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IGF 2018: IRIS no Fórum de Governança da Internet em Paris

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23 de novembro de 2018

Entre os dias 12 e 14 de novembro de 2018, pesquisadores do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) participaram do 13º Fórum de Governança da Internet (Internet Governance Forum – IGF). O evento, que reúne atores de diferentes setores de todo o mundo, contou com o workshop “CLOUD Act & e-Evidence: implications for the Global South”, do qual o IRIS foi proponente em conjunto com Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br. Além disso, nossos pesquisadores Odélio Porto, Mariana Lopes, Lucas Anjos e Luíza Brandão participaram do evento e o pesquisador  Davi Teófilo integrou o programa Youth@IGF Brasil do CGI.br, que busca incentivar o engajamento de jovens no cenário global da governança da Internet. Confira nossa participação!

 

Sobre o IGF

O IGF é um fórum multissetorial criado em 2006 pelo Secretário-Geral das Nações Unidas e que foi construído através de uma série de consultas abertas e foi oficialmente criado na segunda fase da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI). O objetivo do evento é propiciar um espaço multissetorial em que pessoas e grupos de diferentes interesses possam, como iguais, trocar informações e compartilhar boas políticas e práticas relacionadas à Internet e às tecnologias e discutir questões de políticas públicas relacionados a elementos-chave da governança da Internet, a fim de promover a sustentabilidade, solidez, segurança, estabilidade e desenvolvimento da Internet no mundo. Dessa forma, o evento busca contar com diversos eixos temáticos, que se alteram ano após anos, buscando refletir as necessidades de discussões e pesquisa da governança da internet ao redor do mundo. O evento conta com a participação de mais de cem países e com representações multissetoriais, configurando, assim, um espaço extremamente importante para que os diversos atores envolvidos na internet possam pensar e estudar o uso e o desenvolvimento da internet no mundo.

O formato do evento, suas discussões e os resultados dos primeiros encontros foram reunidos em relatórios disponíveis aqui.

O tema este ano foi “Internet da Confiança” -“The Internet of Trust”. As 71 sessões  foram organizadas nos seguintes eixos temáticos:

  • Segurança cibernética, confiança e privacidade;
  • Desenvolvimento, Inovação e Assuntos Econômicos
  • Inclusão Digital e Acessibilidade
  • Tecnologias emergentes
  • Evolução da Governança da Internet
  • Direitos Humanos, Gênero e Juventude
  • Mídia e Conteúdo, Tópicos Técnicos e Operacionais

Muitos desses temas fazem parte da atuação do IRIS, motivando o envolvimento ativo de nossa equipe no evento!

 

Cloud Act e E-evidence: implicações para o Sul Global

Coleta extraterritorial de provas

Recentemente, o mundo tem presenciado investidas normativas sobre a internet e seus fenômenos transnacionais. A coleta de provas em outros territórios e a forma como as investigações e processos criminais têm sido desafiados pela internet despertam grandes discussões não apenas no Brasil – onde o tema é discutido pelo STF na Ação Direta de Constitucionalidade nº 51 (da qual o IRIS é amicus curiae, tendo apresentado o conteúdo disponível aqui)   mas em todo o mundo.

Considerando os projetos do IRIS sobre internet, jurisdição e cooperação jurídica internacional, o Instituto foi co-proponente junto ao Comitê Gestor da Internet (CGI.br) do workshop “Cloud Act and E-evidence: implications for the Global South.” A discussão, disponível aqui, tinha como objetivo discutir, do ponto de vista dos stakeholders  da governança da internet no sul global, os arranjos institucionais propostos na Europa, bem como a recente lei norte-americana aprovada para obtenção de provas, no ambiente digital. A diretora do IRIS, Luiza Brandão, se juntou às painelistas Monica Rosina (Facebook), Lani Cossette (Microsoft) e Fernanda Domingos (MPF) para discutir o tema, após keynote realizada por Bertrand de la Chapelle (Internet Jurisdiction), sob mediação do conselheiro do CGI.br, Thiago Tavares.

 

Governança global da Internet e acesso a dados

É inegável que existe uma disputa de poder entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento que poderia estar refletida nos acordos bilaterais executivos e diminuir a relevância do cenário multilateral que foi construído nos últimos anos, ou mesmo décadas. A abordagem bilateral, como a que o Cloud Act sugere, inclui acordos diretamente entre Estados e poderia marginalizar outras partes interessadas, especialmente do sul global, onde a tomada de decisões não é tão facilmente influenciada pela sociedade civil ou pela academia, por exemplo.

As discussões do workshop envolveram preocupações sobre o desenvolvimento de novas soluções institucionais que incluam, não apenas o ponto de vista do sul global, mas também a preservação da natureza global da internet, evitando, assim, a fragmentação, e defendendo uma abordagem multissetorial  para a manutenção de uma internet diversa e democrática.

 

A perspectiva da sociedade civil

O IRIS representou, no workshop, a sociedade civil e como ela poderia se engajar nas discussões relativas ao acesso a dados em investigações criminais extraterritoriais. Nesse sentido, ressaltamos a importância de verificar com cautela modelos que não considerem o multilateralismo ou multistakeholderismo nos quais a governança global da internet se pauta.

Além disso, no contexto de internet e jurisdição, fica claro que não há solução fácil ou unidirecional para abordar o equilíbrio entre o exercício poder dos Estados. É fundamental, então, considerar as tradições legais regionais e locais, seus sistemas complexos e sua diversidade. Isso porque devemos ter em mente que a submissão completa de uma jurisdição a outra não é mais aplicável. A comunidade internacional deve desenvolver uma abordagem de cooperação, inclusive no que diz respeito ao ambiente digital. Finalmente, chamamos atenção para uma necessidade crescente de reformular a maneira como entendemos o conceito de soberania na era digital no século XXI. Essas e outras formulações, considerando os fenômenos da internet, já foram abordadas em publicações do IRIS, como o livro “Governança Global da Internet, Conflitos de Lei e Jurisdição”, disponível aqui.

As jurisdições devem ser compartilhadas, levando em conta os padrões globais de governança da Internet, os direitos fundamentais dos usuários e as conquistas já realizadas.

 

Cybersegurança e Liberdade de Expressão

O exponencial aumento de ataques cibernéticos e de vazamento de dados, acompanhado pelas dificuldades dos Estados em lidar com os efeitos da proliferação de informações falsas e mal intencionadas, trouxeram questionamentos quanto à efetividade dos atuais modelos de segurança informacional (aqui excluída aqueles afetos à segurança nacional dos países).

Na sessão “Cybersecurity, Trust & Privacy”, alguns dos atores sugeriram que somente novos marcos regulatórios ou aperfeiçoamento daqueles existentes garantiriam uma segurança mais efetiva do ciberespaço. Este foi o posicionamento do governo francês quando reclamou um “Código para estabilidade” (“Code for establish”). Semelhante foi o posicionamento do representante do governo chinês que salientou a necessidade de novas ideias, sem deixar de pontuar a importância de regras para garantia da estabilidade e segurança.

Para outros, a aposta deve ser em políticas de segurança que coloquem o risco às pessoas no centro. Afirmam que as regras já existem e são muitas e propõe que, ao invés de uma securitização generalizada, sejam promovidos mais debates sobre segurança cibernética para e com a sociedade. Representantes da sociedade civil alertam ainda para os constantes abusos e violações à privacidade e liberdade de expressão em nome de ditas práticas que visam garantir a segurança informacional.

A resposta para os novos fenômenos deve vir sempre acompanhada da consideração dos riscos, da garantia dos direitos humanos e da cooperação multissetorial.

 

Governos Eletrônicos, Transparência e Inclusão

A integração de ferramentas digitais nos governos locais ou regionais como forma de aperfeiçoar a prestação de serviços para a comunidade tem sido prática muito bem-vinda pelas mais diversas nações. Entretanto, a adesão de novas ferramentas não podem ser suficientes por si só. Em um governo democrático, é importante que as novas soluções representem um ganho de eficiência para os governos e sejam acessíveis e transparentes aos seus cidadãos.

O desafio comum percebido é assegurar a coexistência da garantia da privacidade dos cidadãos em uma realidade na qual a coleta e processamento em massa de seus dados constitui rica fonte de informação para diretrizes de políticas públicas, sejam de aplicação  imediata ou de longo prazo.

As propostas identificadas foram, dentre outras, o estímulo de soluções que assegurem a privacidade dos indivíduos desde sua concepção (como por exemplo com a utilização da tecnologia blockchain) e o compartilhamento por parte dos governos de informações sempre muitas claras quanto a razão e modelo da coleta e utilização dos dados, em uma postura ativa da transparência.

Se para o Norte Global a realidade é a agregação da tecnologia 5G potencializando as possibilidade de acesso e a criação de novas soluções, o Sul Global já enfrenta desafios inerentes limitações estruturais e de índices não ideais de inclusão digital. Desde a implantação de serviços públicos por plataformas digitais ou por aplicações com alta responsividade, o futuro-presente esbarra-se nas dificuldade de manutenção da conectividade com qualidade para além dos centros urbanos e da capacidade do cidadão-usuário conseguir estabelecer uma comunicação virtual consciente e ativa.

 

A Caminho da Internet da Confiança

Seguindo a indicação do tema “Internet of Trust”, as discussões acompanharam os desafios e dilemas encontrados pelos atores para conciliar a criação de políticas e regulações voltadas para a Internet com o estímulo da transparência, auditabilidade e participação social.  Os desafios sobre discurso de ódio, fake news, democracia e exercício de direitos online foram destaques entre as discussões. Pensar em confiança na internet é pensar em um ambiente onde os diversos atores envolvidos na governança da internet sintam-se à vontade e seguros para fazer transações, navegar online, criar modelos de negócios, opinar, escrever e realizar atividades de forma livre e segura.

A importância do IGF para a estrutura e funcionamento da internet no mundo é imensurável. Apenas com a colaboração e atuação de todos os setores da sociedade – como governos, academia, terceiro setor, sociedade civil e iniciativa privada – é que podemos pensar na elaboração e estruturação de políticas públicas, padrões técnicos e diretrizes para a construção de uma internet da confiança e, que seja ao mesmo tempo, condizente com a diversidade de atores e multiplicidade de usuários que compõem a internet em todo mundo. Espaços de debates multissetoriais e com múltiplas nacionalidades são fundamentais para a preservação da internet diversa e democrática.

Em continuidade ao Fórum, já se sabe que a próxima edição do evento acontecerá em Berlim, entre os dias 25 e 29 de novembro de 2019. Até lá, continuaremos acompanhando as pautas de governança de internet e compartilhando os debates por aqui. O IRIS se manterá acompanhando a agenda internacional e local sobre os principais temas da governança da internet! Fique de olho em nossas publicações e se inscreva na newsletter!

Caso deseje saber mais sobre o conteúdo das sessões no Internet Governance Forum, é só clicar aqui. O site oficial do evento disponibiliza todas as transcrições e vídeos das discussões.

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