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Não é questão de opinião: pesquisa sobre internet e sociedade

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26 de maio de 2021

Ainda que não seja feita em ambientes controlados e esterilizados, a pesquisa sobre internet e sociedade não só é possível como também é necessária.

Falando em pesquisa e opinião

Existe uma frase popular que diz “a ciência não se importa com a sua opinião”. Isso não é porque os cientistas são arrogantes e não gostariam que uma ou outra atitude fosse tomada, ou não se importam. Eles, na verdade, em geral gostariam muito que a atitude baseada em estudos com resultados positivos fosse tomada, e temem quando a atitude que comprovaram ter resultados negativos é tomada. Talvez cientistas sejam as pessoas que mais se inquietam e incomodam diante de uma tomada de decisão, porque se preocupam muito com os efeitos.

E essa preocupação é porque os resultados de algo estudado cientificamente não mudam só porque alguém quer, ou seja, a opinião das pessoas que usam aquele conhecimento não interfere naquilo que ele previu e comprovou. Estou me referindo a quem irá usufruir de um conhecimento produzido por meio de pesquisa científica – e aqui eu quero dizer pesquisa submetida a avaliação de pessoas reconhecidas na área (os chamados “pares”), feita com base em evidências coletadas com método justificado, com conclusões cautelosas e indicações das limitações às quais aquela pesquisa está sujeita. Quando se decide fazer algo para o qual estudos científicos preveem consequências negativas, a intenção pode ser a melhor de todas, mas elas não deixarão de ocorrer.

Isso para dizer que a ciência é o que possibilita não sermos iludidos, não adotarmos medidas que não resolvem ou que só agravam os problemas que queremos resolver. Entretanto, em vários assuntos o papel da ciência não tem sido tão reconhecido. Nas pautas envolvendo internet, os cientistas que estudam o desenvolvimento e os padrões de tecnologia são vistos como técnicos.  Mas tão importante quanto essa área é a pesquisa – e ciência – sobre os efeitos da interação entre esses artefatos e a sociedade. 

Ciência sobre internet e sociedade

Um dilema comum a quem pesquisa fora das áreas chamadas “exatas” da ciência é ter seu tema de pesquisa tratado como questão de opinião ou de argumentação. Existe uma dificuldade em se perceber que, por mais que as pessoas e a política não possam ser isoladas em laboratório para estudos controlados, é possível sim fazer pesquisa sobre esses temas – e, mais do que isso, é necessário.

A pesquisa sobre internet e sociedade é um exemplo. Como formular uma política pública sobre conteúdo online, por exemplo, sem antes saber que tipos de conteúdo existem na internet, quem são os responsáveis por eles, como outras políticas já abordaram o assunto e que enfoques elas tiveram, ou ainda, quais as demandas da sociedade em relação a isso? 

Sem esses conhecimentos, seria difícil avaliar se as soluções imaginadas poderiam ter os resultados pretendidos. Se a intenção é uma política que respeita direitos humanos, seria necessário pensar em parâmetros que ajudassem a avaliar efeitos negativos e positivos na livre expressão, por exemplo, e realizar um levantamento de como eles seriam afetados. Assim, seria possível nortear a formulação de políticas pelos parâmetros com efeitos positivos, evitando os que têm efeitos negativos. 

Questão de responsabilidade

Em um estilo “Pequeno Príncipe”, conhecer também implica em assumir a responsabilidade sobre as ações tomadas – pois saber os efeitos de uma escolha implica em, ao fazê-la, escolhê-los também. Existem fatores a serem conhecidos, medidos, observados, compreendidos na realidade social, que ajudam a compreender os efeitos e riscos de adotar uma política pública. Nas decisões sobre políticas de internet, ter essa noção é a base para evitar riscos a garantias e direitos de todos os usuários

Em poucas palavras, a pesquisa nos permite produzir informação sistematizada, que ajuda a compreender a realidade e, sobretudo, os possíveis efeitos de intervir naquela realidade. Como a internet vem sendo objeto de inúmeras propostas de intervenção, seja técnica ou regulatória, está mais em pauta ainda que os efeitos disso não sejam questão de opinião – porque os efeitos não seguirão opiniões, e precisamos de ciência para encontrar caminhos positivos e evitar os abismos de decisões inconsequentes.

Aproveito esta reflexão para indicar o mais recente resultado de pesquisa do IRIS, que buscou mapear o que pensam profissionais que movimentam o debate público sobre criptografia no país e identifica pautas para uma agenda de pesquisa sobre o assunto.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Coordenadora de Pesquisa e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestra em Direito da Sociedade de Informação e Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Membro dos grupos de pesquisa Governo eletrônico, inclusão digital e sociedade do conhecimento (Egov) e Núcleo de Direito Informacional (NUDI), com pesquisa em andamento desde 2010.

Interesses: sociedade informacional, direito e internet, governo eletrônico, governança da internet, acesso à informação. Advogada.

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