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Que internet buscamos em 2020?

13 de janeiro de 2020

Em 2019 vivenciamos grandes desafios que envolvem o ambiente online. O uso de reconhecimento facial no carnaval, a proposta da prova do ENEM digital e a corrida das empresas para adequação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais são apenas algumas das muitas questões que discutimos e dizem respeito a todos nós enquanto cidadãs e cidadãos na internet. Pensando nesses desafios, vale sempre lembrar que o diálogo é a melhor forma de vivermos em sociedade na internet, e para isso foram propostos pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil os Princípios para o Uso e Governança da Internet. A seguir, serão apresentados os 10 princípios e como eles podem guiar nossa construção de uma internet melhor para todos em 2020.

Liberdade, privacidade e direitos humanos

Vivemos em uma sociedade que é desdobrada com todas as suas dinâmicas também na internet, portanto, é sempre importante lembrar que a dicotomia entre online e offline é falsa. Dessa forma, nossos direitos mais básicos também são mais do que válidos quando fazemos o uso da internet.

No carnaval de 2019 vimos o uso de reconhecimento facial para fins de segurança pública e muitos debates sobre como a privacidade dos usuários deve ser sempre levada em consideração. Não à toa, em 2020, entra em vigor a Lei Geral de Proteção e Dados Pessoais (LGPD), que logo em seu primeiro fundamento elenca o “respeito à privacidade”, direito já resguardado na Constituição Federal de 1988.

Os limites entre liberdade de expressão e discurso de ódio também vêm sendo muito discutidos nos últimos anos. De acordo com levantamento da SaferNet, desde 2006 foram recebidas 2.061.141 denúncias de crimes de ódio. Pensar sobre esse tema é delicado e demanda atenção especial, mas o mais importante é entender que a liberdade de expressão é um direito que não deve se sobrepor a nenhum outro, como o direito à imagem, à privacidade ou à honra de alguém.

Governança democrática e colaborativa

Uma das principais palavras sempre repetida em eventos que discutem internet é o “Multissetorialismo”. Considerando a internet como um ambiente que deve manter seu caráter colaborativo e de participação democrática, a tomada de decisões e voz nas discussões também deve se manter plural, afinal, sempre estão em jogo interesses de diversos setores que compõem a sociedade.

A participação de governos, acadêmicos, sociedade civil e empresas nas dinâmicas da internet visa balancear os interesses desses diversos setores e vêm sendo aplicada em muitos âmbitos de discussão. A exemplo disso, existe o Fórum da Internet no Brasil, realizado pelo CGI.br anualmente e que traz a nível nacional, com participantes de todos os setores da sociedade, questões relevantes para a governança da Internet. Além disso, a nível global, também existe o IGF, que reúne participantes ao redor do globo para as discussões. 

Para além deste modelo de participação, pensar em uma governança democrática e de fato colaborativa também presume a necessidade de inclusão de pessoas de diferentes contextos. Afinal, para além dos diversos setores da sociedade, existem diversos outros fatores a serem considerados em propostas e discussões: a localização geográfica, o contexto sociocultural e até mesmo as línguas faladas. Como foi salientado no 9º Fórum da Internet no Brasil, não podemos dizer que o acesso e uso da internet é o mesmo em São Paulo e no Amazonas, por exemplo.

Universalidade

O princípio da universalidade apresenta que:“O acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em benefício de todos.”

Ainda que um dos grandes temas discutidos no último IGF tenha sido a inclusão digital, ainda temos grandes caminhos a serem percorridos na consolidação de uma internet de fato mais inclusiva em questões de acesso à infraestrutura, capacidades de uso das ferramentas digitais e apropriação das tecnologias na participação social. Assim, vale sempre ressaltar que a inclusão digital é um desdobramento da inclusão social, e que para promovê-la é preciso de políticas públicas, estratégias de desenvolvimento e também práticas cotidianas.

“Reconhecer que nossa perspectiva é diferente da perspectivas do outro é imprescindível para que pensemos, incluindo todos esses outros, em novas formas de criar que levem em consideração diversas realidades de uso na internet.”

Diversidade

De acordo com João Brant, ex-Secretário Executivo do Ministério da Cultura, a diversidade traz desafios que devem ser articulados com liberdade e respeito. Assim, pensar na internet enquanto um ambiente diverso é também pensar em representatividade, tanto de pessoas quanto de narrativas.

Uma iniciativa interessante apresentada em 2019 e que propõe mais respeito e diversidade na internet foi o SaferLab, que deu voz ao Tela Preta, um guia com conteúdo sobre como abordar questões raciais em sala de aula, ao Tem que ter, banco de imagens gratuito de pessoas LGBTQI+ e também a muitos outros projetos que popularizam narrativas diversas no ambiente online.

Além disso, também vale lembrar da campanha #MulheresNaGovernança, que além de agregar conteúdo de mulheres na internet, também possui uma chatbot que busca incluir mais e mais mulheres nas discussões. Quando a internet serve para potencializar vozes de minorias ela usa todo seu potencial de comunicação a favor de uma sociedade mais plural.

Inovação

“A governança da Internet deve promover a contínua evolução e ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso.”

Em constante atualização e mudança, a internet também implica nesses processos grandes desafios legais. No último ano a discussões sobre criptomoedas como o Bitcoin e o Libra marcaram o mercado financeiro como o possível “futuro do dinheiro”. No entanto, conforme apontamos em uma das nossas últimas pesquisas, as criptomoedas também trazem problemas como o uso desses ativos financeiros para lavagem de dinheiro. Ao mesmo tempo em que a inovação deve ser uma premissa importante para o desenvolvimento da rede, é preciso sempre se lembrar de que cada iniciativa 

Como a especialista em neutralidade da rede Barbara Van Schewick, afirma, ao mesmo tempo que devemos permitir que a arquitetura da internet desenvolva, também é preciso que se mantenham as características que fizeram dela uma plataforma tão boa para a inovação e o desenvolvimento econômico.

Neutralidade da rede

Manter a rede neutra significa, segundo Demi Getschko “não discriminar endereços de origem e destino; não olhar conteúdo; não vedar serviços tecnicamente possíveis sobre a rede, tanto os que hoje existam como os que virão a existir.” Segundo o cientista da computação, um dos pioneiros da Internet no Brasil, a internet pode ser entendida como a rua, que diferente das casas é pública e por onde circulam os meios de transporte. Dessa forma, a neutralidade da rede tem como principal objetivo preservar a arquitetura aberta da internet, permitindo a concorrência entre sites e serviços e a livre circulação de conteúdos. Sendo assim, regula-se a empresa que dá acesso, e não o conteúdo em si. 

“O proprietário de uma casa decide quem pode entrar e quando. Mas a rua é pública e neutra, os transportes devem ser públicos e neutros, os conteúdos transportados devem ser invioláveis e a evolução dinâmica da rede deve ser mantida aberta e livre”

Confira este texto de Demi Getschko, em que ele explica a neutralidade prezando por uma rede agnóstica.

Inimputabilidade da rede

Nas palavras de Lynn St. Amour: “devemos governar os usos da internet e não ela mesma”.

Esse conceito diz respeito à atingir os responsáveis finais por ilicitudes na internet, e não os canais por onde circulam. Tomamos como exemplo os bloqueios do whatsapp, que ocorreram mais de uma vez desde 2017. Optando por esse tipo de ação, a liberdade de expressão e comunicação individual dos usuários é afetada, prejudicando o livre acesso à informação – direito fundamental previsto no Marco Civil da Internet. 

Pontuamos também um caso que envolve o Nic.br sendo processado por uma atriz que teve seu nome utilizado como domínio de um site com conteúdo pornográfico. Entretanto sabemos que a responsabilidade não pode ser delegada à uma instituição privada.

Funcionalidade, segurança e estabilidade

Tanto esse princípio como o seguinte são basicamente técnicos, dizendo respeito ao estabelecimento de padrões em toda internet para que ela continue funcional,além de boas práticas que resultem cada vez mais em um cenário melhor. 

Yurie Ito afirma que “a internet não é desenvolvida para ser um campo de batalha, mas para fazer o mundo um lugar melhor para todos. […] Todos têm a responsabilidade de manter a internet dessa forma” É importante que trabalhemos em conjunto, prezando por um ecossistema online saudável e seguro e estimulando as boas práticas.

Começando por sua própria segurança, aconselha-se que suas contas possuam a verificação de dois fatores e que você tenha cautela com informações e links divulgados nas redes sociais. Golpes e vírus enviados por e-mail e redes sociais através de links que pegam vítimas através de detalhes triviais. Confira a cartilha cert de segurança na internet e fique atento aos seus costumes.

Padronização e interoperabilidade

Se há algo que distingue o mundo da Internet do que um dia foram as redes de telecomunicações de dados, é justamente este ambiente interoperável e aberto, permitindo a participação de todos em seu desenvolvimento e auxiliando o usuário a não ser vítima de imposições de uma grande corporação. 

Ambiente legal e regulatório 

Na dinâmica regulatória, a internet deve ser vista e usada como espaço de colaboração, assegurando uma rede livre e democrática. É preciso lembrar do marco civil da internet, projeto que surgiu em 2009 e foi sancionado em 2014. A lei, que foi inicialmente debatido em tópico aberto de um blog, dita princípios, direitos e deveres para os usuários, além da determinação de diretrizes para atuação do Estado sob a rede. 

Os Princípios para Uso e Governança da Internet são apenas o começo

Os princípios trazem elementos para que possamos, juntos, discutir sobre a governança e como a internet pode ser mais um ambiente social de coesão, diversidade, respeito e liberdade. E é isso que o IRIS, assim como muitas outras organizações independentes, busca e continuará, ainda mais, buscando em 2020.

Falar de internet é falar de sociedade, e todos nós devemos contribuir para para o bom uso da rede, sempre visando a melhoria e no bem-estar dos usuários. Depois de tudo isso, que tal relembrar qual o seu papel na governança da internet?

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Ilustração por Freepik

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