Código aberto – um caminho de união no combate à pandemia
Escrito por
Felipe Duarte (Ver todos os posts desta autoria)
4 de maio de 2020
Apesar de estarmos em um momento de distanciamento físico, o mundo nunca esteve tão unido – principalmente por meio da rede mundial de computadores. Neste momento, milhares de programadores, pesquisadores e cientistas de diferentes áreas ao redor do mundo estão desenvolvendo coletivamente sites com informações confiáveis, modelos baratos de respiradores, protetores faciais em impressão 3D e diversas novas tecnologias para o combate ao coronavírus. Este texto apresenta o modelo Open Source – ou código aberto – muito usado para desenvolvimento de programas de maneira colaborativa e como suas bases estão sendo importantes na cocriação de tecnologias de combate à pandemia.
O que é código aberto – ou open source?
Colaboração, liberdade e desenvolvimento contínuo são algumas das principais ideias que surgem à mente quando nos deparamos com o termo Open Source. Em um breve relato histórico, pode-se dizer que o movimento Open Source é derivado dos ideais de outro movimento anterior – o Software livre, que pregava através do Manifesto GNU a “liberdade de executar, de estudar e mudar, e redistribuir cópias com ou sem mudanças” de um programa. Apesar de semelhantes à primeira vista, os movimentos Software Livre e Open Source têm diferenças significativas em sua história e também em seus objetivos – aspectos que você pode conferir com maior profundidade na postagem de Gustavo Rodrigues, que também traçou um panorama histórico desses modelos de desenvolvimento de softwares.
Retomando a linha histórica do Open Source, o termo foi cunhado no fim da década de 1990, com base em discussões de alguns líderes do movimento de Software Livre que optaram por uma maior aproximação da filosofia de liberdade no desenvolvimento de programas de computador com o mercado. A diretriz do Open Source, no geral, aceita a existência de softwares proprietários – o quais garantem direitos exclusivos de quem o produziu e nem sempre são gratuitos – além de prezar pela rápida detecção e correção de erros, uma vez que diversos desenvolvedores são capazes de identificar e propor melhorias de forma muito mais rápida e eficiente do que apenas um.
Em uma tradução literal, o termo Open Source significa “código aberto”, e faz referência ao código de um programa em desenvolvimento estar disponível para contribuições de diferentes profissionais, a fim de torná-lo melhor desenvolvido através de diferentes pontos de vista. No entanto, vale a pena ressaltar que, além de se manter o código aberto, também é preciso que sejam seguidos alguns parâmetros, apontados pela Open Source Initiative – principal representante do movimento. A iniciativa lista dez principais critérios que para que uma tecnologia seja considerada Open Source, os quais são:
1 – Distribuição gratuita
2 – Código fonte
3 – Trabalhos derivados
4 – Integridade do autor do código fonte
5 – Não discriminação contra pessoas e grupos
6 – Nenhuma discriminação contra campos de atuação
7 – Distribuição de licença
8 – A licença não deve ser específica a um produto
9 – A licença não deve restringir outro software
10 – A licença deve ser tecnologicamente neutra
Como o Open Source está ajudando?
Considerando o avanço em escala global e em velocidade exponencial do novo coronavírus, a criação de alternativas viáveis tanto para propagação de informação confiável e verificada quanto de equipamentos para a área da saúde e de proteção de trabalhadores dos serviços essenciais tornou-se uma demanda emergencial. Neste cenário, pessoas de diversas áreas do conhecimento voltaram sua atenção para o combate à pandemia e começaram a dar o pontapé inicial a diferentes iniciativas colaborativas, as quais estão resultando em ferramentas que têm salvado vidas ao redor do mundo de diferentes formas.
Um exemplo da eficiência do movimento Open Source no combate à pandemia é um dos projetos do OpenAir, iniciado por um cientista português e que conta com uma equipe de centenas de contribuidores ao redor do mundo no desenvolvimento, entre outros, de um modelo acessível de ventiladores pulmonares. Algumas horas após a divulgação do projeto no Twitter pelo português, milhares de pessoas de diferentes nações contribuíram para criar o modelo de ventilador, capaz de ser reproduzido em qualquer parte do mundo com componentes baratos e que apresenta potencial de salvar vidas nos hospitais lotados. A patente do projeto foi registrada em nome da Humanidade, e os detalhes do equipamento estão disponíveis com acesso livre.
Alguns dias depois da iniciativa ser lançada, a OpenAir se expandiu para mais projetos, os quais englobam a plataforma Vent2Life, criada para agilizar o reparo de equipamentos hospitalares portugueses. Na plataforma, hospitais podem se cadastrar para reportar problemas com equipamentos, que são identificados por técnicos especializados capazes de consertá-los – os quais também são registrados na plataforma.
Considerando exemplos como esse, é possível perceber a eficiência do movimento Open Source não apenas na criação de programas e plataformas, mas também de tecnologias e equipamentos. A contribuição simultânea de pessoas com diversas habilidades e conhecimentos e de diferentes culturas e áreas de atuação em um projeto, além de torná-lo mais robusto, também o torna capaz de ser testado e entrar em ação em um tempo muito mais curto ― fator preponderante para o combate à pandemia.
E no Brasil?
Diversas iniciativas de trabalho colaborativo, abertura de códigos fonte e protótipos também tem acontecido em território brasileiro. Pesquisadores da Poli-USP também desenvolveram um modelo de respirador de baixo custo e com licença Open Source, o qual recentemente foi testado com sucesso e, após autorização de uso pela ANVISA, significará uma redução de custos de compra desse tipo de aparelho de R$15.000 para mil reais. O projeto INSPIRE conta com uma equipe de mais de 40 pesquisadores e já recebeu contribuições de voluntários com modelos de algoritmo e desenhos de projeto industrial para o modelo de ventilador.
Outro movimento interessante que vem acontecendo em território brasileiro é a fabricação de protetores faciais e equipamentos de proteção individual (EPIs) para trabalhadores da área da saúde em impressoras 3D. O Projeto Face Shields For Life 3D, encabeçado por pesquisadores da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (BAHIANA), Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) e Centro Juvenil de Ciência e Cultura (CJCC), disponibiliza gratuitamente modelos de impressão 3D desses equipamentos, além de estar imprimindo e distribuindo equipamentos em parceria com a comunidade maker – composta por pessoas que se dedicam ao uso dessas impressoras para criação colaborativa de objetos.
Como posso fazer parte?
Se duas cabeças pensam melhor que uma, o que dizer de dezenas – ou até centenas? Seja qual for sua área de atuação, é possível encontrar diversos projetos em desenvolvimento que podem precisar de sua colaboração para se tornar realidade. Existem listas como essa, que apresentam alguns projetos em andamento para desenvolvedores de software.
Como o próprio movimento Open Source prega, não existe espaço para discriminação de área do conhecimento. Portanto, vale a pena conferir as iniciativas brasileiras, como as citadas anteriormente, em quais demandas você pode contribuir.
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As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Ilustração por Freepik Stories
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Felipe Duarte (Ver todos os posts desta autoria)
Coordenador de comunicação do IRIS, designer e ilustrador freelancer no mercado editorial e publicitário, com foco em criações vibrantes que mesclam natureza, orgulho LGBT+ e surrealismo. Graduado em Publicidade pela UFMG, é coordenador de comunicação no Instituto de Referência Internet e Sociedade, onde atua pela democratização do conhecimento. Também foi membro do programa Youth no IGF2023 no Japão e pesquisador em temas de inclusão digital, autor dos livros “Glossário da Inclusão Digital” e “Inclusão digital como política pública”. Além disso, também é apresentador do podcast “Lascou!”, sobre as dificuldades de artistas on e offline.