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Redes Comunitárias: um elo de conectividade, cidadania e territorialidade

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7 de novembro de 2023

Você já ouviu falar sobre redes comunitárias? se a sua resposta foi NÃO, eu te convido a conhecer esse modelo de conectividade que tem levado internet para comunidades remotas e isoladas dos grandes centros urbanos, e que tem ganhado cada vez mais espaço nos debates que cercam a governança da internet no Brasil e nos palcos internacionais. Se a sua resposta foi SIM, vamos aprofundar ainda mais o conhecimento e ficar por dentro das novas abordagens e nuances sobre o assunto.

Disponibilizar internet para todas as pessoas do nosso planeta é um desafio e tanto. As barreiras geográficas, técnicas, políticas, econômicas, jurídicas, culturais e até diplomáticas limitam o avanço de uma implementação eficiente das redes comunitárias ao redor do globo. Desta maneira, o atual estado da arte deste modelo alternativo de conectividade encontra desafios robustos que se entrelaçam com questões de dignidade humana, elo de saberes locais, soberania territorial e, sobretudo, autonomia na produção, consumo e compartilhamento de conteúdo comunitário na rede, potencializando, assim, a capacidade criativa para o desenvolvimento local. Além disso, existe a dificuldade, por parte das organizações envolvidas, de medir a eficiência no médio e no longo prazo, bem como em estabelecer um nível de padronização técnica no processo de implementação. 

Por se tratar de um arranjo de conectividade que depende extremamente de características específicas de cada localidade, uma diversa gama de métodos e possibilidades de implementação e gestão de redes comunitárias podem ser explorados e, então, colocados em execução conforme a necessidade imposta. Portanto, saiba que as redes comunitárias são super importantes para conectar locais remotos ou sem oferta de serviços de conexão para fins comerciais, representando, assim, uma estratégia para fortalecer o direito ao acesso à internet no Brasil e no mundo, contribuindo, diretamente, para o alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de número 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura) e indiretamente para todos os demais.

O que são redes comunitárias?

Para a Internet Society Capítulo Brasil, redes comunitárias se comportam como “formas de integrar a comunidade buscando levar o acesso à informação e/ou a tecnologia para dentro da comunidade”. O termo foi objeto de trabalho na Cúpula Latino Americana de Redes Comunitárias que aconteceu em 2018, na Argentina, onde foi estabelecida uma definição para redes comunitárias. Confira a seguir: 

 

“As redes comunitárias são redes de propriedade coletiva e gestão da comunidade, sem propósito de lucro e para fins comunitários. Elas são constituídas como coletivos, comunidades indígenas ou organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, exercendo seu direito de se comunicar, sob os princípios da participação democrática de seus membros, equidade, igualdade de gênero, diversidade e pluralidade.”

Outros entendimentos para além desta definição, contudo, fazem parte do imaginário das próprias comunidades que estão envolvidas, cotidianamente, no processo sobre o que vem a ser, de fato, as redes comunitárias para além de um olhar técnico. Em um estudo do CETIC sobre o assunto, são apresentadas três principais aspectos que constituem uma rede comunitária, de acordo com os resultados obtidos de entrevistas realizadas com pessoas que estão em constante atuação:

I – Redes sem fins lucrativos: podem ser com ou sem o acesso à internet e os recursos podem ser divididos entre os membros ou através de algum subsídio externo mas, por característica, não possuem fins lucrativos. 

II – Autogestão: seu processo decisório e de gestão é atrelado a uma dinâmica comunitária de consulta. As decisões são deliberadas pela comunidade que tem autonomia para pensar, implementar e revisar as soluções de manutenção da rede ao longo do tempo. Este arranjo organizacional promove o fortalecimento do elo comunitário e instiga solucionar os problemas coletivamente.

III – Autonomia e apropriação da tecnologia: o sucesso de uma rede comunitária depende de um nível de apropriação tecnológica para que a rede tenha sustentabilidade a longo prazo. Manutenções técnicas, diagnóstico e solução de problemas, manuseio de hardware são demandas comuns, além da gestão do arranjo social que permite coesão e engajamento no projeto. Redes comunitárias têm o potencial de transformar usuários – que usualmente têm um papel passivo diante da rede – para uma postura de poder e domínio da rede. 

Todas essas características apontadas, contudo, estão presentes em todos contextos, até mesmo onde há uma alta disponibilidade de tecnologia e de uma alta qualidade na estrutura da rede. Por outro lado, diferentes configurações sociais e  geográficas trarão novos pontos de atenção a serem considerados, pois, mais do que arranjos indubitavelmente tecnológicos, as redes comunitárias são um elo organizacional de conectividade, cidadania e territorialidade em constante aperfeiçoamento. 

Conheça algumas redes comunitárias espalhadas pelo mundo

A seguir, você conhecerá 11 redes comunitárias espalhadas pelo mundo que tem como principal propósito levar conexão à internet para comunidades rurais e indígenas localizadas distantes dos grandes centros urbanos. Conta aí, você já conhece algumas dessas ou tem conhecimento de alguma aqui no Brasil? Deixe sua resposta nos comentários que estou muito curioso em saber.

Sem mais delongas, confira as iniciativas logo a baixo:

1 – NYC Mesh (https://www.nycmesh.net/) – Estados Unidos  

2 – Detroit Community Technology (https://detroitcommunitytech.org/) – Estados Unidos

3 – TunapandaNET (https://tunapanda.org/) – Quênia  

4 – Zenzeleni Networks ( https://zenzeleni.net/) – África do Sul  

5 – Altermundi (https://altermundi.net/) – Argentina  

6 – Portal Sem Porteiras (https://portalsemporteiras.github.io/#psp) – Brasil  

7 – Empowerment Foundation (https://www.defindia.org/) – India  

8 – Guifi.net (https://guifi.net/en) – Catalunha  

9 – Common Room (https://commonroom.info/) – Indonésia  

10 – Telecomunicaciones Indígenas Comunitarias (https://www.tic-ac.org/) – México  

11 – Red INC (https://redinc.colnodo.apc.org/) – Colômbia 

Saberes locais para um empoderamento na internet

Dados do Cetic, publicados em 2022, sobre redes comunitárias brasileiras mostraram que, a maior parcela, estão concentradas em localidades com maiores índices de vulnerabilidade social. A maioria das redes estudadas estão no entorno urbano (58%), e grande parte delas configuram espaços de territórios tradicionais, como quilombos (40%), território indígena (33%) ou comunidades ribeirinhas (23%). Em relação ao perfil dos gestores, 40% deles têm ensino superior, 33% possuem pós-graduação. Em sua maioria são pretos ou pardos (55%), e 20% deles são indígenas. 

Um número relevante de redes mapeadas afirma ter a participação dos beneficiários nos processos decisórios da rede (45%). E isso mostra o quanto o uso dos saberes locais é crucial para engajar ainda mais os moradores de uma comunidade na criação e no gerenciamento de redes comunitárias. A questão técnica é super importante, mas não pode ser o único conhecimento aplicado no processo. O empoderamento da comunidade sobre a internet é instigado a partir do momento que é deixado livre a escolha de como utilizar e de como se apropriar das ferramentas de comunicação e informação de um determinado território, levando em consideração os modos de vida, objetivos de desenvolvimento local, cultura e identidade próprias. 

Explorar, no bom sentido, os conhecimentos comunitários é saber que há diversas maneiras de gerenciar redes comunitárias quando se encontram dificuldades no caminho para padronizar os processos.  Graças a essa ancoragem às tradições dos territórios e aos modos de vida específicos das comunidades, a diversidade nas formas de gerir, sustentar e operar as redes devem ser trabalhadas com muito zelo para o sucesso da rede no longo prazo. Portanto, os aspectos econômicos, políticos e culturais do território são elementos que demarcam as diferenças entre as regiões brasileiras e entre os países, impondo vantagens e desvantagens.

Esse cenário denota que a implementação de redes comunitárias não é um processo simples. São muitos os desafios que vão desde a utilização de tecnologias pertinentes à própria comunidade até a concepção de modelos autogerenciáveis que possam fomentar a participação e inclusão dos indivíduos sem limitar a aplicação do conhecimento local e do empoderamento comunitário para o pleno exercício da cidadania.

Nesse sentido, quando os saberes do território é colocado como a principal base para o gerenciamento de redes comunitárias a tendência é que seja fomentada a:

  1. Democratização dos processos decisórios e engajamento comunitário;
  2. Incentivo a mobilização local;
  3. Incentivo a inovação local – soluções locais para problemas locais;
  4. Inclusão da comunidade na administração e manutenção da rede; 
  5. Fortalecimento dos vínculos comunitários.

Portanto, a autonomia tecnológica das comunidades é o principal objetivo a ser alcançado com a implementação de uma rede comunitária em um território, pois é através da autonomia que é possível promover a capacidade dos indivíduos de desenvolver soluções que atendam às demandas locais, fomentando a inclusão digital, o compartilhamento de conhecimentos produzidos internamente, bem como a criação de redes de colaboração dentro da comunidade. Ao garantir a autonomia tecnológica sobre a rede comunitária, a comunidade se torna mais resiliente, sustentável e capaz de construir um elo de conectividade, cidadania e territorialidade.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Graduando de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. Atua como estagiário no Instituto de Referência em Internet em Sociedade (IRIS). Bolsista do Programa Policy Fellows (2022) do LACNIC. Participante do Programa IGF Youth Ambassador (2022) promovido pela ISOC. Foi bolsista da South School on Internet Governance (Argentina, 2020). Atuou como pesquisador Internacional sobre conectividade rural e inclusão digital pelo LACNIC no ano de 2020, atuando como Líder 2.0 na América Latina e Caribe.

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