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Conectadas e engajadas: o papel das mulheres negras no ativismo digital

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12 de agosto de 2024

Explorando o impacto e a força das mulheres negras brasileiras na luta por justiça e igualdade através das redes digitais

Brechas no acesso às tecnologias

No dia 18 de novembro de 2015 cerca de 50 mil mulheres negras das cinco regiões do Brasil reuniram-se em Brasília (DF) para A Marcha de Mulheres Negras 2015, sob o mote “contra o racismo, a violência e pelo bem viver”. Segundo a pesquisadora Thiane Barros (2020), este é possivelmente o primeiro grande levante de mulheres negras no Brasil que articulou estratégias de comunicação e mobilização baseadas nos conhecimentos tradicionais do correio nagô e as tecnologias digitais de comunicação. 

Não é de hoje que negras brasileiras têm se debruçado em pesquisar e compreender como os feminismos latino-americanos vem utilizando estrategicamente as novas Tecnologias da Informação e Comunicação para gerar visibilidade às suas lutas, e aqui menciono nominalmente algumas das quais me são grande referência: Zelinda Barros, Thiane Barros, Taís Oliveira, Mariana Gomes, Charô Nunes, Larissa Santiago, Sueli Carneiro, dentre tantas outras que destilam os seus saberes em prol do bem comum. 

Baseadas em teorias e práticas feministas negras, estas mulheres plurais e heterogêneas, articulam-se nas mais diversas frentes de atuação denunciando o que as afeta em uníssono: o capitalismo racista e patriarcal. Toda a lógica de violência, exploração, privatização e monopólios de saberes e recursos, que ceifa as possibilidades de existência plena de quem ousa não se sujeitar. 

Em 2015, mulheres em marcha denunciavam que estas estruturas de mundo “correspondem ao padrão tecnológico das sociedades, onde tecnologia está relacionada com a arte de decidir bem sobre o território e suas riquezas naturais, materiais e simbólicas”. O território ciberespaço não escapa dessa lógica. E é por isso que reconhecemos e defendemos que a apropriação tecnológica por parte de grupos historicamente vulnerabilizados tem o potencial de ser uma ferramenta de amplificação de vozes, resistência, aquilombamento e de construção de inteligência coletiva.  

Apropriação tecnológica ativista

É no início dos anos 2000, com o advento da web 2.0, que observou-se a expansão das lutas de movimentos sociais, com destaque aqui para os feministas latino-americanas, que passaram a atingir uma ampla diversidade de pessoas. A grande Sueli Carneiro, criadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra (1988), conta que nessa ebulição e efervescência, mulheres negras passaram a direcionar esforços para mudar a representação de negras e negros nos meios de comunicação e capacitar suas lideranças no uso de novas tecnologias, combatendo a perpetuação de estereótipos e distorções midiáticas. O próprio Geledés avigora a sua atuação depois da criação do Portal Geledés, em 1997. A página web configurou-se como um espaço de expressão pública das ações e compromissos políticos da organização, ao mesmo tempo em que se consolidou como disseminadora de reportagens, artigos, documentos e denúncias de questões étnico-raciais, de gênero e temas interligados. 

Já em 2012, entre os dias 20 e 25 de novembro, aconteceu o que Thiane Barros chama de “a primeira grande marcha de mulheres negras online”: a Blogagem Coletiva Mulher Negra. O objetivo era aproximar duas datas significativas, o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) e o Dia Internacional de Combate À Violência Contra a Mulher (25 de novembro), para colocar em evidência a mulher negra, personagem atravessada por ambas discussões. A blogagem incentivou mulheres negras de todo o país a fazerem postagens sobre temas como sexualidade, beleza, direitos humanos, consumo e representatividade, nas plataformas wordpress, Facebook e Twitter, utilizando as hashtags #bcmulhernegra e #bcmulheresnegras.

O êxito da Blogagem Coletiva revelou a existência de um grupo vasto de mulheres produzindo conteúdo significativo, destacando a necessidade de criar espaços para dar visibilidade a essa produção. Assim surge também em 2012 outra iniciativa marcante para o ciberativismo de mulheres negras no Brasil, o Blogueiras Negras, site colaborativo onde são reunidas e estimuladas as produções escritas por e para mulheres negras. 

Mais tarde, as redes sociais também passaram a se tornar ferramentas poderosas para minorias sociais no ativismo, consolidando-se como plataformas de expressão e organização que transcendem barreiras geográficas e sociais. Eu poderia passar o restante desse texto exemplificando boas práticas ativistas nos usos de redes sociais, mas vou me ater ao trabalho importante que as mídias negras têm feito nas discussões sobre gênero e raça, como os portais Notícia Preta, As Negas do Ziriguidum, Mundo Negro e Africanize, todos estes lideradas por mulheres negras. Essas tecnologias – com todas as ressalvas – quando bem utilizadas, permitem a disseminação rápida de informações, a mobilização de apoiadores e facilitam a visibilidade de causas e narrativas marginalizadas, conectando indivíduos e grupos em torno de objetivos comuns, promovendo campanhas de conscientização e pressionando por mudanças sociais e políticas.

Novos desafios e atualização das práticas de resistência

Marcadores de gênero e raça são determinantes no acesso, uso e desenvolvimento das tecnologias. Isso quer dizer que da mesma forma em que o ciberespaço é uma potência para os ativismos, também expõe as faces de complexas violências que tomam novos contornos no espaço digital, tais quais a hipervigilância, discurso de ódio e desinformação. A configuração moderna do Capitalismo é baseada na exploração da análise de dados de grupos sociais inteiros e isso gera impactos severos em populações já marginalizadas. Dito isto, se em um primeiro momento a estratégia de ciberativistas negras era a exposição de si na busca por visibilidade de discursos, hoje o motim é a valorização da privacidade, que se configura em uma das principais formas de segurança. Frutos desses esforços surgem o Guia Prática de Estratégias e Táticas para a Segurança Digital Feminista, feito pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA e Universidade Livre Feminista, em parceria com Blogueiras Negras e Marialab, e o Guia Cuidados Digitais – aprendizados da formação de Ciberativismos e Cuidados Digitais, realizado pelo Movimento Mulheres Negras Decidem e Preta Lab. 

Encruzilhadas estratégicas de mulheres negras nas tecnologias aparecem também em iniciativas que estimulam a formação e o ingresso de outras mulheres negras nesta área, como o DataLabe, Desabafo Social, GatoMidia, Info Preta, Instituto Mídia Étnica, Olabi / PretaLab, OxenTI Menina, dentre muitas outras. Referencio aqui também a todas as mulheres negras da Rede Negra sobre Tecnologias e Direitos Digitais, as quais eu tenho como referência e nutro profunda admiração.  

Esse texto é fruto de uma pesquisa realizada em 2021 que resultou na minha monografia de conclusão de curso da graduação em Comunicação Social/Jornalismo. Mas, o que trago aqui é uma confluência do que aprendi na academia, nos movimentos sociais, com amigas, com a minha avó. O acesso à internet foi fundamental na construção da minha identidade, processo semelhante ao de muitas outras meninas e jovens negras que conseguiram construir imagens positivas sobre os seus semelhantes, e como consequência, se vêem também com outros olhos. 

Almejamos coletivamente que a internet do futuro seja um espaço de verdadeira igualdade, tendo a soberania digital como objetivo. Um espaço onde todas as vozes sejam ouvidas e valorizadas. Desejo uma rede inclusiva que promova a diversidade, amplificando narrativas historicamente marginalizadas e combatendo a discriminação e o racismo. Quero ver tecnologias que respeitem nossa privacidade e segurança, empoderando comunidades negras com acesso equitativo a recursos e oportunidades. A #CriptoAgosto2024 é uma oportunidade de discutir esse e outros temas em uma confluência de pessoas que, no seu dia a dia, lutam pela defesa de seus territórios em um país marcado por profundas desigualdades sociais, diversidade étnico-racial, regional, sexual, de gênero e inúmeros outros marcadores sociais.

Escrito por

Comunicadora Social e Jornalista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestranda em Comunicação e Culturas Contemporâneas na Facom/UFBA, onde está vinculada ao GIG@, Grupo de Pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura. É especialista em Comunicação Estratégica e Gestão de Marcas e membra voluntária do Laboratório de Identidades Digitais e Diversidade (LIDD/UFRJ). Co-criadora da plataforma Conexão Malunga.

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