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Como a conectividade significativa se conecta com a regulação das plataformas?

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24 de abril de 2024

A possível regulação das plataformas digitais voltou a ser uma pauta do momento. Entre embates políticos, discussões no Twitter (ops, no X) e decisões legislativas apressadas, estamos novamente na crista da onda em relação a um possível aumento das responsabilidades aos provedores e a consequente implementação de novos mecanismos de moderação de conteúdo nas redes sociais. Em paralelo, os antigos problemas continuam existindo, de forma que a maior parte da população brasileira não está conectada significativamente. E como essas pautas se relacionam? Proponho alguns pontos de reflexão a seguir.

Contextualizando as temáticas: Regulação de plataformas e conectividade significativa no Brasil 

Antes de tudo, se você ainda está por fora das notícias sobre a regulação das plataformas digitais no Brasil, recomendo que leia esse texto do nosso blog, em que a pesquisadora Rafaela Ferreira realiza um grande resumo dos acontecimentos até o início da terceira semana de abril. O assunto está tão movimentado que, em uma semana, mais notícias vieram à tona. Para fins de contextualização, o que é possível de observar no cenário atual brasileiro é a emergência das consequências diante da ausência de uma regulação específica para regular plataformas digitais, uma lacuna que já vem perdurando há anos.

Enquanto o tema não for devidamente regulado, seremos espectadores de uma série de eventos em que as plataformas protagonizam e evidenciam seu poder de ação na sociedade, tal como aconteceu nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e nos atentados nas escolas, alguns meses depois. Atualmente, os embates entre o bilionário Elon Musk e o Min. Alexandre de Moraes são também efeitos desse cenário, uma vez que os provedores são detentores de um grande poder de ação com limites reduzidos. 

Nesse cenário, a liberdade de expressão passa a ser um argumento utilizado a favor de atos contrários ao princípio, em um conflito por ego e poder. Aqui, é importante pontuar que regular as plataformas é um ato necessário para fortalecer os direitos fundamentais dos usuários, tornando o ambiente digital mais seguro, sanitizado e assim, livre de conteúdos danosos, ilícitos e/ou discriminatórios. No entanto, o que se observa são alegações que se voltam à censura, como se a execução da moderação de conteúdo diante do desrespeito às regras das plataformas fosse uma ação antidemocrática.

Em paralelo, na última semana, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), lançou o estudo Conectividade Significativa: propostas para medição e o retrato da população no Brasil. As maiores conclusões foram que, por um lado, o país caminha para a universalização do acesso, com 84% dos habitantes de 10 anos ou mais conectados. Por outro, apenas 22% desses indivíduos têm uma conexão de fato significativa. Realizando aqui um parêntese, se você não sabe o que é conectividade significativa, recomendo a leitura desse texto do nosso blog. Além disso, o IRIS realizou em 2022 um projeto voltado à conectividade significativa em comunidades brasileiras. Realizamos entrevistas com lideranças comunitárias de Belo Horizonte sobre o tema e o resultado foi esse relatório, o qual evidenciou como os cenários de vulnerabilidade se somam, envolvendo questões como baixo letramento, condições de moradia e insegurança nas redes. 

Voltando ao cenário atual, no estudo lançado pelo NIC. br, para mensurar os níveis de conectividade no Brasil, foi construída uma escala derivada a partir de indicadores por eles definidos. Assim, a base de entendimento foi que se trata de 

“um conceito em construção e apoiado no entendimento de que a conexão deveria permitir utilização satisfatória de vários serviços na Internet, possibilitando o aproveitamento das oportunidades no ambiente online.” 

A partir disso, os indicadores definidos foram nove, agrupados em dimensões de acessibilidade financeira, acesso a equipamentos, qualidade da conexão e ambiente de uso, de forma que 4 são em âmbito individual e 5, em âmbito domiciliar. São eles:

 

  1. custo da conexão domiciliar;
  2. plano de celular;
  3. dispositivos per capita;
  4. computador no domicílio;
  5. uso diversificado de dispositivos;
  6. tipo de conexão domiciliar;
  7. velocidade da conexão domiciliar;
  8. frequência de uso da Internet;
  9. locais de uso diversificado.
     

Pela soma dessas variáveis, foi possível então se obter uma escala de 0 a 9, em que 9 representa a integridade dos elementos que compõem a conectividade significativa. 

A partir dos gráficos abaixo, retirados do próprio estudo, é possível visualizar melhor como a mensuração aconteceu. No primeiro, constam os indicadores mencionados, estabelecendo uma comparação entre outros já existentes. Já no segundo, tem-se o resultado da aplicação na população brasileira, chegando à escala de 0 a 9 em conjunto aos percentuais de indivíduos.

Fonte: Cetic.br

Fonte: Cetic.br

Fonte: Cetic.br

 

Conforme comentado anteriormente, a conclusão é de que apenas 22% da população tem boas condições de conexão, o que pode ser expresso em: condições ideais no que tange à acessibilidade financeira, acesso a equipamentos, qualidade de conexão e ambiente de uso. Em outras palavras, ter dispositivos eficientes para se acessar à rede, em boa velocidade, no momento em que se desejar, sem empecilhos quanto à velocidade/qualidade ou valor financeiro para esse acesso. Em conclusão, tal como havia sido observado no projeto realizado pelo IRIS em 2022, a conectividade significativa ainda é uma realidade distante, embora o simples acesso esteja crescendo. E isso, por sua vez, apresenta consequências na realidade brasileira.

Como as pautas se conectam?

Para conectar ambas as pautas, é preciso, inicialmente, ter em mente que a regulação das plataformas digitais influi diretamente nos usuários da rede, que são muitos. Em diferentes condições e modelos de vida, mais de ¼ da população brasileira usa a Internet para fins diversos, que vão desde se informar e comunicar com conhecidos até acessar serviços essenciais. E, nesse contexto, as plataformas digitais são protagonistas, com foco para as redes sociais, que transcendem os fins de comunicação e entretenimento. 

Tendo em vista essa atuação, quando falamos sobre a regulação desse cenário, duas questões podem ser destacadas: i) a responsabilização dos intermediários; e ii) a implementação de mecanismos de moderação de conteúdo que visam sanitizar a rede. Assim, aprofundando na questão da moderação, entende-se que as novas iniciativas normativas, sob influência do Digital Services Act, devem implementar mecanismos que permitam principalmente meios mais democráticos para que o usuário se comunique e se expresse nas redes. Dessa forma, estão em pauta tanto mecanismos que vão impedir o trânsito de conteúdos danosos na rede como práticas que buscam uma maior autonomia e liberdade do usuário. 

Em outras palavras, regular as plataformas diz respeito (em resumo) à atribuição de obrigações aos provedores das plataformas e à implementação de mecanismos de moderação de conteúdo que vão buscar democratizar a experiência do usuárionesse texto do blog, é possível entender mais sobre como o PL nº 2630/20, em sua última edição, se propôs a isso. Visto isso, insere-se a pauta da desinformação. A presença de discursos desinformativos em alta nas redes evidencia, por sua vez, como a moderação de conteúdo está falhando. E, em um âmbito mais sério, como a busca por engajamento e a monetização de conteúdos se torna prioridade das plataformas digitais, em vista ao seu modelo de negócios, tornando-se mais importante do que o compromisso com a integridade da informação. 

A situação de lacuna regulatória, por sua vez, é aproveitada nesse cenário, de maneira que conteúdos, mesmo quando danosos ou não verídicos, podem alcançar altas repercussões nas redes sociais – sem que os provedores sejam devidamente responsabilizados. Esse quadro, por sua vez, apresenta diversas consequências políticas. Muitas, por sua vez, não são estranhas no contexto brasileiro, a exemplo de fake news que se tornaram famosas, convencendo diversos brasileiros de mentiras; ou discursos anti-vacina que fizeram com que muitas pessoas resistissem à sua maior forma de proteção diante da pandemia do Covid-19, em 2020. Ainda, em cenário semelhante, os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 se apropriaram das redes sociais para divulgar e instigar uma tentativa de golpe de Estado, colocando-o como uma iniciativa a favor da democracia, 

Nesse cenário, imagine então uma pessoa acessando tais conteúdos a partir de um celular com qualidade ruim, com internet lenta e limitada. Ao ver uma notícia em um grupo de WhatsApp sobre, por exemplo, motivos para não tomar a vacina (explicitamente falso), por não conhecer muito sobre e por curiosidade, lê a manchete, que já contém certas informações e, ao tentar acessá-la na íntegra, não consegue. Nesse contexto, muitos indivíduos, mesmo sem checar as informações e verificá-las, já se convencem a partir do pouco conteúdo que conseguiram acessar. Esse movimento, em comunidade, e em conjunto às técnicas algorítmicas das plataformas, leva à polarização das redes e à formação de câmaras de eco. No final das contas, vários usuários se convencem de mentiras e agem a partir desses discursos, tomando decisões quanto ao seu voto no momento das eleições, aos cuidados adotados diante de uma pandemia ou quanto à sua relação e tratativa diante de instituições democráticas (desrespeitar  o STF se tornou uma tendência?)

Esse contexto, por sua vez, se relaciona também a duas outras grandes pautas: o populismo digital (tema que abordei nesse post do blog) e o zero rating. Por questões de recorte, eles não serão aqui aprofundados, mas recomendo a leitura dos links anexados!

Considerações finais

Como abordado no texto, as plataformas digitais hoje em dia são protagonistas na maneira de comunicar, informar e relacionar de grande parte dos indivíduos no Brasil. Quando nos deparamos com um cenário em que a verdade é descredibilizada e as vulnerabilidades de conexão de grande parte da população se torna um elemento majorante para a popularização desses discursos, surgem violações à própria democracia. Em consequência, é possível observar violações aos direitos fundamentais dos usuários, em um âmbito micro, bem como um caminho que leva à situação de erosão democrática, em âmbito macro. Nesse contexto, tanto a regulação das plataformas digitais como a melhoria das condições de conexão para a sociedade são medidas urgentes. 

Em paralelo, outra pauta que se insere nessa discussão, quando pensamos sobre as possíveis soluções, é a educação midiática. Saber usar as redes de forma responsável, diferir informações falsas de verdadeiras e ter compromisso com a verdade na internet são também responsabilidades dos usuários, as quais precisam de incentivo e construção. O IRIS está atualmente desenvolvendo um projeto nesse tema, nos acompanhe para mais informações!

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Pesquisadora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em Direito Internacional Privado, pela mesma instituição. Integrante e liderança de projeto na área de Inclusão digital. Tem como áreas de interesse: Moderação de conteúdo, Inclusão digital, Populismo digital e Direito Político.

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