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Democratização do acesso à tecnologia

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11 de novembro de 2019

Em tempos de polarização política e debate massivo da comunidade futurista sobre “Revolução 4.0”, quais os caminhos para garantir a inclusão digital e tecnológica as pessoas que não tem acesso dada a dimensão territorial brasileira e a falta de infraestrutura de algumas regiões? E ao incluir digital e tecnologicamente essas pessoas como usar isso a favor do desenvolvimento de políticas públicas?

Inclusão Digital e Tecnológica como política pública

Segundo o IBGE em 2018, 4 em cada 10 brasileiros não tinham acesso a internet, um dado que por si só justifica o investimento em políticas de inclusão digital, mas o fato de não terem acesso a internet não quer dizer exatamente que não tenham acesso a tecnologia, já que segundo um levantamento da Fundação Getúlio Vargas de abril/2019 o Brasil tem 230 milhões de smartphones ativos. 

A experiência da cidade de São Paulo mostra que apesar de uma metrópole altamente conectada, no limite as franjas da cidade ainda sofrem com a falta de interesse econômico do setor de telecomunicações, um dos motivos pelos quais temos bairros que não tem sequer antena de telefonia (mesmo estando em uma das 4 maiores cidades do mundo e a mais rica do país). 

Daí a necessidade da participação ativa do Estado, para chegar a locais menos assistidos e eu pude ver essa ação de perto no período que passei voluntariando em comunidades ribeirinhas da RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) Rio Negro no Estado do Amazonas, onde a educação é por videoconferência e a transmissão do sinal via satélite. 

Vejo inclusão digital e tecnológica nas ações como as da Litro de Luz que tem levado energia elétrica limpa para comunidades que nem mesmo o estado chegou, nas ações da Fundação Amazônia Sustentável que em parceria com diversas empresas tem levado educação, inclusive digital para comunidades ribeirinhas e indígenas, como uma fundação estatal, mostra a habilidade/vontade dos governos de criar condições para que as populações vulneráveis tenham acesso e para isso buscam inovações em suas formas de parceria.

 

 

Oficina de monitoramento ambiental com a FAS – Amazonas para ensinar adolescentes e jovens a qualificarem os dados de focos de calor na região.

 

Postes Litro de Luz na Comunidade Três Unidos – APA Rio Negro – Amazonas

Por que inclusão tecnológica?

Por vezes as pessoas possuem os dispositivos (testemunhei isso na Amazônia, pelo menos uma pessoa por família tinha um smartphone, mas a comunidade tinha eletricidade apenas em dois horários por dia), mas de uma modo geral a infraestrutura é precária, daí a necessidade de fomentar iniciativas que capacitem as comunidades para lidar com a tecnologia e não apenas se conectar a internet.

Essa questão me faz entender porque programas outrora considerados obsoletos, como a rede “Telecentros” são tão necessários ainda hoje, existe uma abismo entre ter acesso a tecnologia, saber usar basicamente alguns recursos para comunicação e ser fluente na tecnologia.

As iniciativas que apresentam as tecnologias e buscam promover autonomia são fundamentais para auxiliar na redução de desigualdades, se considerarmos a tecnologia como ativo para esse fim.

Uma das experiências que considero mais incríveis para inclusão tecnologia é a formação de comunidades sobre temas específicos, isso porque o conhecimento circula de maneira horizontal, e fugimos do modelo tradicional e verticalizado da educação, isso porque as comunidades entendem o valor da partilha, não criamos apenas ilhas de excelência apenas, isso reduz desigualdades e promove autonomia dos indivíduos.

Por isso é fundamental que a tecnologia seja livre, aberta e ao alcance de todos, mas não basta estar disponível, precisa ser compreensível, ou seja, precisamos vencer a barreira do idioma também. 

No Brasil, menos de 10% da população fala inglês, e praticamente todo conteúdo sobre tecnologia está em língua estrangeira, deve haver um esforço dos movimentos pró acesso, em buscar alternativas para tornar esses conteúdos mais acessíveis.

Pra mim uma das políticas mais transversais de compartilhamento de conhecimento é o YouTube, durante o tempo na Amazônia vi muitos jovens usando a plataforma para ver vídeos de marcenaria, e até de construção civil (isso porque os saberes ancestrais não tem sido suficiente para lidar com as influências do “desenvolvimento destruidor” dos centros urbanos).

Quanto mais conteúdo acessível, mais pessoas se desenvolvendo e se tornando autônomas em suas próprias jornadas, e a depender de suas origens se tornam referências para a comunidade que vive.

Uma das iniciativas que mais admiro de inclusão tecnologica é o Barco Hacker, que tem feito expedições incríveis por comunidades ribeirinhas há três anos. Eu mesma estive em uma das expedições e desde então fiz da Amazônia uma causa.

Qual o nosso papel na inclusão digital e tecnologica de pessoas e comunidades vulneráveis?

Muitas vezes no âmbito das políticas públicas ficamos debatendo o “sexo dos anjos” para encontrar as formas de fazer algo acontecer, mas, a grande verdade é que ações de fomento tem se provado muito mais eficaz do que o movimento da máquina pública propriamente para executar alguma coisa. 

Contar com iniciativas da sociedade civil, do terceiro setor e dos negócios de impacto social que buscam resolver as questões ligadas a inclusão faz diferença. 

Ouso dizer que se conseguíssemos que cada filho e cada neto vencesse o ímpeto de recusar a compartilhar sobre tecnologias com pessoas mais velhas muitas barreiras já estariam sendo superadas.

Aos que têm acesso e são fluentes no uso das novas tecnologias cabe vigilância em seus conteúdos, compromisso com a verdade (mais ainda em tempos de fake news) e em especial movimentos para massificar o acesso.

E quando se der conta de que o acesso fora garantido, buscar fomentar o desenvolvimento. 

Conclusão

Inclusão digital e tecnologica é mais que benevolência estatal, é necessidade para o desenvolvimento da sociedade em tempos de hiperconectividade, mas não é possível fazer isso se verdadeiramente não garantirmos acesso a todas as pessoas. Nesse sentido te convido a ler o artigo escrito pelo Felipe Duarte sobre “internet acessível, usável, e comunicativa”

Pela perspectiva do futurismo, quem não estiver digitalmente incluído estará “fora”, e o convite é para que não percamos de vista a possibilidade de construir um lugar melhor para todos e todas, inclusive no universo da tecnologia, que abrange muito mais do que ferramenta. É fundamental não esquecermos que tecnologia é meio e não fim em si mesma.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Ilustração por Freepik

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Jovem negra em um espaço dominado por homens, é apaixonada por criar oportunidades inclusivas e promover a diversidade no universo da tecnologia. Atualmente, trabalha na Prefeitura de São Paulo como Gerente de Comunidade da rede FAB LAB LIVRE SP e é a representante da prefeitura na equipe de produção executiva do maior evento de tecnologia do Brasil, Campus Party. Um de seus projetos mais recentes foi criar e liderar a SP MakerWeek, evento anual de São Paulo.

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