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O avanço do IPv6 na América Latina e Caribe frente às desigualdades de acesso e uso da internet na região.

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31 de outubro de 2022

Entre os dias 03 e 07 de outubro, o estagiário de pesquisa Lucas Samuel participou  do LACNIC 38 e do LACNOG 2022 realizado pelo Registro de Endereços para a América Latina e o Caribe (LACNIC), na Bolívia. A implementação do IPv6  na região ganhou destaque nos debates, uma vez que com a expansão da Internet of Things – IoT (Internet das Coisas), novos dispositivos estão se conectando à internet, o que requer um número maior de IPs para que a comunicação entre os dispositivos seja eficiente, ou seja, o atual IPv4 não é suficiente para escalar este avanço tão necessário da internet, enquanto a implementação do IPv6 é primordial para o crescimento exponencial, seguro e estável da rede de computadores.

Debater o futuro da Internet é de suma importância para promover aos usuários melhores experiências de acesso e uso, tal como conectar o seu smartphone à sua geladeira inteligente e controlar a temperatura dela em qualquer lugar e em qualquer hora apenas a um clique de distância. Este é um exemplo de IoT e, graças à implementação do IPv6, isso já não é mais uma ficção científica. Por outro lado, milhões de pessoas estão desconectadas e excluídas digitalmente, o que esboça as desigualdades de conectividade na América Latina e Caribe mediante o avanço constante da tecnologia. É sobre esse assunto que este blogpost se debruça a analisar e assim demonstrar como as tecnologias de ponta ainda não fazem parte do dia a dia da maioria dos cidadãos da América Latina e Caribe. Continue a leitura e entenda os desafios de morar no chamado “terceiro mundo”.

O que é o IPv6?

O IPv6 é a versão mais atualizada do Protocolo da Internet (IP) no qual se baseia a operabilidade da internet. Os aparatos técnicos básicos do IPv6 foram desenvolvidos nos anos 90 no IETF (Internet Engineering Task Force). O protocolo continua em pleno desenvolvimento, o que torna  possível  adicionar novas especificações e funcionalidades. O IPv6 é considerado pela comunidade técnica um protocolo robusto e maduro o suficiente para suportar a escalabilidade da internet durante e após a substituição do IPv4.

Para você ter uma noção, o IPv4 tem apenas 32 bits de endereços, proporcionando uma quantidade de aproximadamente 4 bilhões de endereços únicos na rede global de computadores. Enquanto o IPv6 tem um espaço de endereços de 128 bits, podendo direcionar 340.282.366.920.938.463.463.374.607.431.768.211.456 de interfaces na rede. Esse número é tão grande que é quase infinito!

O IPv6 é o futuro da internet e quanto mais rápida for a sua implementação, melhor será para o escalabilidade da rede. Isso possibilita que uma quantidade maior de dispositivos    (máquinas de lavar roupa, geladeiras, smart TV, fogões, lâmpadas inteligentes, assistentes virtuais com a Alexa, ar condicionados, roupas, dentre outros) possam se conectar à internet e facilitar o dia a dia das pessoas.

Assuntos debatidos no LACNIC 38

A conferência que mais me chamou a atenção  foi a que abordou o tema “Using Low Earth Orbit Satellites for Internet Access” (Satélites de Baixa Órbita para o acesso à internet). Os satélites são muito importantes para ampliar o acesso à internet nas regiões mais remotas do mundo, onde a fibra óptica e a internet via rádio não são suficientes. Os Satélites de Baixa Órbita criam algumas oportunidades como: conquista de novos consumidores individuais, criação de centros comunitários, implantação de redes comunitárias em regiões rurais de difícil acesso, alta disponibilidade e resiliência de rede. No entanto, esta ainda é uma realidade distante dos países latinos, uma vez que requer investimentos conjuntos entre os governos e as empresas que oferecem este tipo de serviço para promover uma internet de qualidade e a baixo custo.

A seguir encontram-se os 15 principais temas debatidos durante o LACNIC 38:

  • Painel – IPv6: passado, presente e futuro;
  • Painel: 10 Anos criando interconexões;
  • Keynote: Super poderes para os próximos 20 anos do LACNIC;
  • Painel: Políticas que fizeram história;
  • Workshop: Introdução ao VXLAN e EVPN;
  • Fórum Público de Políticas;
  • Automatização para peering na Meta;
  • Critérios de boa conduta para os participantes do IXP;
  • IXP Yucatán: Desafios e oportunidades desde a perspectiva da comunidade IXSY;
  • Interconexão de data centers em premisesy cloud providers com alta disponibilidade e segurança;
  • Automatização de DNSSEC com o registro CDS;
  • Satélites de baixa órbita (LEOs);
  • Por que os operadores de redes devem considerar o tráfico IoT?;
  • Identificação de ataques DDoS em redes definidas por software para dispositivos IoT;
  • Medidas básicas de segurança para redes.

Mesmo diante de tantas dificuldades, o mais interessante é perceber como os países da América Latina e Caribe estão dispostos a unir forças por meio da cooperação internacional, na construção de comunidades e organizações internacionais com interesses comuns, as quais têm buscado promover uma estrutura escalável da internet na região. E o LACNIC tem atuado como estrutura basilar dos atores envolvidos no constante desenvolvimento da internet, onde compartilham experiências, desafios e oportunidades para construir conexões sustentáveis ​​e escaláveis. Portanto, o que os países latinos buscam, afinal, é proporcionar à população latina uma melhor qualidade de vida tendo a internet e as ferramentas digitais como potenciais instrumentos para uma revolução tecnológica, econômica, social, política e jurídica através do consenso da comunidade.

A internet no chamado “terceiro mundo”

Um estudo realizado pelo IICA, BID e Microsoft (2020) ao utilizar a metodologia da União Internacional de Telecomunicações (usuários que usaram a internet em qualquer lugar, nos últimos três meses, com qualquer tipo de dispositivo com conexão) mostra que 71% da população que vive na zona urbana da América Latina e Caribe possui acesso à internet, enquanto na zona rural da região apenas 37% possuem acesso. Por outro lado, cerca de 77 milhões de latino-americanos que vivem nas áreas rurais estão totalmente desconectados.

Você já deve ter percebido que há duas realidades que se confrontam: uma é o avanço do IPv6 para conectar dispositivos além de smartphones, computadores e tablets, o que promove maior conforto, comodidade e, consequentemente, bem estar dos usuários hiperconectados e que detém poder aquisitivo para comprar e desfrutar dos aparelhos inteligentes – da IoT. A outra realidade é o fosso digital encontrado na região, onde mais de 70 milhões de latinos estão hiperdesconectados, ou seja, desprovidos de equipamentos eletrônicos, de acesso à internet e de educação digital para serem inseridos na sociedade digital. 

Esta é a realidade do chamado “terceiro mundo”, onde o desenvolvimento tecnológico não alcança, de forma igualitária, todas as classes sociais por diversos e complexos fatores: baixo nível de investimento no setor tecnológico por parte dos governos, ineficiência das políticas públicas de conectividade, baixo nível de cooperação internacional, dentre outros. Sendo assim, o crescimento econômico da região não consegue se igualar aos países do “primeiro mundo”, o que prejudica o pleno exercício da cidadania dos latinos-americanos. O desenvolvimento tem sido ainda mais desproporcional com a chegada da pandemia de COVID-19, o que agravou ainda mais a situação das populações vulneráveis, acentuando o hiato digital em uma região onde os índices de desigualdade são os mais altos do mundo.

Combater a desigualdade digital na América Latina e Caribe é uma necessidade urgente, o que exige políticas públicas a nível nacional e regional que visem a redução dos custos de acesso à internet através da implementação de estruturas mais acessíveis, que favoreçam a ampliação da conectividade e que incentivem uma maior participação do setor privado e dos cidadãos na construção de estratégias para o desenvolvimento tecnológico, econômico, social, jurídico e político da região.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Graduando de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. Atua como estagiário no Instituto de Referência em Internet em Sociedade (IRIS). Bolsista do Programa Policy Fellows (2022) do LACNIC. Participante do Programa IGF Youth Ambassador (2022) promovido pela ISOC. Foi bolsista da South School on Internet Governance (Argentina, 2020). Atuou como pesquisador Internacional sobre conectividade rural e inclusão digital pelo LACNIC no ano de 2020, atuando como Líder 2.0 na América Latina e Caribe.

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