XR, MR, AR, VR e AV: afinal, o que são as realidades estendidas?
Escrito por
Rafaela Ferreira (Ver todos os posts desta autoria)
24 de maio de 2022
Realidades estendida, mista, aumentada e virtual (e suas respectivas siglas) são expressões que circulam quando o tema é a produção de experiências imersivas por meios sintéticos. O que cada uma significa? Desconhecer as diferenças e semelhanças entre elas gera atecnias e prejuízos a discussões qualificadas sobre o tema.
A importância prática de tais tecnologias, cada vez mais próximas ao nosso cotidiano, faz com que essa discussão mereça nossa atenção. Portanto, saindo da superficialidade, te convido para desatar os principais nós terminológicos envolvidos nessa temática. Vamos?
As confusões terminológicas nas tecnologias imersivas
Com o progresso da sofisticação no campo das tecnologias imersivas, há um crescimento das terminologias associadas a tais ferramentas. Dentre elas, as mais comuns são: realidade estendida, realidade mista, realidade virtual, realidade aumentada e virtualidade aumentada.
Ainda, diante da forte influência da língua inglesa no nosso vocabulário – o que se manifesta em diversas áreas da tecnologia da informação –, encontra-se comumente a utilização desses termos em inglês. Numa referência aos nomes pontuados no parágrafo anterior, respectivamente, extended reality (XR), mixed reality (MR), virtual reality (VR), augmented reality (AR) e augmented virtuality (AV) são nomenclaturas encontradas com frequência em fontes sobre o referido tema, dentro e fora da produção científico-acadêmica no Brasil.
Durante a realização das investigações do projeto sobre realidade estendida e proteção de dados pessoais, nos deparamos com uma variedade na utilização desses termos, inclusive com uma discrepância do conteúdo atribuído por cada autor(a) a cada um deles.
Por isso, numa tentativa de “desfazer os nós terminológicos” e viabilizar o acesso às discussões qualificadas sobre esses temas, para pessoas de dentro e fora do ambiente acadêmico, escrevo este breve texto.
Sem pretensão de esgotar as possibilidades inseridas na questão sob análise, o objetivo aqui é tornar mais nítidas as nuances entre diferentes conceitos, além de eventuais similaridades entre eles.
Assim, será possível refletir, por exemplo, sobre questões relacionadas à privacidade e à proteção de dados em um momento posterior, tendo em vista as características e os desafios específicos de cada ferramenta tecnológica.
Como estão sendo vistos os conceitos relacionados à realidade estendida?
Primeiro, a realidade estendida (simples e comumente designada como “XR”) aparece comumente como um termo “guarda-chuva”, utilizado para designar o gênero que engloba as outras tecnologias imersivas específicas. Em outras palavras, qualquer “realidade” com certo nível de imersão sintética pode ser considerada como XR.
Em segundo lugar, há também certo consenso sobre o que seria a realidade virtual (RV): identificada como sendo uma tecnologia que possibilita uma imersão total do(a) usuário(a) em um ambiente totalmente sintético, sem que haja interação com objetos físicos.
É essa a proposta do Meta Quest, óculos de RV produzido e comercializado pelo Meta (antigo Facebook), que ostenta um fundo branco, que isola a visão do(a) usuário(a) e promete transportá-lo(a) para uma realidade fantástica, integralmente criada pela empresa.
O terceiro ponto nos leva para uma investigação um pouco mais complexa: a realidade aumentada (RA), conceito identificado com recursos tecnológicos que mesclam objetos físicos e virtuais, tem como característica a predominância dos elementos naturais. Dessa forma, é possível criar jogos, como o Pokémon Go, no qual, através de um celular, é possível projetar um pokémon dentro da sua sala, por exemplo.
Por outro lado, em quarto lugar, a virtualidade aumentada (VA) aparece como uma espécie similar, já que também envolveria a mistura entre realidades físicas e sintéticas, diferenciando-se pela predominância dos elementos virtuais, diferentemente da realidade aumentada.
A quinta e última nomenclatura, mas não menos relevante, é a realidade mista (RM). Sua definição carrega certo grau de incerteza, o que levou Speicher, Hall e Nebeling a responder a pergunta “What is MR?” (em português, “O que é RM?”) com um sincero “depende”.
Essa resposta gerou um artigo científico em que foram identificadas seis noções possíveis para o termo “realidade mista”, segundo revisão de sessenta e oito papers e análise de dados extraídos de entrevistas com dez peritos na área, com atuação na academia e no comércio. Elas são, em suma:
- RM de acordo com o “contínuo de realidade-virtualidade”: essa popular classificação decorre da proposta teórica de Milgram e Kishino, publicada em 1994, ilustrada por uma linha, que estipula a realidade natural e a sintética como dois extremos. No intervalo entre tais pontos extremos, se identifica a realidade mista como uma mistura de elementos reais e virtuais, ou seja, como conceito que englobaria, necessariamente, as referidas realidade aumentada e virtualidade aumentada. De acordo com a percepção original proposta pelos autores, a realidade virtual é reconhecida como o próprio extremo oposto à realidade física/natural; portanto, estaria fora do conceito de realidade mista.
- RM como sinônimo de RA: utilização indistinta entre os dois termos, de modo que ambos são identificados como tecnologia que mescla elementos reais e virtuais;
- RM como um tipo de colaboração para interação de usuários de AR e VR: nesses casos, refere-se a RM como uma tecnologia que viabiliza a interação entre usuários de tecnologias com natureza distinta, de RA e RV, os quais podem estar, geograficamente, em locais distintos;
- RM como combinação de recursos de AR e VR: utiliza-se para referir a sistemas ou aplicações que combinam recursos de AR e VR no mesmo dispositivo, não necessariamente integrados;
- RM como alinhamento entre ambientes reais e virtuais: consiste em perspectivas que associam RM à representação virtual de um ambiente real ou à sincronização de cenários físicos e sintéticos. Esta definição se diferencia da n. 3, pois não há referência à colaboração entre usuários, tampouco costuma envolver locais geográficos distintos. Da mesma forma, há uma sutil desconformidade em relação à noção em n. 4, porque não há aqui a necessidade de combinação entre recursos de AR e VR;
- RM como versão mais evoluída de tecnologias em RA: a RM seria uma versão mais imersiva, interativa e aprimorada de recursos de RA, devido ao avanço das técnicas que possibilitam a interação do usuário com elementos virtuais, bem assim entre os objetos virtuais com o ambiente físico.
Entre tantas perspectivas e conceitos, como definir, afinal, o que é cada um? Mais ainda, será que delimitar e classificar tais tecnologias é realmente útil?
A (des)importância da definição das fronteiras entre as nomenclaturas
No mesmo texto mencionado, Speicher, Hall e Nebeling trataram sobre duas perguntas correlatas: há utilidade em estabelecer uma definição única para o que seria realidade mista — termo com maior quantidade de variações e controvérsias? Ainda, em um exercício prospectivo, é provável que haja distinções entre RM/RV/RA (assim como a VA) no futuro, ou tais tecnologias tendem a ficar indistintas?
A grande maioria das pessoas entrevistadas na referida pesquisa afirmou que seria útil uma definição única para o que seria realidade mista. No entanto, a questão da temporalidade e relatividade da atribuição de significado a cada um de tais termos foi reconhecida: na qualidade de produtos diretos da percepção humana, levando em conta o caráter sem precedentes do desenvolvimento dessas sofisticadas técnicas imersivas, é natural que haja dissenso na comunidade científica e mercadológica.
Por outro lado, nota-se uma discordância quanto à prospecção de continuidade das distinções entre tais tecnologias. Enquanto alguns defendem a tendência ao desuso ao passo que os dispositivos se aprimorem (e, por conseguinte, sejam capazes de viabilizar o acesso a qualquer uma delas), outros apontam a manutenção da distinção entre RM e RA em face da experiência completamente imersiva viabilizada pela RV.
De qualquer modo, parece-me coerente a posição dos autores em afirmar que, pelo menos, é necessário assentar previamente os parâmetros utilizados para discussões sobre o tema, sobretudo em estudos científicos, sob pena de gerar atecnias.
Entre diferenças e semelhanças, a importância prática da(s) realidade(s) estendida(s)
A polissemia dos nomes específicos das tecnologias imersivas — em especial, XR, RM, RA, VA e RV — é um fato sem data de validade prevista. Por outro lado, é inegável que elas já são utilizadas de diversas formas e prometem impactar cada vez mais o nosso cotidiano, como no caso do famigerado Metaverso. Assim, promover estudos e discussões sobre a(s) realidade(s) estendida(s) é um imperativo.
Nas investigações sobre questões ligadas à temática, para uma comunicação construtiva e qualificada, faz-se necessário, portanto, definir os parâmetros conceituais adotados para cada uma delas.
Com o crescimento de pesquisas no campo, saber o que se entende, previamente, sobre cada nomenclatura torna possível a análise minuciosa das mudanças paradigmáticas promovidas pela realidade estendida, o que ocorre, por exemplo, nos parâmetros regulatórios da proteção de dados pessoais, em decorrência da coleta sem precedentes de dados extremamente sensíveis, como os biométricos.
Para conhecer mais acerca do tema e de suas implicações práticas sobre a nossa privacidade, deixo o convite para que conheça os outros textos da série de artigos produzidos pela nossa equipe, bem assim para que acompanhe e interaja com o Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) em seu site e nas redes sociais.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Rafaela Ferreira (Ver todos os posts desta autoria)
Pesquisadora e líder de projetos de Moderação de Conteúdo no IRIS. Mestranda em Direito da Regulação na FGV Rio e graduada em Direito pela UFBA. É advogada e se interessa por temas regulatórios que envolvam regulação de plataformas digitais, inteligência artificial e discussões sobre neurodireitos.