Fake news, bots, mecanismos de filtragem e outras ameaças à democracia brasileira
2 de julho de 2018
Bipolarização. Aparentemente, uma das palavras mais citadas nas manchetes políticas nos últimos anos. Seja no Brexit, nas eleições americanas ou no Impeachment sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff, as atuais sociedades nunca falaram sobre a construção de muros físicos e imaginários tanto quanto hoje. Visões maniqueístas e extremistas são sustentadas pelo bloqueio e falta de interesse em diferentes opiniões com a ajuda do filtro invisível nas mídias sociais e com as Fake News em diversas plataformas digitais.
A primeira ameaça: O filtro invisível
Como não há nada mais satisfatório do que estar cercado por coisas que gostamos e que nos agradam, algoritmos filtram o que é relevante e o que não é relevante de acordo com a reação do usuário, as redes sociais tornaram-se ferramentas extremamente eficazes para agradar e mostrar o que o usuário deseja ver, isso é o que muitos pesquisadores neste campo chamam de “filtro invisível” ou “filter bubble”.
Popularizado com a palestra TED e o livro “O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você”, de Eli Paiser, o termo procura explicar como os algoritmos influenciam o que vemos na Internet a partir de nossas preferências pessoais. Muitos acreditavam que o mecanismo só traria benefícios, já que uma plataforma que oferece apenas o que os consumidores querem ver e se importar, torna sua experiência mais confortável e agradável.
No entanto, a filtragem também leva ao desaparecimento de opiniões e visões opostas. Em um ambiente de debate político, especialmente este ano com as eleições brasileiras, esse mecanismo abre as portas para o crescimento de visões polarizadas e a deterioração dos debates políticos. Acredita-se que os níveis de tolerância também sejam modificados. A partir da falta de contato com opiniões divergentes, diferentes ou desconhecidas, o ser humano se torna suscetível à construção de padrões, estereótipos, preconceitos e visões radicais.
Segundo Eduardo Magrani, professor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), em seu trabalho Democracia Conectada, o mecanismo de filtragem em feeds de mídias sociais pode trazer duas consequências para seus usuários. A primeira seria a falsa impressão de que todas as conexões do usuário estão visualizando a publicação postada quando, na verdade, provavelmente apenas aqueles que tem interesse nesse ponto de vista específico e provavelmente compartilham a mesma opinião terão essa postagem em seus feeds. A segunda falsa impressão produzida por esse mecanismo é a ideia de um consenso. Como a bolha do filtro apenas compartilha esse conteúdo com indivíduos que defendem o mesmo ponto de vista, pois amam e odeiam algo tanto quanto o usuário, há uma falsa impressão de que essa visão é a mais popular e razoável, adotada pela vasta maioria das conexões do usuário.
Para Eli Pariser, os problemas não param por aí. Para que um processo democrático seja construído e que as pessoas vivam em harmonia, é necessário que o debate ocorra demonstrando os pontos de vista e ideais existentes. Também é necessário considerar as necessidades do outro. No entanto, hoje o filtro bolha parece impedir a troca de informações divergentes e encorajar políticas individualistas onde o interesse próprio vem sempre em primeiro lugar.
A segunda ameaça: Fake News
Além do medo de debates políticos nas escolas e do filtro bolha, os atores que desempenham o papel principal na desinformação do cidadão são as Fake News e os bots. Os bots de redes sociais, também conhecidos como robôs de redes sociais buscam imitar o comportamento humano postando, tweetando, retweetando, transmitindo informações na rede social, conforme estabelecido por seus operadores e desenvolvedores. Apesar da magnitude de seu possível impacto nos processos democráticos, muitos desses bots não usam tecnologias complexas, eles são frequentemente baseados em ferramentas acessíveis e sua disseminação é simples e barata.
A semelhança entre bots e humanos talvez seja uma parte fundamental desse instrumento de manipulação. O conteúdo compartilhado e publicado por bots geralmente inclui notícias falsas, ataques a oponentes políticos e postagens em favor de seus candidatos. Segundo alguns pesquisadores, o desempenho dos bots é muitas vezes decisivo e influente na comunidade online devido ao uso de métodos quantitativos para medições e estatísticas pela maioria das redes sociais. Assim, se os bots existem em grande número, implicando em grande volume de informação, é possível que eles possam direcionar o fluxo dessa informação nas redes sociais, pois os algoritmos presentes nessas plataformas geralmente priorizam o elemento quantitativo, não distinguindo entre bots e humanos . De acordo com um estudo publicado em agosto de 2017, cerca de 20% das interações do Twitter relacionadas ao impeachment da presidente Dilma Rousseff foram realizadas por bots.
Mas os bots nem sempre são ruins, essas ferramentas são usadas muitas vezes para consultoria online e para controle do dinheiro público, por exemplo. No entanto, todos esses bots deixam claro que são bots, essa informação não existe em casos de manipulação política por bots.
Lutando contra a desinformação
É importante analisar como os ordenamentos jurídicos lidam com o uso de notícias falsas e perfis de mídia social anônimos ou falsos para influenciar o debate político e proliferar o discurso de ódio, por exemplo, e os mecanismos para remover conteúdo irregular da Internet e como isso pode afetar ou limitar a liberdade de expressão dos cidadãos que se expressam em questões políticas em plataformas digitais.
Fake News é uma ameaça aos processos democráticos no Brasil e no mundo, entretanto, como o IRIS afirmou em outro post, o uso do direito penal também é considerado um grande risco nesse campo. Tal solução pode ser facilmente deturpada para se adequar à vontade do governo.
A melhor solução para combater o Fake News no Brasil continua sendo o uso da educação. Por meio de campanhas que aumentam a conscientização sobre o problema, aumentam os padrões críticos da população, incentivam a checagem de fatos, a verificação da fonte e a confiabilidade das notícias que consomem, é possível reduzir os impactos do Fake News.
Existem algumas maneiras de começar a discussão sobre como combater notícias falsas de outras maneiras que não sejam regulamentos. A primeira forma, e a longo prazo, é aumentar a conscientização sobre a questão, trazendo melhorias na educação digital nacional, treinando pessoas para identificar conteúdo falso em redes. O projeto Vaza, Falsiane! é um bom exemplo de iniciativas que pretendem informar as pessoas e incentivar seu pensamento crítico. O curso on-line gratuito contra notícias falsas dirigido ao público em geral, especialmente adolescentes, jovens adultos e educadores.
Uma segunda forma de combate, de natureza mais imediata, ataca os efeitos de notícias falsas. Alguns exemplos desse tipo de iniciativas são as organizações brasileiras que se uniram e criaram várias instituições para checagem de fatos. Um exemplo com grande participação feminina são as empresas de fact-checking brasileiras.
Uma delas é o “Aos Fatos”, membro da International Fact-Checking Network, iniciativa da jornalista Tai Nalon que diariamente tem jornalistas acompanhando declarações de políticos e autoridades nacionais de várias partes, a fim de verificar se estão falando a verdade. Com isso, contextualizam e classificam a afirmação em uma das seis categorias: verdade, imprecisas, exageradas, falsas, contraditórias ou insustentáveis.
Para chegar a qualquer conclusão, o artigo é revisado por pelo menos um repórter e um editor. Ambos devem chegar a um veredicto sobre o selo que será concedido à declaração ou a informação verificada. Se necessário, um terceiro jornalista da equipe fixa deve ser consultado para decidir o impasse. Todos os jornalistas da equipe de Aos Fatos estão sob escrutínio público, por isso são expressamente aconselhados a não endossarem formal ou informalmente nenhum discurso político-partidário. A equipe não faz militância ou preferência manifesta – é encorajada a ouvir todos os lados.
Outra importante empresa de fact-checking brasileira com liderança e uma participação majoritariamente feminina é a Lupa. Sob o comando de Cristina Tardáguila a agência foi a primeira empresa especializada em fact-checking no Brasil.
Em fevereiro deste ano a Agência Lupa e o Canal Futura, em parceria com o Google, lançaram o projeto “Fake ou News”, que possui como objetivo a educação digital e o auxílio aos jovens em relação à identificação de notícias falsas. Até as eleições de 2018, segundo os criadores, cerca de 30 trilhas do conhecimento serão publicadas no site fakeounews.org/
Pensando fora da caixa (bolha)
Mas a questão ainda permanece: o Brasil pode parar o filtro de bolhas ou a influência da notícia falsa nas eleições gerais de 2018? Acredita-se que a Internet será um grande diferencial em uma disputa que será feroz ponto-a-ponto nessas eleições. Segundo Antonio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o déficit educacional brasileiro é uma das grandes barreiras na luta contra as notícias falsas. A falta de capacidade e habilidade por parte da população de discernir uma falsa notícia de uma verdade, não importa quão grandes inconsistências e contradições existam, é um dos maiores problemas.
Atualmente no Brasil existem mais de 200 milhões de smartphones, o acesso à internet por esses dispositivos e computadores sempre foi visto como uma ponte para fortalecer a democracia e melhorar a comunicação e a informação do indivíduo. No entanto, por mais que boas iniciativas provenientes de agências de checagem de fatos existam, em um ambiente altamente polarizado, acreditar torna-se tendencioso.
Não parece que o Brasil conseguirá erradicar o efeito do Fake News até outubro de 2018. No entanto, seu impacto pode ser mitigado com a ajuda das iniciativas criadas e com o incentivo de debates públicos que conscientizem o público.
Estratégias de longo prazo, como educação, educação de mídia e desenvolvimento de um pensamento crítico parecem ser as melhores alternativas porque os riscos de manipulação de conteúdo e discurso não estão presentes apenas no ecossistema online. O déficit brasileiro em educação e a falta de estímulo ao pensamento crítico e ao questionamento tornam a população vulnerável a influências externas, seja na internet ou em qualquer outro meio de comunicação.