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Fake news, vigilância massiva e IRIS na Conferência Connected Life

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25 de junho de 2018

No último dia 20 de junho, apresentamos Logic Gates and Access Records of Internet Users: From Technical Possibilities to Judicial Reasoning in Brazilian Courts, um relatório de pesquisa sobre o trabalho desenvolvido no Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS, realizada no ano de 2017, na conferência Connected Life 2018, realizada na Universidade de Oxford.

Sobre a conferência

A Connected Life é uma conferência totalmente coordenada e organizada por estudantes de Oxford, mais especificamente, do Oxford Internet Institute (OII). Seu objetivo é estimular o intercâmbio entre diferentes disciplinas e divulgar pesquisas emergentes na área de estudos sobre a internet. Reunindo participantes de todas as humanidades, ciências sociais e ciências exatas, a Connected Life procura promover colaborações dentro e fora da Universidade de Oxford, na busca de uma compreensão aprimorada da Internet e de seus efeitos multifacetados.

Informação e controle na internet

Neste ano, o tema da conferência foi informação e controle, o que se reflete nas várias sessões de apresentação de pesquisa: tecnologia e vigilância social; formas de policiamento de direitos digitais; política e interferência digital; ferramentas jurídicas; e fronteiras digitais. Além disso, o evento contou com duas palestras: Prof. Philip Howard (Oxford Internet Institute), sobre junk news; e Profa. Alice Marwick (University of North Carolina, Chapel Hill), sobre o porquê de as pessoas divulgarem fake news. Ou seja, internet, regulação de processos políticos e da informação online são temas que definitivamente estabelecem o tom das discussões em nosso campo de estudos este ano.

Philip Howard e as junk news

Entre os pontos mais interessantes da palestra de abertura do evento, do Prof. Philip Howard, está a utilização do termo junk news, em vez de fake news. Isso reflete o desejo do instituto de não se igualar ao uso indiscriminado dessa terminologia como algo jornalisticamente “falso”, mas sim notícias sensacionalistas, de baixa qualidade, vendidas como notícia (inclusive com a aparência de seriedade). O professor descreveu o processo utilizado na investigação dos disseminadores desse tipo de notícia, que podem ser encontrados por meio da “trilha de papel”, caracterizada por financiamentos e subcontratações de pessoas em diferentes jurisdições para a manutenção de perfis falsos, que mudam de interesse de acordo com as vontades de quem os financia.

Philip Howard alerta que o prognóstico não é exatamente animador: mantenedores de social bots e perfis falsos estão se adaptando de acordo com os próprios estudos que institutos como o OII e o IRIS publicam. Além disso, o surgimento de mais notícias falsas online tem levado governos a regular excessivamente as plataformas digitais, como é o caso do Brasil, com o objetivo de repreender essas ações, o que pode ser irreversível em termos de defesa da liberdade de expressão online. Finalmente, o que ele relata como algo ainda mais preocupante é a crescente descrença em fatos e na ciência. Há um esforço coletivo, progressivo e relativamente recente, na disseminação de ideias de completa negação da ciência, de fatos históricos e de debates já superados no meio acadêmico. Com isso, há uma dificuldade subjacente em processos democráticos, já que argumentações baseadas em racionalidade, fatos e lógica perdem espaço para sensacionalismo e populismo midiático.

Por que as pessoas compartilham fake news?

Segundo a Profa. Marwick, vários mitos permeiam a discussão sobre fake news, sendo um deles o fato de que esse é um problema que surgiu com a internet. A mídia tradicional e o jornalismo sempre tiveram que lidar com notícias falsas, desde sua criação, esse é apenas um problema evidenciado com maior amplitude online. Além disso, Marwick evidencia que diversos estudos indicam maior disseminação de informação entre a “direita” política, seja porque seus eleitores são mais propensos a esse tipo de compartilhamento, consumo e presença acrítica nas redes sociais.

Ela aponta também problemas que afligem tanto a esquerda quanto a direita: não há uma linha bem definida sobre o que é verdadeiro e o que é falso, de forma que até mesmo usuários de esquerda por vezes compartilham conteúdos não comprovados. Isso ocorre porque, no contexto das redes sociais, o compartilhamento dessas notícias demonstram identidade, pertença e rejeição a pessoas de fora do grupo (polarização), apoiando suas visões já arraigadas do que é verdadeiro ou falso.

O que fazer então? Alice Marwick propõe que entendamos fake news como parte de um contexto maior das redes sociais, que inclui também políticos e meios jornalísticos tradicionais. Isso deve ser levado em consideração ao examinar a eficácia de tentativas de “alfabetização” midiática e checagem de fatos. Como muitos partidários de determinados posicionamentos políticos simplesmente não mudarão de opinião ao terem seus enviesamentos e incorreções explicitados, talvez seja a hora de buscar soluções alternativas, como diminuir as formas com que algoritmos, plataformas e redes de financiamento (click bates, por exemplo) retroalimentam a indústria de notícias falsas.

Portas lógicas e ferramentas da justiça

Um tema subjacente aos trabalhos apresentados nessa sessão dizem respeito à incapacidade atual de os Poderes Judiciário e Legislativo para lidar apropriadamente com os problemas e temáticas decorrentes da internet e das novas tecnologias. Isso pode ser observado tanto na incompreensão de temas técnicos, como se observou em relação à responsabilidade dos provedores em matéria de identificação de usuários sujeito à técnica NAT (Network Address Translation) apresentada em nosso relatório de pesquisa, quanto na remoção de conteúdos (postagens, imagens e comentários) por mecanismos automatizados em plataformas como Facebook, Twitter, YouTube e Google.

Ambas as apresentações evidenciaram a importância de os poderes governamentais institucionalizados compreenderem melhor as dinâmicas propostas pelos cenários de novas tecnologias e da internet, por meio de regulamentações mais principiológicas, capazes de se adequar às inovações do mercado, sem perderem sua relevância e aplicabilidade. Além disso, a existência de autoridades de garantia (também denominadas data protection authorities), como é o caso da União Europeia com a proteção de dados pessoais, permite a existência de um corpo técnico mais especializado que o próprio Poder Judiciário, de formação tradicionalmente generalista, pouco capacitada para esses temas.

Se você quiser acessar a íntegra desse estudo, clique aqui!

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Fundador e membro do Conselho Científico do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é Doutorando, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, em regime de cotutela com a Université libre de Bruxelles, na Bélgica. É também Professor de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Especialista em Direito Internacional pelo CEDIN (Centro de Direito Internacional). Foi estagiário docente dos cursos Relações Econômicas Internacionais, Ciências do Estado e Direito, da Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado, é também membro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI).

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