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#Eleições2020: Ataques de bots a candidaturas femininas – O que é e como enfrentar

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9 de março de 2020

Para além das analógicas barreiras culturais que candidaturas femininas precisam superar durante eleições, devido ao machismo estrutural enraizado também em instituições políticas, a face adversa da internet também reproduz preconceitos por meio de inteligência artificial. Este post pretende explicar questões técnicas e sociais que favorecem um cenário desproporcional de ataque por bots a mulheres aspirantes a cargos eletivos pela disseminação de desinformação e discurso de ódio.

Desigualdade de gênero no contexto eleitoral manifesta na internet

Luciana di Meco, pesquisadora do The Wilson Center, avaliou as conversas no twitter de 6 candidatos primárias às eleições dos EUA de 2020. O estudo mostrou que as candidatas receberam mais ataques de contas de direita e de notícias falsas, e também receberam menos cobertura da mídia tradicional em comparação com seus colegas do sexo masculino. Di Meco também apontou que os comentários e narrativas direcionadas às candidatas femininas eram mais negativas e focadas no caráter e identidade das pré-candidatas ao invés de focarem em sua elegibilidade ou propostas políticas, conforme quadro-síntese abaixo:

Tradução livre da análise de Laura Restrepo: https://bit.ly/2ItycAL

As conclusões da pesquisadora demonstram que a internet tem potencial de propagar preconceitos socialmente difundidos há décadas e que dificultam a participação de mulheres na política. No Brasil, a taxa de sucesso de mulheres que disputam as eleições é de 6% em face de 18% de sucesso dos homens. Contudo, pesquisas realizadas nos EUA ¹² apontam que a taxa de sucesso entre mulheres e homens que se candidatam é bastante semelhante. 

Dentro da teoria política do voto, conforme apontado por Albuquerque, diversas variáveis formam a vontade política do eleitor, como identificação partidária, orientações ideológicas, pertinência cultural, origem étnica, grau de instrução, etc. Quando é apresentado ao eleitor um candidato homem e uma candidata mulher, e todas as variáveis são omitidas exceto o gênero, pesquisa empírica realizada por Fulton comprova não haver preferência entre candidatos. Contudo, quando a qualidade dos políticos é apresentada ao eleitor, as candidatas mulheres tem desvantagem de 3% em relação a homens.  Ou seja, a percepção de que mulheres que aspiram à política precisam ser melhores e demonstrar maior qualidade do que candidatos homens é uma percepção real.

O machismo dos bots

A primeiro momento, o título acima pode parecer incoerente, pois atribui uma característica humana -machismo- a algo não humano -bots. E de fato, ainda que os bots pareçam muito com usuários reais (tanto que 53% dos entrevistados em pesquisa do Pew Research Center afirmaram não saber diferenciar um bot de um humano), em essência são apenas algoritmos. 

Bot é a abreviação de “robot” e diz respeito a “ um tipo específico de programa de computador que realiza tarefas de forma autônoma, a partir de algoritmos”, conforme pesquisa do Internet Lab. Os bots possuem diferentes níveis de complexidade e são extremamente importantes para o funcionamento da internet, pois cerca de 40% de todo o tráfego da rede é operacionalizado por bots³. Outro tipo de bot -chatbots- são aqueles que interagem com usuário, seja para ajudá-lo em compras ou tirar dúvidas quanto a algum produto. Os bots que comunicam com o usuário costumam ser treinados em “processamento de linguagem natural” para que a experiência do usuário seja a mais agradável possível. Contudo, essa vantagem tecnológica também é utilizada de forma nociva.

No contexto eleitoral, pesquisadores do USC Information Sciences Institute avaliaram o comportamento de bots nas eleições de 2016 e 2018. No caso do comportamento dos bots no twitter, em 2016 o foco era principalmente em retweetar tweets e produzir diversas mensagens sobre o mesmo assunto para gerar engajamento sobre uma determinada pauta. Esse comportamento resulta na poluição do debate público, pois os algoritmos das grandes mídias sociais tendem a valorizar assuntos que estão sendo amplamente comentados pela comunidade. Entretanto, uma vez que são contas não-humanas que proporcionam esse favorecimento, os usuários humanos -e eleitores- podem ser enganados a ponto de crer que determinado candidato está com alta popularidade quando o cenário real é o contrário. 

A distorção da movimentação política na rede prejudica especialmente candidaturas femininas, pois estudos apontam que eleitores deixam de votar em mulheres, ainda que sejam sua preferência inicial, pois acreditam que sua comunidade não superará preconceitos de gênero e será capaz de escolher uma candidata. Portanto, de forma estratégica votam no candidato homem que seria sua segunda escolha. Logo, quando o debate público é poluído e bots simulam a preferência coletiva por um candidato homem, até mesmo os eleitores que preferem mulheres possuem tendência de desistir de suas candidatas originais.

Quanto à análise das eleições de 2018, os dados coletados pelos pesquisadores mostram que os bots diminuiram os retweets e volume de postagens, devido ao aprendizado que absorveram na eleição passada. Os bots adotaram uma abordagem mais mimética de “aumentar o diálogo e se engajar através do uso de pesquisas, uma estratégia típica de agências de notícias e pesquisadores de renome, possivelmente visando legitimidade a essas contas”.

Ainda que os principais agentes disseminadores de fake news sejam contas de usuários humanos, conforme aponta estudo do MIT; os bots tem grande influência na propagação da desinformação. Conforme demonstrado por estudo da Universidade de Indiana,    bots desempenham um papel crítico na disseminação viral de notícias falsas. Ou seja, ainda que contas humanas elaborem uma narrativa inverídica, é a capacidade computacional característica dos bots que possibilitam que a desinformação seja replicada centenas e milhares de vezes. Considerando a conclusão de pesquisadores de IFE’S de que

“Informações falsas ou obscenas sobre as mulheres se espalham mais rapidamente e mais intensamente do que a desinformação sobre os homens”,

percebe-se que a atuação de bots na propagação de informações inverídicas sobre candidaturas femininas tem ainda maior potencial de silenciar discursos e confundir a opinião pública. Essa relação entre a divulgação de notícias falsas por bots e sexismo foi amplamente percebida nas eleições de 2016 dos EUA. Pesquisadores da George Mason University apontam que a cada 20 postagens online com conteúdo falso, 17 favoreciam Donald Trump em detrimento de Hillary Clinton, e frequentemente essas postagens inverídicas eram orginadas e propagadas por bots.

Pode parecer que a diferença de gênero de Clinton e Trump era apenas uma entre tantas outras características contrastantes. Contudo, considerando o relatório de 2018 que apontou que jornalistas e políticas mulheres são assediadas a cada 30 segundos no Twitter, majoritariamente por comentários estéticos e objeticadores, ainda que o gênero seja apenas uma das característica de, é fator suficientemente marcante para desequilibrar o pleito eleitoral. 

Como enfrentar ataques de bots e fortalecer candidaturas femininas?

Nessa seção será apresentado uma lista de ações bastante práticas para que você possa ser um usuário da internet que colabora para o fortalecimento da qualidade democrática do país. 

  1. Informe-se com conteúdo de qualidade: Diversas iniciativas brasileiras buscam divulgar e auxiliar a participação de mulheres na política. Quer saber sobre propostas de candidatas, estatísticas e material de apoio? Acesse Mulheres negras decidem; Mapa das minas; Meu voto será feminista.
  2. Divulgue candidatas femininas. Ao longo do texto foram apresentadas diversas ferramentas tecnológicas que são utilizadas para prejudicar candidaturas de mulheres. Para que o efeito desses conteúdos nocivos sejam suprimidos é preciso que a internet seja alimentada por conteúdo positivo e que dê visibilidade às propostas políticas de candidatas.
  3. Avalie a fonte e informação que você recebeu. Leu uma mensagens que parece inverídica ou que a fonte é duvidosa? Confira se a informação é verdadeira por meio desses sites de checagem de fatos: g1.globo.com/fato-ou-fake; projetocomprova.com.br; apublica.org e veja se a conta que divulgou a informação é um bot ou não: https://botometer.iuni.iu.edu/#!/
  4. Denuncie. A legislação brasileira protege homens e mulheres de discriminação e assédio, seja na rua ou na internet. Caso você acesse uma postagem que seja ofensiva ou inverídica, existem 2 principais formas de denúncia: os próprios mecanismos das plataformas digitais e o site https://new.safernet.org.br/denuncie.  
  5. Vote em mulheres. O exercício da liberdade política é um direito fundamental de cada cidadão conquistado depois de muitas lutas. Na escolha do seu voto para as eleições de 2020, escolha o candidato que melhor expressa e defende seus interesses, independente de gênero, etnia, classe social ou outros fatores identitários. 

Se você se interessou pelo impacto que os bots podem ter nas eleições brasileiras, clique aqui para ler o texto de Odélio Porto.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Ilustração por Freepik

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Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Representante do IRIS no Grupo de Trabalho sobre Acesso à Internet e na Força-Tarefa sobre eleições na Coalizão Direito nas Redes (CDR). Membro suplente no Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (CDUST) da ANATEL. Co-autora dos livros “Inclusão digital como política pública: Brasil e América do Sul em perspectiva” (IRIS – 2020) e “Transparência na moderação de conteúdo: Tendências regulatórias nacionais” (IRIS – 2021).

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