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Espelho, espelho, meu: quem tem mais likes do que eu?

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22 de julho de 2019

Há algumas semanas, o Instagram começou a lançar uma medida polêmica para a plataforma no Brasil: a retirada da informação, para os seguidores, do número de “likes” que uma postagem recebe. Na prática, as pessoas deixam de ver os números daqueles que seguem, mas continuam a ter acesso à quantidade de likes que recebem em suas próprias postagens.

Qual a justificativa para a nova política?

Já há algum tempo, o grupo liderado por Marck Zuckgerg tem se pronunciado no sentido de procurar um espaço agradável para seus usuários conviverem. A mais recente retirada dos likes pode ser encontrado nas variáveis do espectro entre as boas intenções e os interesses comerciais relativos ao bem-estar e à manutenção do próprio público. Vale lembrar que o modelo de negócio do grupo Facebook – no qual Instagram se insere – funciona a partir de um sistema de publicidade que depende do comportamento dos usuários em suas plataformas.

Mesmo que não seja possível dissociar as práticas da empresa de seus interesses econômicos, a medida foi considerada positiva por outros atores. Algumas pessoas consideradas influenciadoras –  com muitos seguidores, ou engajamento, a depender do que cada um considera influência – no Instagram disseram que a medida não seria prejudicial – e até comemoraram. Isso porque, como os números ainda aparecem para os autores das postagens, eles ainda poderiam ser apresentados aos parceiros comerciais, se for o caso

Likes e influência digital

Os argumentos lançam luz sobre o fato de que estilos de vida são vendidos (no sentido literal, sem apresentar qualquer juízo de valor sobre a conduta) por meio de plataformas com alcances impressionantes de milhões de pessoas. No limite, mostrar a vida, o interior dos lares, os detalhes das relações e escolhas pessoais é um serviço ofertado por meio das plataformas, uma nova carreira que recebeu o nome de “digital influencer”. Como em outros caminhos que alguém pode tomar profissionalmente, este também tem possibilidades positivas, como divulgar ações sociais, defesa de direitos coletivos, visibilidade às mais diversas causas, mas também negativas, entre as quais a promoção da cultura da exposição, comparação e escrutínio sobre as pessoas. Alguns desafios foram debatidos em um evento que organizamos sobre influência digital, que pode ser acessado aqui.

Os likes, no entanto, não costumam ser identificados como a única forma de perceber o alcance de um influenciador digital. Também são considerados comentários e compartilhamentos, a audiência em vídeos, o perfil de seguidores – gênero, idade, região do mundo, interesses, etc  – que são captados pela plataforma dos usuários. É possível observar que o desempenho de conteúdos nas redes sociais não depende apenas dos resultados números, mas também do que o grupo Facebook publicamente se manifesta como “engajamento”.

O problema dos likes visíveis

Existem diversos estudos apontando para efeitos negativos das redes sociais para a saúde dos usuários, especialmente no que se refere à saúde mental.  Isso inclui não apenas o perfilamento de bilhões de pessoas em categorias comportamentais, desenvolvidos a partir de técnicas psicológicas para manter as pessoas online, mas também o que tem sido chamado de “vício digital” e que tem entre seus grandes críticos inclusive um dos fundadores do Facebook. Em texto polêmico, Chris Hughes manifestou sua preocupação com o fato de que empresas investem cada vez mais na compreensão e alegada manipulação de comportamentos para aumentar a utilização de suas plataformas e também na possibilidade de as pessoas deixarem de viver outras experiências desconectadas das redes sociais, como deixar de brincar com os filhos, caminhar em silêncio por um parque ou cozinhar com a família.

A disponibilização do número de likes também estimularia uma competição entre os usuários e o estabelecimento de um padrão ideal de vida incompatível com a realidade e ainda pode dar mais alcance a notícias falsas, discurso de ódio e outras formas de violência em algo como um  “efeito manada”. Ele representa uma lógica que, ainda que simplista, pode ajudar a entender uma das justificativas: quando muitas pessoas aparentemente concordam com determinado conteúdo ou posicionamento e refletem isso em “likes”, isso pode levar outras pessoas a concordarem com ele.  Outro problema é que essa quantidade, que teria poder para influenciar comportamentos e opiniões, também pode não ser de pessoas naturais, mas resultante de sistemas construídos para gerar essas reações nas redes sociais, o que recebe nomes de “fazendas de likes” ou “bots” desenhados para simular engajamento.

Fim dos likes, não do problema

A intensa competição sugerida por números maiores ou menores de like também se relaciona ao adoecimento de usuários.  Esse feito pode variar desde ambição por determinado estilo de vida até a autocensura, o isolamento, a desconexão com amigos e familiares em outros ambientes e no limite, à ansiedade, depressão e suicídio. Parece alarmismo, mas é a realidade. As plataformas podem ser espelhos cruéis de quem as pessoas se enxergam ou não, seus potenciais, sonhos e barreiras. Competições desproporcionais e alcance de discursos e condutas violentas podem também estar incluídas no reflexo, assim como padrões de beleza que levam a distúrbios alimentares, à exclusão social e diversas discriminações. Mais um vez, essa é uma das faces da moeda, que também oferece espaço para discursos diversos, construção de redes de apoio e empatia. Mesmo essas influências saudáveis, no entanto, podem gerar sofrimento em razão de métricas e resultados que sempre podem estar ligados à exigência e autocobrança por mais reações.

O fim dos likes é apontado como uma ferramenta para promoção do bem-estar, diminuição da competitividade e um passo em direção a relações mais saudáveis na plataforma. Parece sugerir para uma redução de um espelho social criado por números que limitam toda a complexidade da vida humana. A grande questão, no entanto, ainda permanece: como quebrar o espelho e retirar os cacos que nos afastam de nós mesmos?

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Fundadora e Diretora  do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é mestre e bacharel  em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Fundadora do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual – GNet (2015). Fellow da Escola de Verão em Direito e Internet da Universidade de Genebra (2017), da ISOC – Internet and Society (2019) e da EuroSSIG – Escola Europeia em Governança da Internet (2019). Interessa-se pelas áreas de Direito Internacional Privado, Governança da Internet, Jurisdição e direitos fundamentais.

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