tornou-se comum avistar por todos os cantos agrupamentos de patinetes, prontamente disponíveis para o público. Notoriamente, o cenário tende a ser decorado por aparelhos de cores amarela ou verde, pertencentes respectivamente às empresas Yellow e Grin, que se uniram no início do ano para formar a Grow Mobility Inc. e hoje representam a experiência mais bem sucedida no segmento.

Logo após a implementação desses meios de transporte, surgiram diversos relatos de aumento no número de pessoas hospitalizadas em decorrência de acidentes com esses patinetes. Em decorrência disso, passou-se a questionar a segurança desse modelo de transporte, bem como as repercussões que seriam causadas à saúde dos usuários. Simultaneamente, emergiram discussões relativas à segurança de dados dos aplicativos e dos patinetes – todas essas questões serão abordadas nos tópicos a seguir.

Preocupações causadas pelo “vazio” regulatório

No que diz respeito aos diversos acidentes causados pelo uso dos patinetes, observa-se uma questão intrinsecamente relacionada não apenas a fatores culturais – como o costume e o preparo das pessoas para lidar com a presença dos patinetes, seja nas ruas ou nas calçadas –, como também ao próprio arcabouço regulatório que permeia o uso de patinetes elétricos.

Do ponto de vista jurídico, percebe-se que diversos países não tinham previsões legais suficientes para lidar com o compartilhamento de patinetes. No Brasil, por exemplo, a circulação de veículos elétricos dessa natureza foi regulada por meio da Resolução nº 315/2009 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), e posteriormente complementada pela Resolução nº 465/2013, também do Contran.

O problema, contudo, é que, da forma como existem hoje, os patinetes elétricos parecem existir em um “meio termo” entre duas classificações diferentes de veículo. Por um lado, têm as características físicas para serem enquadrados como ‘equipamentos de mobilidade individual autopropelidos’, o que limitaria sua circulação às calçadas e às ciclovias e ciclofaixas (nas velocidades máximas de, respectivamente, 6 e 20km/h). Contudo, o fato de alcançarem velocidades muito maiores do que as permitidas para essa categoria, bem como de estarem sendo utilizados também nas ruas, possibilita sua classificação como veículos ciclo-elétricos, que exigem a instalação de espelhos retrovisores, buzina e pneus mais adequados, o uso de capacete, entre outros.

Do ponto de vista do regulamento brasileiro, portanto, os patinetes elétricos situam-se em um “vazio” regulatório, o que dificulta muito a fiscalização e o controle por parte do Poder Público. Em decorrência disso, diversas cidades têm realizado esforços para regular o compartilhamento de patinetes elétricos em âmbito municipal. A cidade de São Paulo, por exemplo, aprovou recentemente um decreto municipal provisório que, entre outras medidas, impede a circulação desses veículos em calçadas e restringe sua velocidade máxima para 20km/h. Em Belo Horizonte, a BH Trans afirmou no início de junho que estava preparando uma regulação municipal específica, e que, quando finalizada, seria discutida em audiência pública.

Um processo semelhante está acontecendo nos EUA, onde diversos municípios uniram-se para formar a Open Mobility Foundation (OMF). Trata-se de uma fundação que objetiva estabelecer diretivas e soluções relativas aos desafios decorrentes do novo modelo de compartilhamento de meios de transporte – notoriamente, mas não somente, o compartilhamento de patinetes elétricos. Há preocupações quanto à própria fundação, relativos principalmente ao compartilhamento de dados pessoais dos usuários com essas cidades sob o pretexto da segurança pública, mas a criação da OMF ilustra que a insuficiência regulatória é uma questão que se estende para muito além do ordenamento jurídico brasileiro.

A vulnerabilidade dos aplicativos e aparelhos: ainda mais preocupações

Além da questão regulatória, a segurança digital dos aplicativos e dos próprios patinetes é algo que – motivadamente – gera receio e discussões ao redor do mundo.

Nos EUA, por exemplo, observa-se muito debate com relação à ferramenta Mobility Data Specification (MDS), que compartilha com as cidades informações sobre a circulação dos patinetes – e criada pela mesma entidade que propôs a OMF, por isso as críticas à fundação. Apesar da promessa de que esses dados não seriam compartilhados com agentes policiais para fins de investigação a menos que houvesse um mandado nesse sentido, representantes da Uber (dona de uma das empresas de patinetes que atuam no país) alegaram que essa ferramenta levaria a níveis alarmantes de vigilância estatal.

Fora a possibilidade de compartilhamento de dados de uso com o Poder Público, há também a questão da vulnerabilidade dos próprios patinetes elétricos, e não faltam exemplos de casos ao redor do mundo para justificar esse receio. Na Austrália, recentemente, os veículos da empresa Lime foram hackeados para transmitir áudios de conteúdo sexual ao invés das mensagens programadas pela própria empresa. Além disso, uma pesquisa recente realizada por uma empresa estadunidense chamada Zimperium revelou que patinetes elétricos da Xiaomi (fabricante popular entre as empresas de compartilhamento) poderiam ser facilmente hackeados, o que permitiria aos invasores assumir controle total da aceleração dos aparelhos, causando possíveis acidentes.

Esses casos ilustram a urgente necessidade de que tanto as fabricantes dos patinetes quanto as fornecedoras dos serviços de compartilhamento atentem-se à segurança dos produtos e serviços que disponibilizam ao público. É essencial que se previna invasões, para impedir a ocorrência de acidentes e mesmo o acesso indevido de terceiros a dados pessoais dos usuários.

No sentido desse último ponto, é importante ressaltar que a proteção de dados é um tema atualmente muito relevante no meio digital, objeto de diversas novas regulações específicas ao redor do mundo, como a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira e o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia. Por isso, a inobservância, por parte dessas empresas, de padrões mínimos de segurança da informação podem resultar em sanções significativas no futuro.

Conclusão

Pode-se observar, portanto, que há diversos desafios a se resolver para que a experiência dos usuários com os patinetes elétricos compartilhados seja de fato adequada. As regras de circulação específicas dessa categoria de veículos, em um primeiro momento, devem ser criadas, e as empresas que fornecem os serviços devem seguí-las atentamente. Além disso, é necessário o respeito da própria população a essas diretrizes: cuidado dos motoristas com os usuários de patinetes caso seja determinada a circulação nas ruas, bem como cuidado dos usuários dos patinetes com os pedestres quando circularem em calçadas, por exemplo. Finalmente, é necessária a devida atenção a padrões de segurança dos patinetes, protegendo os usuários de possíveis ataques de terceiros.

Observadas essas necessidades, será finalmente possível a integração total do modelo de compartilhamento de patinetes elétricos no sistema de mobilidade urbana das cidades. Essa integração, por sua vez, tem o potencial para mitigar diversos dos problemas existentes em grandes centros urbanos, como os relacionados ao congestionamento, a emissão de poluentes, os custos de transporte, entre outros.

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As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Victor Vieira é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pós-graduando em Proteção de Dados Pessoais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). É pesquisador e encarregado de proteção de dados pessoais no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) e advogado. Membro e certificado pela International Assosciation of Privacy Professionals (IAPP) como Certified Information Privacy Professional – Europe (CIPP/E).

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