Trump e a Neutralidade de Rede
24 de novembro de 2017
Introdução
A gestão do atual presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, foi motivo de diversas polêmicas desde seu início. A tarde do último dia 21 de novembro não foi diferente, com o anúncio, por parte do presidente da Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC), Ajit Pai, de que o governo Trump pretende alterar as regras que regulam a neutralidade da rede no país – firmadas no ano de 2015, durante o governo Obama. Os argumentos da FCC para a retirada da neutralidade de rede são no sentido de garantir maior competitividade no mercado e “deixar que os consumidores decidam quem ganha e perde”, conforme afirmado por Pai.
Comissão Federal de Comunicações dos EUA
É inegável o pioneirismo norte-americano em temas relacionados à Internet, visto que o uma das origens desta está ligada a instituições militares e agências de pesquisa do país. O amplo impacto do acesso à Internet e o crescente número de dispositivos a esta conectados – até pelo recente fenômeno da Internet das Coisas -, influenciam não somente a economia e sociedade norte-americana, como também o restante do mundo.
Uma das pesquisas que comprovam essa afirmação foi realizada pelo Pew Research Center, instituto que documentou por 15 anos os padrões de uso de Internet por usuários americanos, e estatisticamente comprovou que 1 a cada 10 americanos adultos utilizam a Internet. Assim, fez-se necessário a regulamentação dos usos e consequências da Internet. Contudo, o Congresso ainda não definiu uma lei sobre banda larga ou aspectos gerais da rede, mas atribui à Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC) competência para tal.
É importante lembrar que a FCC nos Estados Unidos tem maior autonomia e poder para determinar os rumos da Internet no país do que, por exemplo, a ANATEL tem no Brasil. Isso se dá pelo sistema jurídico empregado nos EUA – o Common Law – no qual, diferentemente do nosso Civil Law, a Lei é apenas mais uma das várias formas de Direito, não apresentando tanta importância quanto em nosso país. Dessa forma, o sistema jurídico estadunidense não força que seus legisladores tenham pressa para estabelecer diretrizes positivadas para a Internet – como funciona o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) no Brasil -, sendo os comandos emanados pelas instituições competentes sobre o assunto suficientes para a manutenção do meio digital no país.
A FCC é constituída por 5 comissários indicados pelo presidente dos EUA e aprovados pelo Senado, configurando-se como agência independente, porém supervisionada pelo Congresso. Para a formulação, alteração ou revogação de regras, a agência em questão adota o processo “aviso e comentário” que consiste em comunicar as intenções legislativas da FCC e procurar comentários do público em geral e Conselho Consultivo (que apresentam contribuições técnicas e teóricas) e posterior submissão da regra final ao Congresso, conforme Lei de Revisão do Congresso. O site da FCC detalha com bastante clareza a estrutura e modelo gestacional da Comissão. Cabe apontar que, por mais que a população seja consultada antes da aprovação de medidas pela FCC, isso não anula o fato de que sua composição é, inevitavelmente, escolhida mediante processo não democrático, o que pode acabar por reduzir a representatividade popular no órgão, resultando na aplicação de medidas claramente tendenciosas ao setor da sociedade que tem mais força na Instituição – abrindo possibilidade para o controle da mesma por lobbies de grandes corporações.
A proposta que a FCC apresentou no início da semana comprova justamente isso, sendo o exato oposto da regulamentação aprovada no governo Obama. A regulação que vigora desde 2015 até hoje aloca provedores de acesso como empresas de telecomunicações e não prestadoras de serviço de informação e proibia a oferta de velocidades de Internet diferentes para determinados serviços ou a cobrança por assinatura e taxas extras para obtenção de maior qualidade de rede em determinada plataforma. O presidente da Comissão Federal à época, Tom Wheeler, afirmou que a regulação objetivava “as mais fortes proteções à internet aberta já propostas pela entidade”. Já em 2015, Ajit Pai (atual presidente da FCC, indicado por Donald Trump) colocou-se contra a neutralidade de rede, favorecendo potencialmente os grandes provedores de acesso e aplicação.
Especificamente, a FCC propôs:
- A reintrodução da classificação do “serviço de informação” do serviço de acesso à Internet de banda larga.
- Oestabelecimento de que a banda larga móvel não é um “serviço móvel comercial” sujeito a uma regulamentação rígida.
- A atribuição à Comissão Federal de Comércio de competência para policiar as práticas de privacidade dos ISPs.
O período para comentários direcionados à proposta terminou em Agosto e beirou 22 milhões de contribuições. Contudo, tanto o recebimento dos comentário quanto a utilização deste método para garantia da construção de uma regulamentação democrática foi amplamente questionado, conforme aponta Jacob Kastrenakes, o que reforça o que foi apresentado acima. A Comissão irá votar a proposta em 14 de Dezembro de 2017.
Argumentos sobre neutralidade de Rede
O IRIS já escreveu sobre os conceitos, importância e problemas relacionados à neutralidade de rede. O conteúdo pode ser acessado aqui. Conforme consta nesse post, na época, um dos argumentos levantados pela FCC para a manutenção da neutralidade de rede era a garantia de maior competitividade de mercado, já que, sem o tratamento desigual de pacotes de dados na rede, todos os provedores – tanto de acesso quanto de aplicação – teriam iguais chances de sucesso, com a vigência de um verdadeiro “livre mercado digital”.
Atualmente, os defensores da queda da neutralidade de rede argumentam que a inexistência da obrigação de se garantir um acesso à internet igualitário em conteúdo para todos possibilita que os consumidores paguem apenas por aquilo que forem consumir da Internet, sendo possível a prática de melhores preços para os usuários finais. Entretanto, essa ideologia não leva em consideração que tais práticas podem resultar na alienação da base consumidora, através de pagamentos ou da realização de acordos entre as grandes provedoras de aplicação e as provedoras de acesso, a fim de se obter vantagens frente às suas concorrentes na luta por permanecer relevantes no mercado digital.
É importante destacar que não é homogêneo o posicionamento do próprio mercado e corporações, visto que a Google e Netflix, por exemplo, apoiam regras de neutralidade por acreditarem que “operadoras poderiam piorar a qualidade de acesso a serviços online, para extrair dinheiro das companhias do setor ou promover de forma injusta os seus próprios serviços, prejudicando a competitividade e a livre iniciativa”, conforme destacado em matéria do jornal Estadão. Enquanto isso, empresas norte-americanas como AT & T Inc, a Comcast Corp e a Verizon Communications Inc se opõe às regras em vigor por afirmarem ser do consumidor o poder de decisão sobre os conteúdos que querem acessar e os valores que estão dispostos a pagar.
Conclusão
Como pode-se perceber ao longo deste texto, as repercussões que envolvem a abdicação à neutralidade da rede pelos Estados Unidos tendem a resultados muito mais negativos do que qualquer vantagem alegada pelos defensores de tais medidas. A isso, adicione-se o fato de que decisões tomadas nos Estados Unidos influenciam na tomada de decisões de diversos países ao redor do mundo – afinal, é inegável a extrema relevância que tem a economia e a política estadunidense para o mercado internacional.
Dessa forma, medidas como essas, pretendidas pelo governo Trump, podem ser precedentes para a adoção e disseminação de medidas similares em demais países, o que certamente representa um grave risco para a integridade da Internet da forma como ela foi idealizada desde sua concepção e permanece até os dias atuais.