Qual o preço da sua atenção?
Escrito por
Ana Bárbara Gomes (Ver todos os posts desta autoria)
7 de junho de 2021
Aplicativos que recompensam usuários pelo tempo que passam em suas plataformas têm sido cada vez mais comuns. Nas últimas semanas, no Brasil, circularam convites para ingressar numa nova plataforma de vídeos Kwai. O convite para o novo aplicativo Chinês vem com a possibilidade de ganhar dinheiro assistindo vídeos e indicando amigos a se juntarem ao app. A plataforma permite gerar moedas de acordo com o tempo assistindo vídeos, ou mesmo o tempo que o seu amigo indicado passou assistindo, o incentivo também vem para cada vez que você traz um novo usuário que engaje na rede. Funciona mais ou menos assim: novos membros assistem vídeos na aplicação e, uma vez batida a meta de tempo na plataforma, acumulam moedas que podem ser trocadas por dinheiro. A estratégia traz um incômodo: quanto vale a nossa atenção?
O dilema das redes
Em 2020 o documentário da Netflix, Dilema das redes, se tornou pauta na internet. Apesar de haver críticas ao conteúdo da produção, muito bem colocadas nesse texto de Leandro Nunes, que a discute com mais profundidade, o longa teve um grande alcance e colocou as pessoas a refletirem sobre os modelos de negócios de empresas de tecnologia e redes sociais.
A nossa atividade na rede é fonte para alimentar grandes bases de dados, aprimorar algoritmos e tecnologias, gerar engajamento e, enfim, movimentar um gigantesco mercado de publicidade com agências e anunciantes. Quanto mais tempo online, quanto mais rolamos o nosso dedo pelo feed – mesmo que meio apáticos e já sem saber exatamente o porquê de ainda estarmos ali – maior o volume de dados, mais se sabe sobre os usuários, melhor se reconhecem os padrões em seu comportamento, melhor se pode influenciar, vender, engajar.
Que as empresas ganham com o nosso tempo e atenção gastos em suas plataformas não é novidade, especialmente depois da popularização dessa discussão com o documentário citado. No entanto, no contexto de hiper digitalização que vivemos, onde a nossa sociabilidade está altamente atravessada por ambientes digitais – especialmente com a condição de isolamento requerido – e com a enorme oferta de novas aplicações que surgem regularmente, essa dinâmica se intensifica.
O presente é distópico?
Novas aplicações têm o grande desafio de se estabelecerem, dado o monopólio de grandes empresas de tecnologia. E assim surgem sistemas de recompensa para que novos usuários não apenas se inscrevam na plataforma, mas que estejam ativos e gerem engajamento, dados e, também, convidem seus amigos a integrarem a nova rede. Essa competição pela atenção dos internautas, pelo engajamento e o esforço de fazer com que passemos mais tempo na rede é o que alguns estudiosos já nomearam como “economia da atenção”. O número de usuários é escasso, o nosso tempo é escasso, há muita oferta de entretenimento na rede. Sobressairá, então, aquele modelo de negócios que melhor engajar seu público.
Em seu texto, “A gestão algorítmica da atenção: enganchar, conhecer e persuadir”, a autora Anna Bentes discute sobre esse ambiente onde as preocupações com monitoramento, privacidade e vigilância se sobrepõem à economia da atenção. E traz discussões sobre como a capacidade de conhecer seus usuários e criar hábitos representa um potencial de transformação de comportamentos e ideias. Trata-se de tecnologias cada vez mais aprimoradas para influenciar, e é preciso analisá-las com cautela, porque isso reage não apenas com os nossos desejos de consumo, por exemplo, mas também com as nossas identidades e visões de mundo. O que pode parecer muito conveniente ao te apresentar o anúncio exato para o que você procurava, em outro momento pode te influenciar a consumir determinado tipo de informação política e influenciar o seu voto, por exemplo.
Essa lógica de remuneração por tempo gasto em plataforma é especialmente incômoda se considerarmos o contexto de vulnerabilidade econômica de grande parte da população brasileira, com taxas altíssimas de desemprego e perda de renda. Tornamo-nos alvo fácil para movimentar essas engrenagens.
Toda projeção de um futuro distópico tem um quê de presente. Não conseguimos dissociar de nossas referências e vivências por completo. Talvez seja por isso que, quando nos deparamos com alegorias que parecem tratar do futuro, nos identificamos tanto e, quando observamos a realidade em torno, nos assustamos ao perceber uma realidade que parece o enredo de uma série distópica. Nos reconhecermos como parte dessa engrenagem que tem como motor o nosso tempo e atenção nos assusta e nos coloca a pensar a quem e a que destinamos nossos olhares.
“Não existe almoço grátis”: em outras palavras, nossa atenção é o produto
Você já deve ter ouvido essa expressão, ou que “quando você não paga pelo produto, você é o produto”. Nós, enquanto sujeitos ativos nas redes, somos ao mesmo tempo, matéria prima desse modelo de negócio – o que permite que ele funcione e prospere – e potencial consumidor para quem se destinam os anúncios vendidos pelo site. A maior parte das redes sociais não cobra do usuário comum, mas, nessa lógica e modelo de negócios, o que mais importa é que estejamos sempre lá, gerando dados e consumindo conteúdo num ciclo vicioso que dure tanto quanto possível. É comum nos depararmos com queixas de pessoas que têm a rede como intermediária de seu trabalho sobre a demanda de postagem, de geração de conteúdo, de engajamento…
No fim do dia, percebemos que tudo é uma grande vitrine, que joga com os nossos desejos, inseguranças, ideologias. Enquanto consumidores – de conteúdo, de informação, de produtos – é importante não perder de vista que a realidade é mais do que o que se expõe nas redes, e há outros lugares onde devemos depositar nossa atenção e ação para que estejamos prontos para incidir em nossa realidade social de forma consciente e com autonomia, e não como meros espectadores.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Ana Bárbara Gomes (Ver todos os posts desta autoria)
Diretora do Instituto de Referência Internet e Sociedade, é mestranda em Política Científica e Tecnológica na UNICAMP. É formada em Ciência Sociais pela UFMG. Foi bolsista do Programa de Ensino Tutoriado – PET Ciências Sociais, onde desenvolveu uma pesquisa sobre o uso de drones em operações militares e controvérsias sociotécnicas. Fez parte do Observatório de Inovação, Cidadania e Tecnociência (InCiTe-UFMG), integrando estudos sobre sociologia da ciência e tecnologia. Tem interesse nas áreas de governança algorítmica, vigilância, governança de dados e direitos humanos na internet.