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Elon Musk e a liberdade no Twitter: como fica a moderação de conteúdo?

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30 de maio de 2022

No dia 14 de abril deste ano, o magnata Elon Musk anunciou sua oferta para comprar a plataforma Twitter pelo valor de 44 bilhões de dólares. Mais de um mês se passou e a compra ainda não foi confirmada. Em meio a várias reviravoltas, no dia da redação deste texto, Musk foi acusado de estar realizando declarações duvidosas sobre a compra, com o objetivo de manipular o mercado e, assim, se beneficiar economicamente. 

O objetivo deste post não é adentrar nas questões comerciais que giram em torno dessa transação (você pode encontrar algo sobre aqui), mas sim discutir as desenvolturas da possível aquisição para o cenário da moderação de conteúdo e liberdade de expressão. E, ainda, refletir sobre o fato da nossa “praça digital” – nas palavras de Musk – ser um um agente notável no mercado global, alienável àqueles dispostos a pagar algumas dezenas de bilhões. 

O absolutismo da liberdade de expressão 

Além de ser o empresário da Tesla e o homem mais rico do mundo, Elon Musk é também um usuário do Twitter, espaço onde publica opiniões polêmicas que têm atingido grande repercussão. A exemplo, em março deste ano, em um tweet sobre a Guerra na Ucrânia, Musk se intitulou um “absolutista da liberdade de expressão” (free speech absolutist, originalmente), termo que voltou à tona depois do dia 14 de abril. 

Esse posicionamento pode ser melhor compreendido em sua entrevista ao TED Talk, realizada no dia em que divulgou sua oferta. Na conversa, Musk concordou que existem limites legais ao discurso, que devem ser considerados. No entanto, apresenta uma postura de cautela em relação à remoção de conteúdo e banimentos permanentes de contas, de maneira que, em sua opinião, “se há dúvida, é melhor deixar o discurso”.  Quanto aos novos mecanismos que seriam aplicados, defende a abertura do código fonte da plataforma, além da implementação do botão “Editar”, a varredura de Spams e Bots (colocados como sua prioridade) e medidas mais estritas para a verificação de contas

Em relação a tais possíveis implementações, Musk apresenta, até então, uma proposta colaborativa. A abertura do código, por exemplo, seria um mecanismo para possibilitar a proposição de sugestões e críticas pelos usuários. Apesar disso, o bilionário não adentrou em detalhes sobre como essa estratégia seria de fato acessível e efetiva, ao passo que a grande parte dos usuários do Twitter não apresentam conhecimentos sobre programação. Outra questão controversa é sobre o botão “Editar” que, caso mal implementado, pode ocasionar situações polêmicas quanto ao que realmente foi dito pelo autor do post no momento da publicação. A solução de Musk, conforme informa na entrevista ao TED, seria zerar o número de retweets e favoritos quando houvesse alguma edição ao conteúdo original. 

Liberdade de expressão com moderação (de conteúdo)?

Quando indagado sobre seu interesse em comprar o Twitter, Musk diz que “fazer dinheiro” não é a questão. A prioridade, por sua vez, seria a promoção de uma plataforma pública amplamente confiável e inclusiva, algo importante para o futuro da civilização, em suas palavras. 

Passando então a uma análise voltada à proposta de Musk no contexto da moderação de conteúdo, algumas questões vêm à tona. Uma reflexão é como, muitas vezes, o viés político é fortemente levado em conta pelos usuários no momento de manifestar opiniões sobre remoção de conteúdo. Consequência disso, por sua vez, é que casos isolados são tomados como regra por grupos políticos, de maneira que muitos se tornam desfavoráveis à práticas de moderação, ao passo que tais estariam, supostamente, censurando conteúdos. Indubitavelmente, regular redes sociais é um trabalho que exige respeito à liberdade de expressão e, sobretudo, transparência (pauta já bastante explorada pelo IRIS em algumas publicações). No entanto, isso pode também ser realizado através de remoções e banimentos (além de outros mecanismos de moderação), visto que usuários que propagam discursos de ódio, por exemplo, estão afetando a liberdade de determinados grupos. A conclusão é que moderação de conteúdo não pode ser vista como contraponto à liberdade de expressão, e sim como aliada. Discursos contrários a isto, por sua vez, são potencialmente perigosos à proteção aos direitos humanos dos usuários das redes. 

Ainda nessa linha, para analisar onde a liberdade de expressão pode estar sendo corrompida, um importante instrumento de análise são os relatórios de transparência das plataformas. Práticas de moderação estão sim sujeitas a erros, o que pode ser observado através do uso inadequado de bots, condições de trabalho ruins aos moderadores humanos, políticas de plataforma opacas, aplicação de chilling effects, dentre tantos outros exemplos. No entanto, para entender onde estão tais erros, pesquisas atentas precisam ser feitas – pontuar apenas as remoções em um discurso antagônico à moderação de conteúdo, torna-se, assim, um argumento vazio. 

Concluindo…

Tratar o Twitter como uma praça implica em uma ideia de local público de convivência. Primeiramente, visto as tantas questões econômicas envolvidas em sua venda, fica claro que não são os usuários que detêm poder sob esse espaço. Além disso, a própria interação na rede já é condicionada por mecanismos presentes nos ambientes virtuais, como as câmaras de eco e filtros bolhas – que fazem com que a polarização dos espaços nos impossibilite de conviver com opiniões e públicos tão distintos assim. 

De um lado,  as plataformas são espaços abertos de manifestação e interação social e, de outro, agentes de mercado de extrema relevância econômica. Somado a isso, o regime de moderação da autorregulação, vigente nas grandes redes sociais (mais sobre isso aqui), confere a elas o poder de desenvolver e aplicar suas regras, de forma autônoma. Em meio a esse cenário de privilégios, a alienação do Twitter por uma quantia bilionária apenas endossa a existência de uma concentração de poder notável, podendo fazer confundir os conceitos de liberdade e liberalismo

Por fim, é preciso ter em mente que a liberdade de expressão no espaço virtual é um direito humano, amplamente legítimo e defendido. No entanto, a moderação de conteúdo não pode ser interpretada como um fator secundário ou antagônico para a defesa desse discurso libertário. Pelo contrário, deve ser objeto de desenvolvimento e atenção, uma vez que não se constrói uma rede livre e em consonância com os direitos humanos sem boas  práticas de moderação.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Pesquisadora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em Direito Internacional Privado, pela mesma instituição. Integrante e liderança de projeto na área de Inclusão digital. Tem como áreas de interesse: Moderação de conteúdo, Inclusão digital, Populismo digital e Direito Político.

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