#Eleições2020: Como seu perfil online define seu voto?
Escrito por
Paloma Rocillo (Ver todos os posts desta autoria)
22 de janeiro de 2020
Democracias representativas são constituídas com a participação dos cidadãos na esfera pública expressa por meio do voto. Contudo, a consciência sobre influência de práticas comerciais de gigantes da tecnologia, envolvendo “extrativismo de dados” e “perfilamento”, por exemplo, é tão essencial para assegurar a soberania popular quanto o comparecimento às urnas. Este post pretende explicar como ocorrem e estratégias de limitação de interferência do mercado de dados no voto popular. Assim, as informações disponibilizadas na web podem servir à liberdade de escolha política e não aos interesses econômicos e manipulativos de empresas e candidatos.
O setor privado como agente político
A maioria dos fenômenos culturais e sociais acentuados pela internet não são genuinamente novos. Esse é o caso das FakeNews, existentes desde o primeiro império romano, de acordo com Kamiska, e a inclusão do direito à privacidade como norma jurídica, que remonta do século XIX, como aponta Cancelier. A ingerência de empresas privadas no voto do cidadão também não é recente e, inclusive, é coerente com o sistema político e econômico vigente, que pressupõe correlação direta entre dinheiro e poder. Dentre as possibilidades pelas quais empresas podem atuar no processo eleitoral destaca-se o financiamento de campanha. O impacto do dinheiro no pleito foi estudado por diversos pesquisadores e apresentam conclusões distintas: Jacobson argumenta que o dinheiro é mais importante para candidatos novos do que para caciques eleitorais, por sua vez, é possível que o fator probabilidade de sucesso do candidato seja a variável que direcione as contribuições monetárias, e não o contrário, e há teóricos que afirmam que até mesmo a variável gênero influencia no efeito do financiamento sobre o voto, como é o caso de Speck e Mancuso. No Brasil, desde 2017 não é mais permitidoque pessoas jurídicas façam doações diretas para candidatos ou partidos, existindo apenas o financiamento público de campanha, o qual é elogiado por maximizar a isonomia do pleito e rechaçado por diminuir os recursos da União, que deveriam ser destinados a serviços públicos, conforme apontam respectivamente a Dep. Gleisi Hoffmann (PT) e Dep. Marcel Van Hattem (NOVO) ¹.
Além disso, a responsabilidade de empresas no processo eleitoral pode ser definida por atuações ilegais, como pela coação de funcionários, ou seja, quando líderes da companhia intimidam ou constrangem funcionários para votarem em um candidato em específico. Nas eleições de 2018 a Procuradoria Geral do Trabalho investigou aproximadamente 60 empresas por incorrerem nesse crime, de acordo com o Venturini.
Sociedade da Informação e eleições digitais
Na Sociedade da Informação, permeada por grandes fluxos informacionais; com predomínio da lógica das redes e outras características ², o setor privado amplia sua influência no jogo político com a entrada de novas empresas impactando o pleito. É o caso das chamadas Data Brokers, companhias especializadas na análise de dados pessoais de consumidores como a Serasa Experian, Facemídia e Numbr Group. Conforme apontado por pesquisa da CodingRights, essas empresas coletam e analisam dados para posteriormente vendê-los, com destaque para o fato de que tais dados são também coletados por meio de varreduras feitas nas redes sociais, visto que o comportamento dos usuários na rede é público. Para além da comercialização de dados, muitas das Data Brokers possuem suas próprias equipes de comunicação para criação de propaganda direcionada e fazem marketing político.
Por exemplo, a Serasa Experian oferece dois tipos de serviço bastante úteis em campanhas políticas, Data Quality e Mosaic. Data quality seria a possibilidade de clientes da Serasa Experien comprarem bancos de dados inteiros com informações completas e detalhadas de consumidores obtidas, entre outras formas, pela análise do perfil dos usuários do Facebook. Considerando a estratégia número um dos candidatos ao pleito eleitoral: contato com o eleitorado para apresentação de propostas, obter bancos de dados com nome, endereço, telefone, nome dos pais e e-mail dos eleitores significa alguns passos à frente no escrutínio. Já o Mosaic é uma solução de segmentação da população para melhoria das estratégias de marketing. Ou seja, a ferramenta classifica os consumidores de acordo com os dados que possui e cria grupos detalhados, o que também é chamado de perfilamento. Dentre os grupos existentes tem-se:
- “Grupo A – Elites Brasileiras:
Empresários e executivos bem-sucedidos, vivem os confortos permitidos pela alta renda: automóveis de luxo, viagens internacionais, restaurantes e produtos exclusivos.
- Grupo C – Juventude Trabalhadora
Urbana, com até 35 anos, são jovens em início de carreira, mas ainda buscando aumentar sua escolaridade, que já é superior à dos pais. São otimistas e antenados, com acesso à tecnologia e de olho nas tendências
- Grupo J – Habitantes de Zonas Precárias
Homens e mulheres que vivem próximos à linha de pobreza e, por isso, dependem de programas sociais. A baixa renda e escolaridade é agravada por estarem em regiões com acesso restrito a serviços públicos.”
Tal ferramenta é extremamente útil em campanhas políticas para o direcionamento de conteúdo de promoção de candidatos em redes sociais. Ou seja, diferentemente da propaganda política veiculada na televisão, na qual o mesmo discurso do candidato alcançará espectadores com perfis distintos, na internet é possível escolher o perfil das pessoas que vão ver determinado conteúdo.
De acordo com pesquisa do InternetLab, enquanto eram pré-candidatos à Presidência da República, Manuela D’Ávila e Flávio Rocha utilizaram dados do Serasa Experien para direcionar conteúdos impulsionados -ou seja, conteúdos pagos para alcançarem mais usuários-, demonstrando o impacto direto de Data Brokers na política brasileira. As críticas às companhias que possuem tal extrativismo de dados como modelo de negócio majoritariamente dizem respeito a violação da privacidade do usuário e autodeterminação informativa, uma vez que a maior parte da coleta de dados é feita sem o consumidor saber, além de que comumente os Data Brokers fazem inferências bastante sensíveis sobre o comportamento dos consumidores e trocam informações -também sem o consentimento do consumidor- entre si.
O poder emana do povo ou das Big Tech?
Para além dos Data Brokers, outro nicho do setor privado tem impactado muito o processo eleitoral: as Big Techs, formadas pelos grupos empresariais Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft. Talvez com exceção da Microsoft, as Big Techs estão dentro da chamada “economia da atenção”, relacionada com o gerenciamento do tempo das pessoas e que objetiva aumentar as horas em que o usuário fica conectado, afinal, quanto mais tempo na rede mais informações o usuário produz sobre si mesmo. Portanto, para garantir a atenção do usuário, tais empresas acomodam o conteúdo que aparece nas telas do usuário de acordo com o que mais lhe atrai. Portanto, esse modelo de negócio pressupõe a existência do efeito bolha e a busca por conteúdo informativo em rede social.
Os algoritmos das redes sociais que analisam e indicam conteúdos a serem acessados pelos usuários majoritariamente reiteram as pré-compreensões do usuário e o cercam dentro de uma mesmo círculo ideológico e social. Essa ferramenta é bem vista na medida em que separa a informação que o usuário realmente quer ver da informação inoportuna, contudo, de acordo com Cialdini, o isolamento ideológico – resultante da falta de pluralidade na rede – aliado à propensão humana a procurar informações que validem suas opiniões é um método comum de manipulação e inclusive utilizado por cultos religiosos radicais. Considerando a crescente onda de polarização no Brasil, é bastante questionado o efeito bolha conscientemente promovido pelas Big Tech, pela possibilidade de aumentar o voto popular passional e diminuir o debate político baseado em argumentos e propostas.
Quanto a busca por conteúdo informativo em plataformas digitais, uma pesquisa realizada pelo Instituto Pew apontou que o Facebook é a plataforma por onde as pessoas mais consomem notícias. No contexto brasileiro, estudo do DataFolha apontou que nas eleições de 2018 os eleitores de Jair Bolsonaro se informaram majoritariamente por redes sociais.
“São 61% dos eleitores que se informam pelo WhatsApp, 57% pelo Facebook e 28% pelo Instagram. Sendo essa, a primeira eleição no Brasil onde as redes sociais assumem um protagonismo.”
Devido às práticas de moderação de conteúdo já realizadas pelas plataformas digitais, envolvendo a limitação de conteúdos que violam diretrizes da comunidade, associado a crescente tendência de pesquisa por notícias em redes sociais, grandes empresas de tecnologia vem sendo intimadas a atuarem no combate à desinformação.
No final de 2019 o Tribunal Superior Eleitoral reuniu com Google, Facebook, Whatsapp (que é do grupo econômico do Facebook) e Twitter para estabelecer como cada uma das plataformas atuariam no combate às informações falsas nas Eleições Municipais de 2020. Dentre as estratégias a serem utilizadas destaca-se a parceria das empresas com agências de checagem de fatos, utilização de sistemas automatizados para remoção de contas falsas ou não humanas (bots), limitação do encaminhamento de conteúdo e divulgação de um guia de educação digital. Além disso, assim como os Data Brokers, plataformas digitais como o Facebook também auferem renda a partir do perfilamento e direcionamento de conteúdo impulsionado, conforme já afirmado pelo CEO do Facebook, Marc Zuckerberg
“[…] com base no que as pessoas clicam, quais páginas curtem e outros sinais, criamos categorias – por exemplo, pessoas que gostam de páginas sobre jardinagem e vivem na Espanha – e então cobramos de anunciantes para mostrar anúncios para esse grupo de pessoas. Embora propaganda para grupos específicos exista muito antes de a internet existir, a publicidade online permite um direcionamento muito mais preciso e, assim, anúncios mais relevantes.”
Conclusão
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) deverá entrar em vigor em agosto desse ano e com isso diversas práticas adotadas por Data Brokers e plataformas digitais que violam a privacidade dos usuários passarão a ser ilegais. Assim, práticas de coleta de informações sem o consentimento do usuário e intercâmbio não autorizado de dados que, como demonstrado nessa postagem, alteram o equilíbrio do pleito, não serão mais permitidas.
Contudo, o eleitor pode desde já tomar algumas atitudes para garantir que seu voto seja a manifestação direta de sua escolha política por meio do acompanhamento do mandato de seus atuais representantes políticos por fontes de notícias diversificadas além das redes sociais, além de verificar as configurações de privacidade de suas contas online para que tenha o maior controle possível de seus dados pessoais.
Se você se interessou pela relação entre política e atuação das Big Techs clique aqui para acessar o texto de Victor Barbieri e Gustavo Rodrigues sobre as eleições dos EUA e o debate antitrust.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Ilustração por Freepik
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Paloma Rocillo (Ver todos os posts desta autoria)
Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Representante do IRIS no Grupo de Trabalho sobre Acesso à Internet e na Força-Tarefa sobre eleições na Coalizão Direito nas Redes (CDR). Membro suplente no Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (CDUST) da ANATEL. Co-autora dos livros “Inclusão digital como política pública: Brasil e América do Sul em perspectiva” (IRIS – 2020) e “Transparência na moderação de conteúdo: Tendências regulatórias nacionais” (IRIS – 2021).