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O que fazer quando a vida acontece pelas suas janelas?

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10 de agosto de 2020

Se até alguns meses atrás havia aqueles que rejeitavam uma reunião por videoconferência e outros que postergavam ligar para aquele amigo distante porque “ao vivo é mais gostoso”, agora vemos que as alternativas não são muitas quando as portas de quem tem condições de ficar em casa devem ficar trancadas. Seja em reuniões por vídeo, compras online ou happy hours pela internet, essa nova forma de viver o mundo – que está longe de poder ser chamada de normal – nos limita a tentar tirar o melhor das pequenas janelas que nos cercam e se apresentam como opção para nos manter em segurança.

Neste texto, irei refletir sobre minhas experiências nesses cinco meses de isolamento social para apontar alternativas para viver melhor quando nossa relação com o mundo está limitada às molduras das janelas que nos cercam – sejam as de vidro ou as digitais.

Ficar na janela não é para todo mundo, mas deveria ser

Antes de qualquer conversa sobre as consequências do #FicaEmCasa e suas dificuldades e desafios, acredito que é muito importante lembrar que essa não é a realidade de grande parte das pessoas no Brasil. Para cada pessoa como eu, que pode trabalhar de forma 100% remota pela internet e continuar com meu sustento em segurança, existem milhares que não conseguem sobreviver sem arriscar suas vidas em seus postos de trabalho.

Seja sua conhecida profissional de enfermagem – que pode ser a minha tia -, o motorista do ônibus que você pegava todos os dias ou o entregador do seu almoço no home office, essas pessoas precisam ser lembradas e apoiadas. Poder ficar em casa não deveria ser, mas é um privilégio que diz respeito às nossas condições socioeconômicas, de trabalho e também de inclusão digital – fator que também é essencial e extremamente desigual.

Inclusão digital é uma questão que vai para além do fato de eu poder ter uma conexão estável com a internet, um computador com bom processador pra fazer design e da minha habilidade com os programas e ferramentas para realizar as minhas tarefas. Falar de inclusão digital, ainda mais agora, é falar de inclusão social – e a sociedade vai muito além de mim mesmo ou do meu círculo social. Como ficam as pessoas que realizam atividades que poderiam ser feitas em casa, mas não têm infraestrutura (como internet ou computador) ou habilidades de ferramentas digitais?

Se no Brasil só o acesso à internet já acontece em uma proporção desigual (cerca de 46 milhões da brasileiros estavam desconectados até 2018), a diferença nos níveis de letramento digital também é enorme. Se, por um lado, meu avô paterno não consegue ter um celular com touchscreen pela dificuldade de apertar os botões na tela e entender o sistema operacional, minha avó materna assiste às transmissões ao vivo da missa todo domingo, me liga por vídeo e envia figurinhas de bom dia no WhatsApp. Meus dois avós vivem na mesma cidade e, ainda assim, têm condições de infraestrutura e habilidades para um uso consciente da internet totalmente diferentes, o que resulta em formas desiguais de apropriação das tecnologias.

Para sair usávamos só uma porta. Para ver o mundo de agora, abrimos muitas janelas

No início dessa pandemia fiquei muito disperso. Na área em que trabalho, as demandas são muito diversas, e definir prioridades em meio às notícias de um mundo caótico fora (e também dentro) de casa foi complicado. As redes sociais, que deveriam me ajudar a manter contato com quem eu amo, se tornaram motivo para a névoa da ansiedade ir subindo de mansinho ao meu redor ao longo dos dias. Fosse no trabalho remoto ou no tempo livre em que navegava de janela em janela vendo vídeos, fotos e stories, estar na internet deixava cada vez mais claro um “medo de estar perdendo algo” (FoMO) generalizado – e que acabou afetando todos nós.

Se os nossos sistemas operacionais podem ficar em modo de espera, esperar que nossa cabeça também tenha essa função – mesmo sem perceber – é tentar colocar a sua humanidade par a par com uma “humanidade robotizada” que não é possível. Por mais que algumas postagens por aí digam que é preciso trabalhar enquanto nossos “competidores” dormem, nós não somos programas com ultraprocessadores – e muito menos concorrentes em um concurso de produtividade. 

“Ignore tanto as pessoas que dizem estar escrevendo papers quanto as que reclamam de não conseguir escrever. Cada qual está em sua jornada. Corte esse ruído.”

– Aisha S. Ahmad, Chronicle of Higher Education. (Tradução de Renato Pincelli)

O jargão “viver um dia de cada vez” já virou clichê em fotos de influenciadores no Instagram, mas vale lembrar que muitas vezes clichês só se tornam clichês porque são reais. É preciso lembrar que o “multitarefas”, visto muitas vezes como elogio, não condiz com nossas limitações pessoais e que fazer uma coisa de cada vez nos ajuda a manter o foco e a cabeça no lugar. Nós não conseguimos resolver todos os problemas do mundo de uma vez – e não é agora que isso vai mudar. Não é a toa que a tecnologia está com um potencial de ajuda enorme, mas que precisa ser explorado de forma mais saudável.

O meio termo que encontrei no uso das ferramentas digitais e que me ajuda bastante é usar aplicativos para listar tarefas – além do bom e velho papel. Anotar no início do dia quais são minhas atividades, alterar a ordem de acordo com a prioridade e ir riscando, uma a uma fez com que eu me sentisse melhor e não surtasse querendo carregar tudo de uma vez nas costas. Além disso, definir bem o tempo para o trabalho e para outras atividades – assim como para não fazer absolutamente nada – tem sido essencial. Lembre-se de fechar todas as abas do navegador e também as que estão abertas na cabeça.

Nosso corpo também é o nosso lar

Ficando mais tempo em casa, tenho tentado deixar meu ambiente o mais confortável possível. Organizo a escrivaninha, mudo uns móveis de lugar e troco os pôsteres da parede para dar um ar de novidade de vez em quando. Mas, ainda assim, percebi que mesmo em uma casa confortável dentro do possível, não estava cuidando do meu lar mais importante: o meu corpo.

Os reflexos desses tempos nada normais aparecem não apenas na cabeça, mas também em sinais do nosso organismo. Depois de algumas semanas me sentindo cansado, com os olhos ardendo e sem disposição, percebi que hábitos como tomar sol regularmente (cerca de 15 minutos por dia pela manhã), tomar cuidado com o brilho das telas do computador e celular e mudar a forma como confiro como meus amigos estão pela internet eram muito importantes para minha saúde física e também mental. 

Além de conferir quem você ama e aceitar suas vulnerabilidades, ter coragem de pedir ajuda é muito importante. E para além de ajuda dos amigos – que também não estão bem – cuidar da saúde mental com um profissional é essencial. Durante o isolamento, diversos profissionais de psicologia estão realizando atendimento online, e que têm ajudado muita gente a lidar melhor com esse turbilhão de acontecimentos. Os profissionais da saúde também têm se esforçado muito no uso das redes sociais e criado coletivos para compartilhamento de conteúdo e divulgação de consultas remotas, como o SaudeNegraBH.

Algumas práticas e ferramentas também me ajudaram muito com os desafios de saúde mental e física. Meditar com aplicativo ao acordar me ajudou a perceber como estou me sentindo e a lidar melhor com a ansiedade. Usar as redes sociais com parcimônia e checar como meus amigos estão por mensagens diretas ou videochamadas em grupo tem sido muito mais saudável ao invés de ver apenas fotos no feed e stories editados. Usar a luz noturna do computador nas minhas atividades que não envolvem design me ajudou a dormir melhor e a não sobrecarregar minha visão. Essa última dica vem de uma validação externa – e engraçada – de que as telas realmente podem ser um problema: um amigo da faculdade recentemente publicou que estava usando óculos escuros durante as aulas remotas. Achei estiloso, mas ainda assim indiquei a função.

O mais importante: olhar não só para fora, mas também para dentro

As dicas que mencionei ao longo do texto são valiosas para mim e surgiram a partir de muito questionamento e observação no meu lado de dentro ao longo desses meses. Para você, o processo pode ser totalmente diferente, e por isso é necessário olhar não só para fora das tantas janelas que nos cercam, mas também para o lado em que habitamos: dentro da nossa casa, do nosso corpo e da nossa mente.

“A validação que buscamos do lado de fora está dentro da gente o tempo todo”

– Campanha #AInternetQueAGenteQuer (@contente.vc)

Por mais romantizado que possa parecer, precisamos nos lembrar – com consciência de nossos privilégios –  que o autoconhecimento é fundamental para vivermos de forma melhor, ainda mais quando confirmamos que de “virtual” a vida online não tem nada – mas sim que com a internet nossas experiências online sempre são tão reais quanto as offline.

Como última sugestão, aconselho você a sempre se ouvir e se questionar. Enquanto você vive entre suas tantas janelas, o que tem funcionado e o que tem dado errado e passado despercebido? Você consegue realmente trabalhar ouvindo música, ou isso acaba te sobrecarregando sem você perceber? Quando você entra nas redes sociais, como se sente ao deixar o celular de lado?

As respostas estão todas dentro de você, e não há mal algum em pedir ajuda para encontrá-las: seja com quem você ama, com a tecnologia e com um profissional.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Ilustração por Freepik Stories

Escrito por

Coordenador de comunicação do Instituto de Referência Internet e Sociedade. Graduado em Publicidade na UFMG, desenvolve atividades de design gráfico, audiovisual, ilustração e marketing. Designer e ilustrador freelancer, fez parte da equipe criadora da chatbot da campanha #MulheresNaGovernança e foi bolsista do programa Youth no Fórum da Internet no Brasil de 2018. Tem interesse nas áreas de inclusão digital, usabilidade em ambientes digitais e Design Transmídia. Também foi pesquisador do IRIS de 2019 a 2021 e autor dos livros “Glossário da Inclusão Digital” e “Inclusão digital como política pública”.

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