Blog

IA nas eleições de 2024: quais os desafios para a democracia?

Escrito por

2 de outubro de 2024

No Brasil, as eleições de 2024 prometem ser um terreno fértil para a utilização de IA,  especialmente em relação ao uso massivo de ferramentas de manipulação. E quais são os desafios para o pleito? Vem saber mais no texto!

A rápida ascensão da inteligência artificial e sua crescente influência no cenário político em que vivemos reconfiguram muito os mecanismos tradicionais de controle da  liberdade de expressão e, consequentemente, a própria democracia. A infinidade de conteúdos online, aliada à atuação de plataformas digitais como “guardiãs” do espaço digital, cria um cenário que pode dificultar a verificação da informação e veicular, sem dúvida, conteúdo desinformacional, abalando o processo de confiança que deve conduzir o processo eleitoral

Este texto analisa os  desafios que esse cenário apresenta no contexto das eleições brasileiras, com foco nas  resoluções do TSE, na regulamentação da IA e na necessidade de um senso crítico por parte  dos eleitores

IA nas campanhas eleitorais

Tradicionalmente, as eleições no Brasil sempre geraram muitas ações eleitorais. É fato  que, hoje, a inteligência artificial está sendo usada para analisar dados sobre o que as pessoas  gostam, do que se preocupam e contra o que são. Com isso, as campanhas podem criar  propagandas personalizadas, que tentam “se aproximar” de cada tipo de eleitor, usando a tecnologia para influenciar a opinião pública de forma mais eficiente. 

Desde as eleições presidenciais de 2010, empresas, como Google e o grupo Meta, têm utilizado campanhas  impulsionadas por big data, frequentemente em conjunto com sistemas automatizados, para  promover conteúdo. A IA oferece a possibilidade de baratear e otimizar essas  propagandas, personalizando mensagens e segmentando públicos com maior precisão. 

Percebe-se que assim, as ferramentas algorítmicas permitem que as campanhas  ultrapassem os limites tradicionais da disputa, estendendo-se além do dia da votação e das  regras oficiais. É válido analisar que o debate construtivo e democrático também está presente nas redes, entretanto, essa mesma capacidade de “persistir” na comunicação, usando  ferramentas digitais, pode contrariar a democracia eleitoral de diversas maneiras

Em menos de um ano, é notório que o avanço e aprimoramento de mecanismos de IA  foram exponencialmente significativos. Tendo em vista os impactos da internet nas eleições  de 2020 e 2022 e a tendência de virtualização das campanhas, a previsão dos danos para o  período eleitoral de 2024 é ainda mais alarmante

A resolução do Tribunal Superior Eleitoral sobre IA 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em função das eleições municipais de 2024,  aprovou uma série de normatizações que visam a mitigar os riscos da IA e garantir a integridade do  processo eleitoral, mas sem impedir a inovação

Ao alterar a Resolução nº 23.610/2019,  que trata de propaganda eleitoral, o TSE estabelece diretrizes nítidas para o uso da IA em  campanhas, buscando um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção da democracia.  A exigência de sinalização explícita da utilização de IA em imagens, por exemplo, visa a  garantir a transparência e evitar a propagação de informações falsas. A proibição de chatbots e  deepfakes, mesmo com autorização prévia, demonstra a preocupação com a manipulação e  distorção da realidade. 

Nesse contexto, a responsabilização das big techs pela não remoção desse tipo de  conteúdo ilícito (notice and take down) sob pena de sanções civil e criminal representa uma  medida crucial para tentar conter o impasse. O artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI)  estabelece: 

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial  específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu  serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário (Brasil, 2014). 

No entanto, percebe-se que no contexto das eleições, são necessárias medidas ágeis e  eficazes para combater a grande gama de desinformação. A espera por uma ordem judicial, em  muitos casos, seria um processo lento e ineficaz, permitindo que as informações manipuladas  se espalhem e causem ainda mais danos à democracia. 

Nesse viés, a responsabilização das plataformas, sob pena de sanções, é crucial para  incentivar a remoção rápida de conteúdo ilícito e evitar a disseminação de informações falsas que podem influenciar o processo eleitoral. O TSE, ao adotar essa postura, busca evitar o  cenário de “terra sem lei” que se instaura quando a regulamentação é ausente ou ineficaz, sem  a necessidade de ordem judicial. Por outro lado, a criação de mecanismos de revisão e  contestação da decisão das plataformas garante um contraponto e protege a liberdade de  expressão, evitando abusos e censura. 

O que está tentando ser combatido aqui já teve início antes mesmo da campanha, no ano  passado: um dos primeiros casos da IA generativa para enviesamento eleitoral se concretiza  com o prefeito de Manaus David Almeida, alvo dos deepfakes. De acordo com o BNC Amazonas, o ataque se realiza por meio de áudio modificado em que o possível  pré-candidato aparece vociferando contra servidores públicos do município.  

Partindo dessa constatação, a fiscalização desse tipo de conduta é cada vez mais enigmática tendo em vista a dificuldade de discernimento da veracidade da informação.  Medidas como a cassação de registro ou de mandato, caso comprovado o uso indevido da IA nesse processo, demonstram cada vez mais uma certa adaptação da justiça para lidar com esses  desafios iminentes. 

Combater o mau uso da IA vai muito além do TSE 

É importante salientar que, o TSE, ao regulamentar o uso da IA, busca consolidar o  entendimento da legislação existente e evitar a dupla interpretação das normas, garantindo a  segurança jurídica e a previsibilidade do processo eleitoral. Então, com tal resolução, há uma  tentativa de suprir lacunas e partir para sanções mais efetivas que buscam campanhas com mais  qualidade e segurança. 

Portanto, a fiscalização do uso da IA nas eleições não se resume apenas à atuação de órgãos como o TSE. A tarefa de garantir um processo eleitoral livre, justo e transparente exige um esforço conjunto de órgãos reguladores, plataformas digitais e, principalmente, que os  próprios eleitores desenvolvam senso crítico e aprendam a identificar informações falsas e  manipulação algorítmica. A checagem de fatos e a busca por fontes confiáveis são ferramentas  importantes para combater a desinformação e garantir a qualidade do debate democrático.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *