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Equidade de gênero e internet: vamos juntas!

8 de março de 2019

O post em homenagem a esse 8 de março é coordenado e redigido por nós, mulheres que integramos o IRIS. Reunimos esforços para falar sobre algo essencial às conquistas femininas na governança da internet, meio em que estamos inseridas: os obstáculos que marcam a permanência da desigualdade de gênero e que ainda restam serem enfrentados.

O que há por trás dos obstáculos?

Quando olhamos para uma de nossas áreas de estudo, a governança da internet, encontramos mulheres em destaque e com papel influente. Entretanto, esse não é um retrato da área de tecnologia da informação em geral.

A área de TI sofre de um déficit de pessoas qualificadas, aponta a pesquisadora Eileen M. Trauth. Um dos fatores para isso, segundo ela, é a sub-representação de segmentos da população. Um desses segmentos sub-representados são as mulheres. No Brasil, apenas 17% dos cargos na área de programação são ocupados por mulheres.

A carência de mulheres também é observada dentro de institutos e órgãos que atuam diretamente com a governança da internet. Por exemplo, o corpo diretivo do Cômite Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) conta com apenas 2 mulheres em meio a 19 homens, e a delegação brasileira que participou da reunião anual da ICANN 57, corporação central na coordenação do fluxo de dados na rede, contou com a presença de 8 homens e nenhuma mulher. Portanto, ainda que o cenário dos tempos da ARPANET tenha mudado, é pungente a falta de participação de mulheres nas principais esferas de tomada de decisão envolvendo o passado, presente e futuro da internet.

Mudar essa realidade depende de maior reflexão: são raros os estudos da área de sistemas da informação que consideram gênero um fator social importante. Ainda, em geral o tema é estudado quantitativamente, sem preocupação com o contexto das mulheres.

A pesquisa de Trauth aponta outro obstáculo – os dois ideários que emergem quando se fala em barreiras a mulheres na TI: a crença em uma “essência feminina” (psicológica ou biológica) que torna mulheres menos predispostas a esse tipo de atividade; e a teoria de que o ambiente de TI é construído socialmente como área de domínio masculino.

Essas explicações, de uma “natureza feminina” ou de “campos masculinos”, se estendem da área de TI para outros campos, tidos como posições de poder na sociedade.

Assim, é negada a participação da mulher como sujeito nesses locais, nos confinando a três saídas não-satisfatórias: 1) que a mulher tem de abandonar certas características tidas como femininas para adequar-se ao ambiente; 2) que o campo de trabalho tem de mudar, adquirindo características mais femininas; 3) que mulheres e homens devem receber treinamentos e desempenhar tarefas distintas e adequadas ao gênero.

É preciso considerar as vozes das mulheres

Quanto à inserção na tecnologia, Trauth também aponta para a necessidade de mais estudos sobre as mulheres enquanto indivíduos. É importante analisar as perspectivas das mulheres sobre o papel desempenhado, sobre sua identificação enquanto mulher e sua relação com a área em que atua. É preciso um melhor retrato de como certas realidades se auto-reproduzem.

Numa pesquisa com mulheres atuantes na TI, Trauth percebeu alguns pontos em comum entre as entrevistadas, como o fato de se considerarem diferentes das outras mulheres, bem como uma aptidão acima da média e maior autonomia e autoconfiança para aprendizado. Algumas vivências compartilhadas por elas foram de que há menor preparo prévio das mulheres para o ingresso nos estudos de TI; que o problema da desigualdade é reconhecido como tal, mas nega-se sua existência na área de TI; que a normalização da mulher enquanto sujeito da área na cultura local é um estímulo para mulheres atuarem nesse campo; e que ter professoras mulheres inspira a permanência de mulheres que ingressam nos estudos.

Dessa forma, como sugere o estudo, para além de estatísticas ou projeções, as mulheres devem ser protagonistas dos estudos e medidas adotadas para a superação da desigualdade de gênero que ainda persiste na realidade da TI e de outras áreas interdisciplinares relativas à tecnologia, como direito, políticas públicas, antropologia e ciências sociais, administração de empresas, publicidade e comunicação social, por exemplo.

 

Por que precisamos de mais mulheres na tecnologia?

É praticamente uníssono o entendimento de que equipes mais diversas apresentam melhor desempenho. No contexto de 4ª revolução industrial e lançamento diário de novas tecnologias, para que os indivíduos e companhias se mantenham competitivos no mercado financeiro é necessário a adaptação às mudanças e apontamento de soluções inovadoras.

A este propósito serve a contratação de profissionais com experiências e visões diferentes de forma a diminuir o chamado “anestesiamento de discernimento”, fenômeno social que emerge quando pessoas com a mesma linha ideológica e de raciocínio decidem sobre um objeto de forma homogênea e estagnam o desenvolvimento da companhia ou órgão.

Para exemplificar a contribuição que a experiência de ser mulher pode proporcionar ao ambiente profissional, Cristine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, aponta informações práticas: “Metade dos computadores, metade dos carros e 70% dos produtos domésticos são comprados por mulheres. Se os clientes são mulheres, é uma boa ideia incluir mulheres em na liderança”.

Apenas 25% das áreas de  áreas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), que costumam ser muito bem pagas, são ocupadas por mulheres. E isso não reflete um problema de aptidão, mas de incentivos e perspectiva – algo que homens em geral têm desde a infância, com modelos masculinos e estereótipos do cientista homem.

Sabemos que, para além do incentivo, alcançar equidade de gênero nas áreas técnico-científicas passa também, não apenas por uma mudança de mentalidade, para superação dos obstáculos apontados anteriormente, mas também por políticas educacionais. Pensando nisso, a OCDE lançou um Guia de equidade de gênero na Educação, que reúne pesquisas sobre a realidade escolar de meninos e meninas, maneiras como a família e a sociedade interferem no potencial de alunas, além de políticas e práticas com o objetivo de promover o pleno potencial das alunas e alunos. Além disso, reúne exemplos do que países do mundo todo estão fazendo para que a educação alcançar a equidade.

Portanto, considerando o contexto de histórica dependência financeira de mulheres em relação a seus cônjuges e pais, a formação e profissionalização de mulheres na área da tecnologia contribui tanto para o desenvolvimento econômico do país e quanto para o alcance de uma sociedade mais equitativa.

A ONU Mulheres também aponta para a necessidade de engajamento de mulheres com a tecnologia e sugere a inovação como uma das vias para superação das desigualdades de gênero. A organização busca “celebrar um futuro em que a inovação e a tecnologia criem oportunidades sem precedentes para as mulheres e meninas desempenharem papéis ativos na criação de sistemas mais inclusivos, serviços eficientes e infraestruturas sustentáveis para fazer avançar o alcance dos ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável] e da igualdade de gênero”. Dessa forma, escolheu como lema do dia internacional da mulher de 2019:

“Pensemos em igualdade, construção das mudanças com inteligência e inovação”

Vamos juntas!

mulheres na governança da internet

A ideia de protagonizar ações que busquem incluir mais meninas e mulheres no que se refere à tecnologia também passa pela ideia de que cada uma seja exemplo, precedente, inspiração e incentivo para outra. Um dia internacional para as mulheres é, antes de tudo, um chamado para reconhecer os desafios impostos na sociedade, nos vários campos da ciência e da tecnologia, em razão do gênero e tomar ações para superá-los.

A atuação de cada uma na internet, seja na comunidade técnica, na sociedade civil, na academia, no setor empresarial ou no governo, também tem influência na representatividade das decisões relativas à governança da Internet. O engajamento de mulheres na governança foi tema de painel no Fórum da Internet no Brasil de 2018. O IGF – Internet Governance Forum – evento global sobre a governança da internet ressaltou nas sessões sobre Direitos Humanos, Gênero e Juventude, de 2018, a importância da participação feminina nas tomadas de decisão sobre a internet e da compreensão de que o desenvolvimento humano passa pela igualdade de gênero na Sociedade da Informação.

Para que mais mulheres possam conhecer o trabalho de outras engenheiras, jornalistas, advogadas, pesquisadoras, cientistas, gestoras e empreendoras, a campanha #MulheresnaGovernança procura centralizar sob a hashtag, alimentada pelas próprias mulheres, suas atuações, vozes, lutas, ferramentas e causas na internet e sua governança. Participe você também, divulgando seu trabalho e mostrando que, embora um longo caminho pela equidade de gênero ainda precise ser percorrido na internet e fora dela, estamos dando passos – e pretendemos que tantas outras venham com a gente!

O texto é de autoria de Lahis Kurtz, Luíza Brandão e Paloma Rocillo. As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a suas autoras.

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