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Sobre bancos e moedas virtuais

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10 de junho de 2019

De um lado, bancos, com sua burocracia, centralização, regulação, segurança; de outro, criptomoedas, com sua confiança no sistema, livro-razão distribuído, livre de políticas econômicas, oscilações. Em primeiro olhar, títulos como o do documentário “Banco ou Bitcoin” (Uma tradução peculiar do título em inglês “Banking on Bitcoin”) parecem retratar uma realidade inescapável. Seria possível a coexistência pacífica entre serviços de moeda virtual e bancos?

Antagonismo platônico e criptomoedas no mundo ideal

Faz sentido começar pela diferença entre o dinheiro que usamos para comprar comida, pagar boletos, que podemos guardar na conta no banco (reais, pesos, dólares, euros, etc.), e as criptomoedas (Bitcoin, Ethereum, Ripple, Litecoin, etc.).

Uma moeda tem 3 características: serve como reserva de valor, unidade contábil e meio de troca. As criptomoedas são um tipo de ativo virtual que, quando bem-sucedida, abarca essas 3 características. Entretanto, o elemento “cripto” – além de significar “escondido, secreto”, em geral implica em uso de criptografia para duas inovações em relação ao que estamos acostumados a chamar de moeda: não ter necessariamente valor fiduciário, ou seja, não ser garantido por um Estado ou autoridade pública, e não ser livremente emitida por uma autoridade.

Como isso é possível? Por meio da tecnologia blockchain, a qual já foi explicada aqui no blog do IRIS e neste Bytes de informação, no canal do youtube.

A criptomoeda é produto da cultura Cypherpunk, que questiona o papel de intermediários, especialmente governos, nas transações do dia-a-dia. A ideia é substituir essas pessoas por sistemas automatizados, independentes e seguros, baseados em criptografia.

O sistema de blockchain elimina a necessidade de um poder central confiável que checa cada transação e registra os valores transferidos. Em sua concepção, a criptomoeda seria uma forma de realizar transações em larga escala sem precisar de bancos.

Intermediários de criptomoedas

Ocorre que nem tudo ocorreu conforme o planejado pelos cypherpunks. As pessoas não deixaram de contar com intermediários para gerenciar suas transações – nem mesmo as adeptas das criptomoedas. Tampouco surgiu uma única criptomoeda que seria “a” moeda digital.

Existe hoje grande diversidade de criptomoedas cujo “lançamento” no mercado ocorreu não por uso espontâneo para pagamento, mas por compra dos usuários, como se fossem ações – as ICO, ou Initial Coin Offerings. A presença de empresas que realizam emissão, transferência, compra e venda e administração de carteiras de criptomoedas no mercado é um fato.

Ainda assim, a proposta inicial de liberdade de regras e anonimato possibilitaram episódios como o da Silk Road, site onde se podia adquirir substâncias ilícitas por pagamento em criptomoeda. Esse caso é usado para associar liberdade e anonimato à imagem de práticas ilícitas moralmente condenáveis. Como forma de coibir fluxos financeiros ilícitos por meio dessa tecnologia, a Receita Federal editou, em 2019, Instrução Normativa que obriga empresas que prestam serviços de criptomoeda a registrarem e informarem mensalmente o Fisco sobre transações.

Entre a competição e a cooperação

O discurso de antagonismo entre criptomoedas e moedas, contra o controle de sistemas financeiros por governos, também coloca bancos como parte do problema. Como resposta a esse contexto negativo, alguns bancos têm questionado a própria legitimidade de serviços de criptomoeda enquanto suas clientes. No Brasil, a prática dos bancos de encerrar contas de empresas de criptomoedas é investigada em inquérito aberto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Abrindo outro caminho, o CEO da Ripple, Brad Garlinghouse, defende que, tal como outros novos formatos que emergiram com a internet em outras áreas, moedas virtuais não competem com sua suposta correspondente no mundo físico. Seu modelo de negócios, em oposição à proposta cypherpunk, é atuar junto ao sistema, interligando a infraestrutura financeira de pagamento transfonteiriço.

Ele argumenta ainda que grandes bancos são os que controlam transações internacionais e de grande porte. Assim, a grande maioria de pequenos bancos que usam desses serviços podem tirar proveito da tecnologia de blockchain para fazer transações globais a um custo menor. Como os clientes seriam bancos, elas estariam de acordo com diretrizes anti-lavagem de dinheiro, como medidas de conheça-seu-cliente e registro de transações.

A dualidade desvio-ponte da criptomoeda

Essas duas perspectivas nos mostram que uma tecnologia pode ser usada para gerar situações de conflito mas também de aprimoramento da realidade. O ideal das criptomoedas conflita com o sistema bancário ao tentar desviá-lo, corrigindo problemas do controle governamental e oferecendo alternativas. Porém, dependendo do uso feito delas, pode-se também investir em fortalecer esse sistema, transformando-as em pontes entre diferentes bancos, dando a estes maior eficiência e abrangência internacional.

Para mais sobre como funcionam criptomoedas, recomendo assistir a este Bytes de informação sobre Criptomoedas e Blockchain!

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Coordenadora de Pesquisa e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestra em Direito da Sociedade de Informação e Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Membro dos grupos de pesquisa Governo eletrônico, inclusão digital e sociedade do conhecimento (Egov) e Núcleo de Direito Informacional (NUDI), com pesquisa em andamento desde 2010.

Interesses: sociedade informacional, direito e internet, governo eletrônico, governança da internet, acesso à informação. Advogada.

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