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O Brasil no centro da Governança da Internet em 2024: como participar?

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21 de fevereiro de 2024

Confira dicas de como aproveitar o ano em que o Brasil sediará grandes eventos internacionais para a construção da Governança da Internet

Este ano, o Brasil emerge como epicentro estratégico da Governança da Internet (GI). Entre os vários espaços de articulação em torno do G20 e do NetMundial+10, por exemplo, as diversas oportunidades para explorar a GI em 2024 formam uma narrativa empolgante e cheia de possibilidades, mas que pode ser confusa e exigir um olhar atento e uma postura organizada. Vamos, então, explorar juntes as nuances desse cenário em um guia de como identificar estrategicamente as vias de participação neste ano marcante da história da GI sob o olhar brasileiro. 

O que esperar da Governança da Internet em 2024?

Segundo a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, a Governança da Internet (GI) pode ser definida como: 

🛜 “(…) o desenvolvimento e a aplicação pelos Governos, pelo setor privado e pela sociedade civil, em seus respectivos papéis, de princípios, normas, regras, procedimentos de tomadas de decisão e programas em comum que definem a evolução e o uso da Internet.” 

Devido à natureza transnacional da Internet, concebida para transcender as fronteiras dos territórios nacionais, é necessário que as articulações para a definição de seu desenvolvimento e funcionamento tenham alcance internacional, gerando conferências, seminários, reuniões, cursos e outros encontros que juntam especialistas de diferentes setores (governamental, privado, técnico, acadêmico e o terceiro setor) para debater sobre a pauta. Em 2024, o Brasil assume um papel central nesse cenário, impulsionado por uma série de grandes eventos, inclusive internacionais, que reúnem esses setores e suas lideranças em solo nacional.

No epicentro das conversas e decisões realizadas nesses encontros, podem estar diversos tópicos que moldarão o futuro digital, desde questões infraestruturais da Internet até aspectos relacionados a tecnologias emergentes, como Inteligência Artificial (IA) e a regulamentação de plataformas digitais.

Com tantas datas e detalhes, o IRIS lançou o Calendário da Governança da Internet 2024, que organiza dezenas de eventos nacionais e internacionais com o propósito de facilitar o planejamento e a divulgação de eventos sobre a pauta, além de apoiar a atuação das pessoas interessadas em contribuir nesses espaços que podem moldar o futuro da GI. Essa ferramenta útil é a principal dica para quem quer entender melhor o que esperar da GI em 2024 a partir de uma perspectiva geral.

Contudo, trago neste texto três pontos específicos e centrais para guiar o raciocínio de qualquer pessoa que deseja se engajar nos espaços de construção da GI em 2024, especialmente no Brasil, e precisa decidir onde tentará participar:  

  • A importância das reuniões e articulações em torno dos temas digitais que serão analisados pela cúpula do G20;
  • A compreensão da dimensão histórica e política do NetMundial+10 e da limitação de acesso a esse espaço;
  • Um guia para outros eventos estratégicos para quem deseja influenciar as direções que a Internet tomará.

Vamos?

As articulações sob o G20 e seus temas digitais

Formado por 19 países e pela União Europeia e Africana, o Grupo dos 20 (ou simplesmente G20) se baseia em um acordo firmado pela Declaração dos Líderes da Cúpula de Pittsburgh em 2009. Apesar de ter sido criada em reação a uma crise financeira global,  atualmente o objetivo do grupo é mais amplo, pois reúne as maiores economias do mundo para “discutir iniciativas econômicas, políticas e sociais”. 

O alcance de sua atuação tornou-se, portanto, bem mais amplo, inclusive alcançando mais 8 países convidados, além de organizações internacionais convidadas em diferentes campos de atuação, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Este ano, o Brasil assumiu pela primeira vez a presidência temporária das reuniões dos grupos de trabalho do G20, que estão acontecendo em quinze cidades brasileiras desde dezembro de 2023 até novembro de 2024. No fim, serão mais de 100 reuniões de trabalho, além de dezenas de reuniões ministeriais e outros eventos paralelos (side events) com selo oficial, o que ensejará duas reuniões finais — as chamadas “cúpulas” em referência ao inglês “summit”, designando o “topo” ou “cume” das discussões ao longo do ano. 

  • A cúpula do G20 entre chefes de Estado ou de Governo que reúne os países e blocos membros para considerar as negociações realizadas ao longo do ano e firmar acordos para enfrentamento dos desafios para o desenvolvimento global;
  • A cúpula social que reúne, dias antes da reunião do G20,  atores não-governamentais para aumentar sua influência sobre o processo decisório do G20 e na efetiva construção de políticas públicas.

Para ampliação dessa incidência política além do alto escalão dos governos, através da cúpula social, determinou-se a criação de 13 grupos de engajamento, responsáveis por discutir os temas e colaborar com as tratativas dos líderes do G20, de modo que tais colaborações possam ser incorporadas aos resultados da cúpula do G20. Entre tais grupos, estão o C20 para sociedade civil, o T20 para centros de pesquisa (think tanks), o Y20 para a juventude, o W20 para mulheres, o L20 para questões trabalhistas etc. Confira a lista completa aqui.

A cúpula social discutirá o resultado desses grupos de engajamento, de outras iniciativas não-governamentais fora dos contextos dos grupos de engajamento e das articulações junto às trilhas do G20, tanto a política (comandada por agentes designados pessoalmente pelos líderes do G20 para discussão dos temas do encontro) quanto a financeira (comandada pelos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países-membros para debater sobre macroeconomia estratégica). Entre os grupos de trabalho que compõem a trilha política — ou trilha de Sherpas — estão os que tratam sobre pesquisa e inovação e economia digital, sob a condução de órgãos governamentais.

Dessa forma, o principal espaço de incidência da sociedade civil e de outros atores não-governamentais são os grupos de engajamento e suas iniciativas, ainda que outras iniciativas sejam interessantes de serem acompanhadas. 

O C20, por exemplo, realizará diversas atividades abertas para construir as colaborações de organizações da sociedade civil a serem divulgadas durante o ano e está com a chamada aberta até 25 de fevereiro para participação em seus GTs internos, entre eles o GT sobre digitalização e tecnologia. Podem se inscrever nesses grupos de trabalho organizações, redes e movimentos sociais. 

Já o T20 trabalha através de forças-tarefa (task forces) para engajar os centros de pesquisa nas movimentações do G20, dentre as quais estão subtemas como a transformação digital inclusiva e o fortalecimento da governança global. Assim, apresenta vias de participação diversas, como a possibilidade de organizar eventos paralelos certificados; a submissão de resumos de policy briefs (com chamada encerrada); o engajamento nas atividades das forças-tarefa; e a realização de conferências e reuniões

Muitas informações ainda não foram divulgadas nos canais de comunicação oficial, o que demanda um acompanhamento contínuo para quem deseja descobrir outras formas de incidir nesses espaços.

O marco histórico do NetMundial+10

O NetMundial+10, agendado para os dias 29 e 30 de abril na cidade de São Paulo, representa um marco crucial para o ecossistema digital, proporcionando um ambiente multissetorial para discutir temas prementes na agenda da Governança da Internet de forma global. O evento, organizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) em colaboração com uma rede global e multissetorial de parceiros, busca fortalecer princípios fundamentais e atualizar debates essenciais para a governança da Internet.

Num contexto histórico mais amplo, esse encontro se insere dez anos após o marcante NetMundial de 2014, que ocorreu em meio a debates sobre a subordinação da Internet Assigned Numbers Authority (IANA) ao Governo dos Estados Unidos e o escândalo de vigilância global revelado por Edward Snowden. Agora, em 2024, o NetMundial+10 surge em um cenário em que o Brasil assume a presidência do G20, reconhecendo o país como um líder influente no sul global.

A liderança brasileira, catalisadora do processo em 2014, reitera seu papel central, alinhando-se com a presidência do G20. O NetMundial+10 não apenas proporcionará debates estratégicos, mas também servirá como guia para as discussões em âmbito internacional, regional e local, enfatizando a importância de evitar a fragmentação nos debates sobre a Internet e os desafios digitais.

O evento é muito estratégico, pois pode ser palco para discussões cruciais para o futuro da Internet, desde os impactos do colonialismo digital nas infraestruturas da rede até a necessidade de regular o uso e desenvolvimento ético de sistemas de inteligência artificial.

Além disso, apesar de ter um número limitado de participantes presenciais no seu local de realização, além de viabilizar um escopo limitado de participação para todos os setores envolvidos, o NetMundial+10 gerará um espaço propício para eventos paralelos, expandindo as oportunidades de discussão e colaboração, semelhante ao que ocorreu em 2014. 

Os detalhes para participação estão sendo divulgados de forma gradativa pelos canais oficiais. 

Outros caminhos para explorar a GI em 2024 no Brasil

Além dos grandes eventos citados, importantes encontros nacionais e internacionais ocorrerão este ano em solo brasileiro e são estratégicos para quem gostaria de se engajar nas discussões que impactam a Governança da Internet e a regulação de novas tecnologias dentro e fora do território nacional. 

  • Um exemplo interessante é a ACM FAccT Conference 2024, que acontecerá de 03 a 06 de junho na cidade do Rio de Janeiro. A Association for Computing Machinery (ACM) organiza esse evento anualmente e busca fomentar debates interdisciplinares para construir insights junto a “pesquisadores e profissionais interessados em justiça, responsabilidade e transparência em sistemas sociotécnicos”. Nela, é possível participar através da proposição de painéis, oficinas e outros tipos de sessões, além da submissão de relatórios de pesquisa (papers).
  • Também na cidade do Rio de Janeiro, a Embedding Human Rights in Digital Design Conference será realizada em 15 de abril pela FGV Direito Rio e o Bonavero Institute of Human Rights da Universidade de Oxford. Com chamadas encerradas para submissão de resumos de trabalho, a conferência proporcionará um ambiente rico para discussões sobre a promoção dos direitos humanos no ambiente digital. 
  • Já a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI) — realizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que está na coordenação do GT de pesquisa e inovação da trilha política do G20  — será realizada em Brasília de 04 a 06 de junho, após uma mobilização que ocorre desde novembro de 2023, através de “sessões temáticas, livres e conferências municipais e estaduais por todo o país”. Esses eventos paralelos podem ser livremente organizados, descubra aqui como participar, e proporcionarão uma sistematização das contribuições obtidas em todo o país.  O objetivo principal é reunir representantes multissetoriais para discutir as políticas públicas de ciência e tecnologia, por meio do estudo sobre “os programas e os planos da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2016-2023, e os seus resultados, com vistas a propor recomendações para a elaboração da ENCTI 2024-2030, além de ações a serem executadas em longo prazo.”
  • A 14ª edição do Fórum da Internet no Brasil ocorrerá em Curitiba de 21 a 24 de maio e proporcionará um encontro multissetorial, organizado anualmente pelo Comitê Gestor da Internet, para discussão das questões mais relevantes sobre a Governança da Internet sob a perspectiva brasileira. O evento teve uma chamada de painéis que já se encerrou, mas é gratuito e aberto ao público ouvinte, além de oferecer suporte financeiro para participação de painelistas e de formandos do programa do CGI.br para juventude.

Embora a concentração dos eventos relacionados à Governança da Internet em 2024 esteja, evidentemente, no Sudeste e em Brasília, vale ressaltar que as possibilidades de participação remota oferecem uma janela de oportunidade para indivíduos de todo o país se envolverem nos diálogos essenciais que moldarão o futuro digital do Brasil. 

Além disso, para aqueles que buscam uma experiência presencial, destacamos no Calendário da Governança da Internet 2024, organizado pelo IRIS, mais de 40 eventos com informações sobre datas, locais e, crucialmente, as oportunidades de apoio financeiro e logístico identificadas. Esse recurso está sendo constantemente atualizado e abre portas para uma participação inclusiva e dinâmica na GI em 2024, convidando a todes a contribuírem ativamente para a construção do cenário digital brasileiro.

Acessando as vias para moldar a GI em 2024

À medida que mergulhamos no ano de 2024, fica evidente que o Brasil desempenha um papel central e estratégico na Governança da Internet (GI). Com a iminência de uma série de eventos significativos, desde a diversidade de discussões esperadas durante a GI em 2024 até as articulações sob a égide do G20 e os marcos históricos do NetMundial+10, as oportunidades de engajamento são vastas e estrategicamente importantes.

Os caminhos para explorar a GI em 2024 no Brasil são diversos, indo além dos eventos destacados, com importantes encontros nacionais e internacionais que prometem ser cruciais para as discussões que moldarão a Governança da Internet e a regulação de novas tecnologias. Este ano, mais do que nunca, apresenta uma janela única para quem busca se envolver ativamente nessas conversas que transcendem fronteiras digitais.

Estende-se a todes o convite para contribuir ativamente na construção do cenário digital brasileiro, à medida que navegamos por este ano repleto de desafios e oportunidades. Para atualizações sobre os eventos relacionados, além de descobrir diversos outros eventos internacionais, acompanhe o Calendário da Governança da Internet 2024 e as redes sociais do IRIS! Com mais de 40 eventos listados, proporcionando informações sobre datas, locais, instituições organizadoras e oportunidades cruciais de apoio financeiro e logístico, utilizaremos essa ferramenta para construirmos juntes mais um ciclo anual com engajamento na construção de um ecossistema digital que respeite e promova os direitos humanos. 

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Estudante curiosa, atua como graduanda na Faculdade de Direito da UFBA e estagiária de pesquisa no IRIS, liderando o projeto de moderação de conteúdo e devido processo. Sua experiência em pesquisa caminha entre direitos e tecnologias, sobretudo na área de relações trabalhistas e raciais, moderação de conteúdo e proteção de dados.

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