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Inclusão Digital: passado, presente e futuro

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23 de janeiro de 2023

A promoção da inclusão digital é vista como essencial para o desenvolvimento econômico e social. Ela permite que as pessoas tenham acesso à educação, informações e serviços on-line, além de possibilitar a criação de novos empregos e negócios. Mesmo com a atuação de atores governamentais, filantrópicos e empresariais, ainda existem desafios para garantir que todas as pessoas tenham acesso à tecnologia, especialmente aquelas em grupos de baixa renda e comunidades remotas.

É esperado que a inclusão digital continue a ser uma prioridade global. Com a migração, cada vez mais massiva, da economia tradicional para a digital e do avanço da automação, da inteligência artificial dentre outras tecnologias em nosso dia a dia, será cada vez mais importante que as pessoas tenham habilidades digitais para competir no mercado de trabalho, exercer seus direitos e, sobretudo, se apropriar da tecnologia para gerar transformações significativas. Continue lendo o post e descubra como tem sido a trajetória da inclusão digital no Brasil.

Principais políticas públicas que promovem a inclusão digital no Brasil

As políticas públicas de inclusão digital no Brasil visam garantir que todas as pessoas tenham acesso à tecnologia e à internet, independentemente de sua renda ou localização geográfica. Essas políticas incluem acesso aos serviços públicos no ambiente online e a ampliação da infraestrutura para promover acesso à internet de forma gratuita e/ou a preços acessíveis, por exemplo. O objetivo é propiciar a igualdade de oportunidades e reduzir a desigualdade social, possibilitando aos cidadãos a participação efetiva na sociedade digital.

No Brasil, as principais políticas públicas que buscam promover a inclusão digital são:

  • Gov.br: tem como objetivo garantir acesso às informações e serviços públicos digitais.
  • Proinfo: promover o uso da tecnologia como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino público por meio do repasse de orçamento para aquisição de equipamentos e oferta de capacitação.
  • Cidades Digitais: tem objetivo de transformação digital por meio da construção de redes de fibra óptica que interligam os órgãos públicos locais e oferta de Wi-fi em  espaços públicos.
  • Computadores para inclusão: apoiar e viabilizar iniciativas de promoção da inclusão digital por meio dos Centros de Recondicionamento de Computadores (CRC).
  • Programa Wi-fi Brasil (Gesac): comunidades em estado de vulnerabilidade social. 1- GESAC Ponto de Internet: instalado em locais específicos como instituições públicas, escolas, bibliotecas, telecentros, unidades de saúde, comunidades quilombolas, aldeias indígenas, assentamentos rurais e outros. 2 – GESAC Livre (inclui roteador): instalado normalmente em praças públicas com acesso livre e gratuito ao público em geral.  
  • Programa Internet para todos: a proposta visa dar apoio às prefeituras municipais para a oferta de conexão com preço reduzido (no site há exemplos de precificação e de serviços ofertados). O objetivo do Programa é promover conhecimento, informação e até diversão, melhorando a comunicação e democratizando o acesso à internet, o que resulta em inclusão digital e social.
  • Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações: expansão dos serviços de telecomunicações por meio de apoio a projetos. O subprograma 2.5 visa construir infraestrutura de rede de acesso de alta capacidade, inclusive as redes metropolitanas, em municípios ou setores censitários. O subprograma 2.6 busca conectar pontos públicos de interesse à internet em banda larga. Já o subprograma 2.7 objetiva disponibilizar condições subsidiadas para conectividade em alta velocidade para famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social.  

Percebe-se, no entanto, que as políticas públicas, programas e ações voltadas para a inclusão digital no Brasil têm se limitado, em grande medida, apenas no acesso à internet, e deixam de lado outros elementos igualmente importantes, a exemplo do uso transformador e da apropriação tecnológica.

Estamos no caminho certo?

O investimento em infraestrutura tecnológica e a distribuição de computadores aos alunos e aos cidadãos de baixa renda são muito importantes, sem dúvida nenhuma, mas não são suficientes para colocar o nosso país no mapa da inovação e nem na sociedade digital. Diante desse cenário, cabe se perguntar: estamos no caminho certo?

Com esse olhar focado majoritariamente no acesso à internet, as políticas públicas do Brasil deixam a desejar e erram feio.

Por exemplo, a Lei nº 14.533, de 2023, que cria a Política Nacional de Educação Digital (Pned) e que utilizará dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e do Fundo de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), se concentra na promoção e na melhoria de infraestrutura de tecnologias da informação e comunicação (TICs) e no acesso às mesmas, reproduzindo falhas estruturais de políticas passadas, as quais não olharam, com devida atenção, para os demais elementos constituintes da inclusão digital: uso potencializador e apropriação tecnológica.

Embora a lei mencione a inclusão digital em alguns momentos, seu objetivo principal é incluir aulas de computação, programação e robótica nas escolas, o que na verdade não fomenta, de maneira completa, a inclusão digital dos cidadãos brasileiros na sociedade do conhecimento e na economia digital.

No texto original da Lei nº 14.533, de 2023, a educação digital com foco no letramento digital e na oferta dos componentes curriculares ditos acima, seria instituída  no ensino fundamental e no ensino médio. No entanto, a mensagem de nº 32, de 11 de janeiro de 2023, enviada pela subchefia para assuntos jurídicos da Presidência da República ao Presidente do Senado Federal, expõe o veto presidencial do parágrafo 11 da Lei, o qual previa a instituição da educação digital como componente curricular obrigatório, afirmando que a adição de novos elementos curriculares obrigatórios na Base Nacional Comum Curricular precisa ser aprovada pelo Conselho Nacional de Educação e ser homologada pelo Ministro de Estado de Educação.

Esse percalço institucional e burocrático freia o  progresso e a tentativa de promover  a inclusão no Brasil, em certa medida, no curto e no médio prazo, onde, por um lado, será necessária uma articulação interministerial e entre os poderes para tornar o artigo 11 realidade enquanto do outro lado, as comunidades vulnerabilizadas irão continuar a mercê do atraso tecnológico, aguardando uma luz aparecer no fim do túnel.

Embora seja direcionada para o campo da educação, a abrangência da Lei é muito ampla, tornando a implementação, gerenciamento e monitoramento das ações pelos órgãos responsáveis ​​muito difíceis, o que tende a reproduzir os erros de programas anteriores voltados para a inclusão digital. É notória a ausência de programas nacionais direcionados a grupos específicos, como comunidades rurais, indígenas e quilombolas, com ações e metas específicas de acordo com cada realidade, o que tornaria a execução mais eficiente. Como a Pned se caracteriza como abrangente e não consegue preencher as lacunas ditas acima, a tendência é que os erros dos passados sejam repetidos.

Infelizmente, o presente vivencia os mesmos erros cometidos em um passado recente, o que pode construir um futuro sustentado pelo retrovisor do atraso. A inclusão digital não pode se limitar a visões arcaicas. É preciso que novos agentes, com novas visões e munidos de conhecimentos técnicos e inovadores sejam inseridos nos processos de decisões para que haja alguma sinalização de mudança de rota.

Os múltiplos atores da Inclusão Digital no Brasil

Nenhum ator, de forma isolada, consegue promover a inclusão digital em um país tão multifacetado como é o Brasil. O interessante é que mesmo com a atuação conjunta dos mais diversos setores da sociedade, lacunas persistem em não serem preenchidas e muitas demandas tendem a ser silenciadas.

Dito isso, conheça quais são os principais atores que promovem a inclusão digital no Brasil:

  1. Organizações sem fins lucrativo: Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint); Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom); Associação Nacional para Inclusão Digital; Coalização Direitos na Rede e o Instituto Nupef. Há muitas outras organizações que atuam na pauta, não se limitando apenas nessas. 
  2. Governo: o Sistema Nacional para a Inclusão Digital (SinDigital) é composto pela Estratégia Brasileira de Transformação Digital (E-digital), a qual busca alinhar as ações do governo federal relacionadas ao mundo digital com o objetivo de tirar proveito do potencial das tecnologias digitais para melhorar o desenvolvimento econômico e social, incluindo inovação, competitividade, produtividade, emprego e renda no país. A Anatel ao ter como seu novo slogan “conectar o Brasil para melhorar a vida de seus cidadãos”, lança o plano estratégico e de gestão para o avanço das telecomunicações no Brasil. Durante o ano de 2022, o Ministério das Telecomunicações  se reuniu com empresários e, principalmente, com o bilionário Elon Musk para discutir sobre a ampliação da conectividade em 19 mil escolas e a proteção da Amazônia através do uso de tecnologias desenvolvidas por empresas do empresário.  No mesmo ano, o Ministério discutiu a importância do 5G para promover a inovação e o avanço tecnológico no BrasilNo início do presente ano, o Ministério publica uma resolução que traz mudanças para o uso do FUST sob o argumento da ampliação do acesso à internet no país, principalmente nos setores da educação e da saúde, bem como nas regiões distantes dos grandes centros urbanos e para as camadas da população mais necessitadas. 
  3. Setor empresarial: tem uma forte presença na promoção da inclusão digital no Brasil, desde a oferta de conexão à internet através de infraestrutura tecnológica até a parceria com instituições não governamentais, apoiando com recursos financeiros e técnicos, para executar projetos e ações que ajudem a promover e a fortalecer a inclusão digital. Desta forma, o setor empresarial une esforços para a construção de pontes entre os demais setores em prol do acesso, do uso e da apropriação da tecnologia. 

Fatores que têm impactado a pauta da inclusão digital no Brasil nos últimos anos

Apesar dos avanços, no que tange a promoção do acesso à internet e as tecnologias, ainda há desafios a serem superados para garantir a inclusão digital no país, incluindo a falta de infraestrutura de internet de qualidade em áreas remotas e de baixa renda, a falta de acesso a dispositivos tecnológicos e a falta de capacitação para usar a tecnologia.

Outros desafios que precisam ser superados para garantir a inclusão digital no Brasil incluem:

  • O baixo número de políticas e programas que promovam a inclusão digital de pessoas com deficiência e idosos, bem como o baixo nível de acessibilidade das tecnologias.
  • O baixo número ou ausência de políticas e programas que promovam a inclusão digital de comunidades indígenas e quilombolas, que muitas vezes vivem em áreas remotas e de difícil acesso.
  • O baixo número ou ausência de políticas e programas que promovam a inclusão digital de pessoas de baixa renda e com menor acesso à educação, que muitas vezes não têm acesso a serviços financeiros e têm dificuldade para usar a tecnologia.
  • O baixo número ou ausência de políticas e programas que promovam a inclusão digital de mulheres, pessoas negras e outros grupos historicamente desfavorecidos, que muitas vezes enfrentam barreiras para acessar a tecnologia e a internet.
  • O baixo número ou ausência de políticas e programas que promovam a inclusão digital de pessoas que vivem em áreas rurais.
  • O baixo número ou ausência de políticas e programas que promovam a inclusão digital de pessoas que vivem em áreas de conflito, como favelas, que muitas vezes não têm acesso a serviços básicos e têm dificuldade para usar a tecnologia.

Esses desafios precisam ser superados para garantir que todos os cidadãos brasileiros tenham acesso à tecnologia e à internet e possam usufruir dos benefícios da inclusão digital. É importante que o governo, as empresas e as organizações sem fins lucrativos trabalhem juntos para superar esses desafios e garantir que todos os cidadãos possam acessar e se beneficiar das tecnologias digitais.

Debate público e científico no Brasil

Os principais pontos que podem emergir no debate público e científico sobre a pauta da inclusão digital no Brasil incluem:

  1. Acesso à internet: Como garantir que todas as pessoas tenham acesso à internet de qualidade e a preços acessíveis?
  2. Habilidades digitais: Como capacitar as pessoas para que possam aproveitar plenamente as oportunidades criadas pela tecnologia?
  3. Internet nas escolas: Como garantir que todos os alunos tenham acesso às ferramentas digitais e à educação em tecnologia de que precisam para se preparar para o mundo digital?
  4. Inclusão digital no mercado de trabalho: Como garantir que as pessoas tenham as habilidades digitais necessárias para serem competitivas no mercado de trabalho?
  5. Afalfabetismo digital: Como lidar com as desigualdades digitais que podem aumentar a desigualdade social?
  6. Comunidades e grupos vulnerabilizados: Como atender, de forma eficiente, as demandas das comunidades rurais, dos povos indígenas e quilombolas, dos idosos, das pessoas com deficiência, pessoas de baixa renda, entre outros?

Lacunas e demandas dos múltiplos atores sobre a inclusão digital no Brasil

  1. Acesso à internet: há uma grande lacuna no acesso à internet de qualidade e a preços acessíveis, especialmente em regiões remotas e de baixa renda.
  2. Modelos alternativos de conectividade: as redes comunitárias se mostram como alternativas de conectividade para inserir, digitalmente, comunidades subrepresentadas e distantes dos grandes centros urbanos.
  3. Habilidades digitais: necessidade de capacitação e educação em habilidades digitais para que as pessoas possam aproveitar plenamente as oportunidades criadas pela tecnologia.
  4. Inclusão digital nas escolas: necessidade de investimento em tecnologias educacionais e em programas de capacitação para professores para garantir que todos os alunos tenham acesso à educação em tecnologia de que precisam.
  5. Inclusão digital no mercado de trabalho: necessidade de investimento em programas de capacitação e treinamento para garantir que as pessoas tenham as habilidades digitais necessárias para serem competitivas no mercado de trabalho.
  6. Desigualdade digital: necessidade de políticas e programas para lidar com as desigualdades digitais que podem aumentar a desigualdade social.
  7. Segurança cibernética: necessidade de investimento em segurança cibernética para garantir a segurança das pessoas e das empresas na era digital.
  8. Participação da sociedade civil e setor privado: necessidade de envolver a sociedade civil e o setor privado na implementação de políticas e programas de inclusão digital.
  9. Inclusão digital para grupos vulneráveis: necessidade de políticas e programas específicos para garantir a inclusão digital de grupos vulneráveis, como idosos, pessoas com deficiência, pessoas de baixa renda, entre outros.
  10. Inclusão digital para a população rural e de áreas remotas: necessidade de políticas e programas para garantir a inclusão digital das pessoas que vivem em áreas rurais e remotas.
  11. Papel das tecnologias digitais no atendimento às necessidades das comunidades indígenas e quilombolas: necessidade de políticas e programas para garantir que as tecnologias digitais sejam utilizadas de forma ética e responsável para atender às necessidades das comunidades indígenas e quilombolas.

É importante que continuemos a trabalhar para garantir que todos tenham acesso à tecnologia e à internet, para que não haja desigualdades na sociedade. Isso inclui políticas e programas governamentais, iniciativas privadas e organizações sem fins lucrativos, e a educação e a capacitação para que as pessoas possam se beneficiar plenamente das oportunidades que a tecnologia oferece. A inclusão digital é um desafio constante, mas trabalhando juntos, podemos garantir que hoje e no futuro, todos tenham acesso às tecnologias e informações para construir uma sociedade mais justa, igualitária e desconectada dos erros do passado.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Graduando de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. Atua como estagiário no Instituto de Referência em Internet em Sociedade (IRIS). Bolsista do Programa Policy Fellows (2022) do LACNIC. Participante do Programa IGF Youth Ambassador (2022) promovido pela ISOC. Foi bolsista da South School on Internet Governance (Argentina, 2020). Atuou como pesquisador Internacional sobre conectividade rural e inclusão digital pelo LACNIC no ano de 2020, atuando como Líder 2.0 na América Latina e Caribe.

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