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Indicadores sobre internet e sociedade: fontes de pesquisa

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20 de setembro de 2021

Nada como conhecer alguns dos medidores da realidade da internet e sociedade para fazer pesquisas baseadas em evidência!

Indicadores e pesquisa

Um momento que pode ser de muita tensão em uma pesquisa é aquele estágio inicial, no qual sabemos ainda pouco sobre o tema a ponto de parecer que estamos falando de um campo ainda inexplorado (e queremos escapar do efeito Dunning-Kruger). É nele que geralmente quem tem mais sensatez ou bons conselhos acadêmicos à disposição vai procurar por pesquisas já feitas sobre aquilo. 

Afinal, começar uma pesquisa nova raramente nos torna a única referência em um assunto. Na maior parte das vezes, é como entrar numa conversa em que várias pessoas já falaram sobre muito daquele assunto antes da gente.

Além de artigos e trabalhos de conclusão, que em geral levantam o que já tem de discussão no formato científico sobre o assunto, uma fonte importante podem ser os indicadores relacionados àquela realidade que se quer estudar. Nem todos vão discutir um problema de pesquisa específico ou a partir do mesmo ângulo que estamos olhando – mas aí é que indicadores se tornam mais interessantes ainda, porque possibilitam embasamento para as discussões que queremos fazer. Podem abrir até novos caminhos que, sem aqueles dados, não eram imagináveis. 

Por exemplo, se eu quero falar sobre inclusão digital, me interessa saber quantas pessoas têm acesso à internet na realidade que estou estudando, e talvez quais os entraves mais frequentes, e que uso é feito, etc. Então, indicadores permitem, até certo ponto, sair do campo especulativo e partir de um retrato da realidade baseado em evidências. E isso pode ser fundamental para pesquisas responsáveis, comprometidas com sua qualidade metodológica.

Antes, um pouco sobre dados

Apresento logo mais algumas iniciativas de medição de questões de internet que ajudam quem quer estudar temas de internet e sociedade a formular boas perguntas e reflexões a serem exploradas. Mas, antes de incentivar esse mergulho nos dados, queria chamar atenção para alguns cuidados que esse tipo de fonte exige.

Várias situações são difíceis de mapear e todo medidor tem limitações. Assim, usar dados de um indicador como evidência ou justificativa para uma pesquisa exige que ela esteja adequada àquele contexto. Não se pode falar do mundo inteiro com base em dados de dois ou três países, por exemplo, ou de todas as redes sociais a partir dos dados de uma delas. Algumas vezes, basta apontar as limitações da evidência; em outras, é preciso repensar se tem mesmo como estudar aquele problema.

É muito importante observar a metodologia de elaboração e de aplicação dos medidores de um indicador, a fim de avaliar o quanto ele é adequado para fornecer um retrato confiável para aquela pesquisa. Se toda a reflexão feita for apoiada em dados de má qualidade, os riscos de estar equivocada são grandes. Ainda, se ela for extrapolada para um contexto diverso daquele que os dados permitem constatar, é preciso apontar essa limitação e indicar a necessidade de novos estudos.

Ao observar dados quantitativos, é preciso evitar presumir relações de correlação ou de causa e efeito sem fazer estudos robustos sobre o assunto. Por exemplo, se um gráfico de um país aponta o aumento da renda per capita ao longo do tempo e outro aponta o aumento nos pedidos de remoção de conteúdo em redes sociais, isso não significa que esses fatores estão necessariamente associados, ou mesmo que um causecausa o outro. É preciso analisar a pertinência do que vamos inferir olhando para os indicadores e evitar o que é conhecido como correlação espúria.

Ainda, é sensato considerar que alguns dados seriam muito importantes, mas ainda não foram levantados. Nesse caso, não podemos preencher essa lacuna com nossa opinião, pois ainda não é possível fazer afirmações sobre algumas questões, e está  tudo bem. É normal, em pesquisa, identificarmos que não sabemos algo ainda. Quando é assim, podemos inclusive sugerir, como resultado de pesquisa, algum novo indicador a ser medido e observado. Mas, de qualquer forma, temos a sorte de contar com diversos indicadores que avaliam questões importantes de internet e sociedade e que podem ser excelentes aliados em nossas pesquisas. Vamos a eles!

Indicadores e onde encontrá-los

É impossível falar sobre indicadores a respeito da internet sem lembrar do CETIC (sigla para o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação). No Brasil, ele funciona como uma espécie de observatório desde sua criação em 2005, sobre diferentes aspectos das tecnologias da informação e comunicação no país. Os indicadores que o CETIC traz são agrupados em publicações periódicas que monitoram o uso das TIC sob diferentes perspectivas, a partir de entrevistas em grande escala com uma amostra da população. Quer saber como a internet está sendo usada em casa pelas pessoas? NO TIC Domicílios você encontra um relatório detalhado. Crianças e adolescentes usam a internet de que forma? O TIC Kids online oferece algumas perspectivas. Além disso, abrange outras 9 temáticas e áreas. Além de relatórios anuais, o site do CETIC disponibiliza um visualizador de dados, que permite buscar especificamente a informação de seu interesse.

Ainda falando do contexto brasileiro, a ANATEL (sigla para a Agência Nacional de Telecomunicações) disponibiliza diversos painéis de dados que incluem indicadores relativos a prestadores de serviço de internet móvel ou banda larga. Além de dados sobre reclamações de consumidores, fornece quantitativo de acesso a serviços das empresas e a situação de aspectos infraestruturais importantes para a conexão à internet.

Outro indicador interessante é o Network Readiness Index (NRI), que ranqueia mais de 130 países desde 2006, quando foi criado pelo Fórum Econômico Mundial, e analisa o quão prontos eles estão para se beneficiar das TICs, a partir de 4 pilares: tecnologia, governança, pessoas, impacto. Cobre temas como inteligência artificial, internet das coisas e o papel da economia digital em atingir as metas de desenvolvimento sustentável.

A XpA Metric, desenvolvida pela Article 19, é voltada a monitorar a liberdade de expressão global por meio de 37 indicadores e avalia cerca de 161 países. Abrange cinco esferas de avaliação, que compreendem transparência, proteção, espaço cívico, digital e mídia. A partir deles, é produzido o Global Expression Report.

O Digital Access Index (DAI) foi criado pela Global e-Sustainability Initiative (GeSI) em 2018 e busca estabelecer quais as relações entre o acesso à internet e a consecução dos  objetivos para o desenvolvimento sustentável adotadas pela ONU em 2015. É dividido em três eixos: conectividade, tecnologias, soluções digitais, e permite visualizar os dados por ligação com os objetivos de desenvolvimento sustentável (positiva, negativa, indefinida).

O ICT Development Index (IDI), criado em 2008 pela União Internacional de Telecomunicações, combina outros 14 indicadores e busca mensurar os níveis de: desenvolvimento de TIC ao longo do tempo, seu progresso em países desenvolvidos e em desenvolvimento, o abismo digital e o potencial de TIC para auxiliar no crescimento e desenvolvimento de países.

O Freedom on the Net é um relatório anual que avalia, desde 2009, diversas condições de liberdade em variadas facetas do uso da internet. São 21 questões que monitoram, entre outras coisas, restrições sobre o fluxo de informação nacional para além das fronteiras, e ranqueia os países pelo seu índice de liberdade na internet. Proporciona relatórios detalhados sobre cada país com as respectivas fontes de informação. Vale registrar que o IRIS, em 2017, contribuiu para o relatório do Brasil.

O Ranking Digital Rights é um indicador de accountability das corporações (plataformas de internet e empresas de telecomunicação) e de sua adequação a padrões internacionais e de direitos humanos em relação aos usuários. É dividido em três eixos: governança, liberdade de expressão e privacidade, com detalhamento das perguntas que compõem a avaliação de cada indicador dentro dessas categorias e as respectivas respostas para cada empresa.

Mais fontes são necessárias

Esta lista que apresentei não é fechada, mas dá uma ideia do tipo de indicador que já existe e da diversidade de abordagens no tema internet e sociedade. Vários deles estão descritos no primeiro volume do Glossário de Inclusão Digital. Ele é também um material de apoio excelente para quem fala (ou quer falar) sobre internet e sociedade. Meu último conselho neste post é que você procure ir além dos caminhos indicados aqui e, se encontrar alguma fonte interessante, sempre compartilhe com colegas de pesquisa!

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Coordenadora de Pesquisa e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestra em Direito da Sociedade de Informação e Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Membro dos grupos de pesquisa Governo eletrônico, inclusão digital e sociedade do conhecimento (Egov) e Núcleo de Direito Informacional (NUDI), com pesquisa em andamento desde 2010.

Interesses: sociedade informacional, direito e internet, governo eletrônico, governança da internet, acesso à informação. Advogada.

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