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Criminalização e internet: suas condutas online são alvo do Congresso Nacional?

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6 de maio de 2019

A regulamentação de condutas sociais por meio do Direito e aplicação de sanções à violações de regras não é prática recente. Este modelo também é aplicado no caso de condutas praticadas por meio da internet, uma vez que este espaço é atualmente considerado ambiente de práticas comum à vida social, como organização de reuniões, encontrar amigos, evoluir profissionalmente.

Após a eleição de 2018, o Congresso Nacional redefiniu (e também manteve) prioridades legislativas e, a regulação de práticas desenvolvidas no ciberespaço são, em muitas vezes, objeto de Projetos de Lei propostos este ano. Portanto, considerando interesses políticos e construções culturais, devemos nos perguntar: a tendência legislativa sob o ambiente online preserva a ideia de último recurso do direito penal ou seguem o discurso punitivista e protetor do bem-comum nacional? Na primeira parte, este post apresentará o atual panorama legal que disciplina o uso da internet no Brasil. Posteriormente, se pretende apresentar alguns PLs que tramitam no Congresso Nacional de forma a aproximar o leitor da construção jurídica de uma sociedade em que todos são (ou deveriam ser) pertencentes.

 

Qual é a Lei da Internet?

A falta de conhecimento técnico sobre o funcionamento da internet, bem como sua dimensão extraterritorial e distância física entre usuários, por vezes gera a compreensão de que a troca de informações online é completamente intangível ou metafísico. Portanto, não seria um ambiente passível de aplicação de regras e sanções concebidas pelo Estado. Entretanto, é ultrapassada a afirmação de que a internet é terra sem lei.

Segundo Lawrence Lessig, uma conduta pode ser regulada por quatro modelos: pela arquitetura, pela moral, pela economia e pelo direito. De acordo com o sistema brasileiro, a moldura jurídica foi a principal moldura na persecução do objetivo regulatório, inclusive do ciberespaço.

Antes mesmo da internet ser amplamente utilizada no Brasil, o ordenamento jurídico doméstico proíbe, pelo Código Penal de 1940, as condutas de calúnia (artigo 138), difamação (artigo 139) ou injúria (artigo 140), bem como preconceito ou discriminação (artigo 20) na Lei 7.716/89. Os artigos legais não especificam a situação ou meio do crime para que este fique caracterizado, portanto, quando estas condutas são praticadas na internet também se aplica a legislação vigente. Além disso, no caso de violação de direito de imagem, por exemplo, a Constituição e o Código Civil também conferem proteção legal. Portanto, estas condutas que também são desenvolvidas no ambiente virtual já são estabelecidas legalmente.

Em 2013 entrou em vigor a Lei 12.737/12, conhecida como Lei Carolina Dieckman. Esta Lei criminaliza de forma específica ou detalha sanções e critérios de delitos informáticos, como invasão de dispositivo informático, interrupção ou perturbação de serviço informático e falsificação de documento particular. Desta forma, se estabelece uma lei específica para crimes que utilizam da internet e mecanismos informáticos como meio de crime ou crimes per si.

Além disso, em 2014 foi sancionado o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/14, conhecido como Constituição da Internet e que regula o uso da internet no Brasil. A principal inovação deste dispositivo é a garantia da privacidade e proteção de dados do usuário, além de prever situações para remoção de conteúdo online, preservando tanto o direito à liberdade de expressão, quanto direitos de personalidade.

 

O que pode mudar?

Nesta seção, serão apresentados Projetos de Lei que atualmente transitam no Congresso Nacional e versam sobre crimes desenvolvidos por meio ou na internet.

De autoria do Deputado Ricardo Izar – PSD/SP, a proposta inclui no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940) um novo tipo penal, o de Incitação Virtual ao Crime. A justificativa do Deputado para a incorporação dessa prática como crime é de que o aprimoramento das tecnologias, “a liberdade para divulgar e discutir qualquer assunto ficou cada vez mais aflorada”. Entretanto, as pessoas não estariam “preparadas para analisar situações desagradáveis, difíceis, criminosas, ou ainda, não estão maduras o suficiente para filtrar o que pode ou não ser divulgado”.

Por esta razão, principalmente, ainda que o Código Penal já tenha o crime de Incitação ao Crime (art. 286), a pena atual para esta violação é de detenção, de três a seis meses, ou multa. O crime proposto pelo PL 7544/2014 possui a mesma pena inicial do que firmado pelo Código Penal. Entretanto, a inovação legislativa do PL é que a pena pode ser agravada em ⅓ e o autor responder concorrentemente pelo crime de incitação ao crime virtual e outros crimes.

Contudo, destaca-se a imprecisão e abrangência deste tipo penal, uma vez que incorre no crime aquele que publique em redes sociais, por exemplo, qualquer conteúdo que incite a violência.

De autoria do Capitão Assumção – PSB/ES, o Projeto de Lei também acrescenta um artigo ao Código de 1940, o art. 146-A, o qual dispõe sobre o crime de perseguição “stalking”. A pena para este crime é de reclusão, de 01 a 04 anos, além da obrigação de manutenção de distância razoável da vítima, determinada pelo juiz, se necessário, ou multa.

Até então, o artigo. 65 da Lei das Contravenções Penais, cuja pena era de prisão simples de quinze dias a dois meses, ou multa. Além disso,o  artigo 7o da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) são os dispositivos que sancionam a perseguição à pessoa.

De acordo com o autor, a legislação foi proposta “em virtude da diversidade de comportamentos que pode chegar a assumir o perseguidor, ao magistrado cumprirá a tarefa de individualizar a pena, de forma a permitir a sua re-socialização ou a sua prisão no tempo necessário para aplicação da lei penal.”

  • PL 6812/2017– Crime de compartilhamento de informação falsa ou incompleta na internet

Seja durante o plebiscito sobre o Brexit ou eleições brasileiras de 2018, e diversos eventos políticos e sociais, o fenômeno da desinformação e disseminação de Fake News foi assunto dos mais variados grupos sociais. Além disso, pesquisas que apontaram a relação entre a manipulação da informação veiculada por canais online e o alcance de resultados eleitorais desenvolveram interesse dos agentes políticos em legislar sobre tal situação.  

O deputado Luiz Carlos Hauli – PSDB/PR, é autor do PL que criminaliza a divulgação ou compartilhamento de informação falsa ou prejudicialmente incompleta  em detrimento de pessoa física ou jurídica. A pena para tal crime seria de detenção de 2 a 8 meses e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.

O deputado em questão justifica a proposta legislativa em menos de meia página, 4 parágrafos, na realidade.

Antes do final da última legislatura, quando todos os Projetos de Lei em tramitação são arquivados, o relator da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática ( CCTCI ), Dep. Celso Pansera, rejeitou a proposta com a justificativa de que seria prudente avaliar os impactos da recém aprovada Lei Geral de Proteção de Dados na sociedade e nas comunicações antes de adotar outras medidas legislativas.

Diversos outros PLs foram apensados a esse e, atualmente, o projeto está na CCTCI, cuja relatoria é do Dep. Vinicius Poit (NOVO-SP)

Este e outros diversos Projetos de Lei em tramitação são passíveis de crítica. Desde a falta de rigor técnico na definição dos tipos penais, até a aplicação do princípio da proporcionalidade na definição das penas são argumentos a serem levantados. Ademais, é também criticado a utilização do Direito Penal como primeiro método de resolução de conflitos sociais e método de controle estatal, sendo que o Direito Penal, como mencionado anteriormente é (ou deveria ser) o último mecanismo do direito, uma vez que afeta a principal liberdade individual do ser humano: a liberdade de locomoção. Entretanto, considerando a principal característica do sistema legislativo brasileiro, de ser a casa de representação popular, deve ser considerada o nível de interação entre os autores e debatedores da lei com a sociedade que será afetada pela lei.

Se você quer saber mais sobre os projetos de lei sobre uso e condutas desenvolvidas na internet, acesse o site do IRIS e tenha acesso a conteúdos como o texto sobre o PLS 471/18, também sobre notícias falsas.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Representante do IRIS no Grupo de Trabalho sobre Acesso à Internet e na Força-Tarefa sobre eleições na Coalizão Direito nas Redes (CDR). Membro suplente no Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (CDUST) da ANATEL. Co-autora dos livros “Inclusão digital como política pública: Brasil e América do Sul em perspectiva” (IRIS – 2020) e “Transparência na moderação de conteúdo: Tendências regulatórias nacionais” (IRIS – 2021).

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