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(Não) Estou ciente e permito a coleta dos meus dados pessoais

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4 de janeiro de 2021

Você provavelmente notou que recentemente ao abrirmos algum site ou aplicativo online, nos deparamos com alguma solicitação de consentimento em relação aos contratos de políticas de privacidade, cookies e coleta de dados. Também é perceptível que, para obter acesso a alguns desses serviços virtuais, exige-se a concordância com o que é proposto nesses documentos. Tal fato decorre da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei Nº 13.709/2018) e a consequente necessidade de atualização contratual de instituições que fazem a coleta, o tratamento e o armazenamento de informações pessoais de seus usuários. Nesse sentido, é importante observar e questionar os métodos utilizados na adequação dos contratos e se estão em conformidade com a nova legislação. 

Quanto vale o acesso aos nossos dados?

Um dos objetivos da Lei Geral de Proteção de Dados é garantir o acesso à informação de maneira clara e transparente sobre o tratamento de dados pessoais. Sendo assim, é razoável esperar que a atualização contratual de sites e aplicativos inove em seus métodos de oferecer esclarecimentos aos clientes sobre o conteúdo desses documentos e políticas de uso.

Não obstante, o que se percebe em muitos serviços virtuais é uma adequação que oferece pouca ou nenhuma elucidação sobre o conteúdo dos documentos que carecem do aval dos usuários, ou seja, precisam da ação humana para apertar o “OK”. Esse ato de movimento do usuário, em tese, pode ser interpretado como um sinal de confirmação e consentimento para a extensa documentação que descreve o que é permitido coletar e como são tratados os dados pessoais dos clientes. 

As dúvidas pairam sobre se os procedimentos utilizados para recolher o consentimento dos usuários estão em harmonia com os princípios e as normas da nova legislação no que tange o acesso à informação e o tratamento massivo de dados privados, que são, por sua vez, a matéria prima de ativos de alto valor no mercado. 

Isso acontece, pois, uma vez que aceitamos os termos contratuais, uma série de arquivos e programas são conectados aos nossos dispositivos de acesso à internet com a finalidade de rastrear nossos hábitos, costumes e gostos por meio do acesso ao que fazemos quando estamos online. Por exemplo, os cookies sociais, que são responsáveis por guardar registros do comportamento dos usuários em redes sociais. Em seguida, os dados recolhidos por meio desses cookies são organizados, processados e constituídos de significados que possibilitam, a quem possui a propriedade dessas informações, a vantagem de estabelecer estratégias de mercado personalizadas com o objetivo de persuadir e incentivar o consumo e, consequentemente, obter lucro. 

Para tanto, muitas instituições alegam que o monitoramento dos hábitos dos usuários online será revertido em benefícios, como a publicidade e o marketing direcionado, e que poderá até mesmo ser transformado em descontos personalizados para as pessoas. No entanto, será que essa troca de interesses é realmente balanceada? 

“Rápido e Devagar” 

Ante o exposto, será que está adequada à LGPD a estratégia de colocar uma caixa de solicitação apenas dizendo aos clientes que para obter uma melhor experiência ou maior segurança em sites e aplicativos virtuais é necessário permitir o monitoramento constante do seu comportamento online

De acordo com o psicólogo e autor do livro “Rápido e devagar: duas maneiras de pensar”, Daniel Kahneman, laureado com o prêmio Nobel de Economia, existem duas formas simplificadas de entender o raciocínio do cérebro humano. A primeira forma é chamada pelo escritor de Sistema 1, que se caracteriza pelos pensamentos que exigem pouca energia e o mínimo de esforço para as tomadas de decisões, enquanto o Sistema 2, necessita de mais atenção e energia para realizar uma atividade mental laboriosa e complexa. Seguindo tal lógica, a utilização do Sistema 1 tende a prevalecer em diversas situações sobre o Sistema 2, uma vez que necessita de menor esforço mental e, por isso, é mais rápida. Esta tendência significa apenas uma forma natural do comportamento humano que visa economizar energia.

Nesse sentido, parece razoável utilizar a analogia de que quando determinado serviço online oferece uma caixa de solicitação de consentimento com pouca ou quase nenhuma informação sobre o que é coletado e que necessita apenas que você clique na opção “OK”, há uma tentativa de induzir o usuário a escolher o caminho mais fácil e de evitar o raciocínio analítico do Sistema 2.

Assim, o fato de que os contratos sobre as diretrizes do tratamento de dados se constituem em documentos extensos e com uma linguagem pouco elucidativa também pode colaborar para que haja maior prevalência do Sistema 1 nas escolhas dos usuários. Visto que, é muito mais rápido e fácil para o usuário, simplesmente concordar com o que o site solicita, do que ler e interpretar as inúmeras e maçantes cláusulas contratuais de todas as páginas que navega, o que demanda tempo e esforço para o Sistema 2. 

Li e concordo com o uso dos meus dados pessoais

Tendo em vista tais informações, torna-se de suma importância analisar se os recursos utilizados para obter o consentimento dos clientes, para a utilização de seus dados pessoais, estão em consonância com todo o arcabouço estabelecido pela LGPD. Posto que a nova legislação define de maneira explícita em seu artigo 5º, XII, que o consentimento é a manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada. 

Isso significa ser necessário que os clientes realmente estejam cientes em relação ao que estão concordando ao permitir a coleta de suas informações em troca do acesso a algum site ou aplicativo virtual. Isto é, possuir entendimento de quais dados estão sendo coletados e qual a intenção de armazená-los, com quem serão compartilhados, se estão em segurança, se não serão utilizados para fins discriminatórios, bem como diversos outros direitos referentes ao tratamento de suas informações pessoais.

Outro ponto primordial da LGPD para realizar tal análise, é observar o comando do artigo 6º e seu inciso VI, que tratam, respectivamente, da boa-fé sobre o tratamento dos dados e a definição do princípio da transparência como a garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial. Assim, é determinado que as instituições responsáveis pela coleta e tratamento de dados pessoais possuem o dever de inserir as regras da LGPD em seus procedimentos e documentos contratuais para cumprir com as obrigações relacionadas ao acesso facilitado à informação pelos usuários de internet.

Diante disso, ficam as incertezas se os procedimentos utilizados pelas entidades que coletam e tratam dados foram atualizados para proporcionar e estimular a aquisição de compreensão das pessoas sobre o que significa o armazenamento e o manejo desses dados pessoais, tendo em vista a responsabilidade e a boa-fé para o cumprimento das exigências da LGPD. 

Conclusão

Diante da observação das tentativas de adequação dos contratos virtuais em relação à LGPD, pode-se supor que os responsáveis pela transmissão da informação estão desatentos, o que poderá ocasionar em diversos pedidos de cancelamento da arrecadação de dados, de eliminação das informações já existentes e de pedidos de nulidade do consentimento, o que ocasionará a irregularidade da coleta e do armazenamento de dados. 

É o que diz a lei em seu 9º artigo: O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso. 

Para tanto, o § 1º do mesmo artigo define que na hipótese em que o consentimento é requerido, esse será considerado nulo caso as informações fornecidas ao titular tenham conteúdo enganoso ou abusivo ou não tenham sido apresentadas previamente com transparência, de forma clara e inequívoca. Dessa maneira, o simples consentimento por meio do clique em “OK” em uma caixa de aviso, que por trás possui extensas páginas e maçantes textos que pouco ajudam no acesso à informação, poderá ser considerado como uma prática incapaz de assegurar a permissão para a coleta de dados pessoais de acordo com a lei. Isso significa que a utilização do consentimento para justificar o tratamento de dados não será válida quando a disponibilização de informações para os clientes ocorrer de maneira que não facilite o esclarecimento sobre a coleta e o tratamento de dados pessoais, visto que ficará sem amparo legal para legitimar o gerenciamento de informações.

Assim, reforça-se que um dos principais focos de LGPD é estimular uma cultura de acesso à informação e que as relações contratuais objetivem o esclarecimento, de maneira a informar os direitos e deveres tanto das empresas que coletam dados quanto dos usuários que fornecem esses dados. Para tanto, será necessário a atenção dos usuários e das empresas para a razoabilidade e a responsabilidade sobre a maneira utilizada para comunicar os significados da coleta e tratamento de informações pessoais, tendo em vista a transparência e demais princípios da legislação.

Isso porque, além das frágeis atualizações contratuais dos controladores de dados das empresas, as diretrizes legais estabeleceram, de acordo com art. 7º, § 2º, que cabe ao controlador o ônus da prova de que o consentimento foi obtido em conformidade com o disposto na LGPD. Dessa maneira, as empresas terão de se desdobrar para comprovar suas intenções e condutas para garantir que seus clientes tenham entendimento claro do conteúdo contratual, visto que elas serão responsáveis por provar que ofereceram informação de forma esclarecedora e transparente para arrecadar o consentimento dos seus clientes 

Por fim, os usuários possuem agora uma coerente e específica estrutura legal que visa proteger os seus dados pessoais das arbitrárias relações contratuais dentro do ambiente virtual. O que poderá fomentar o engajamento dos cidadãos em relação aos seus direitos, assim como muni-los de conhecimento para reivindicá-los

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Ilustração por Freepik Stories

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Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP (ingresso 1/2018). Integrante do grupo de estudos Núcleo de Direito do Consumidor - UFOP (2020/1- atual). Pesquisadora bolsista de iniciação científica (PIBIC/CNPq) com estudos nas áreas de Direito do Consumidor e Lei Geral de Proteção de Dados (2020/2-atual).

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