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Proteção de crianças e adolescentes online: panorama, efemérides e atualização

20 de maio de 2024

Um olhar geral, explicações sobre o Dia Nacional e informações da agenda atual para que você compreenda e se sensibilize com o tema

Você sabia que o dia 18 de maio é nacionalmente dedicado ao enfrentamento da violência sexual contra a infância e adolescência? Soube que na semana passada o Senado dedicou dois dias de audiência pública ao debate da proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais?

O IRIS tangencia essa temática ao atuar em várias frentes, desde a moderação de conteúdo, passando pela proteção de dados pessoais, até a conexão significativa. Em especial, temos investigado o tema no contexto do respeito aos direitos humanos em investigações criminais envolvendo comunicações privadas online.

Nesse texto, além de abordar a audiência e nossa pesquisa, queremos detalhar melhor o dia 18/05 e o conceito de violência sexual online, além de oferecer uma breve lista de dicas práticas.

 

A história do 18 de maio

Vamos começar com uma história trágica que marca essa data. Em 18 de maio de 1973, na cidade de Vitória, no Espírito Santo, foi sequestrada e assassinada a criança Araceli Cabrera Sánchez Crespo, de apenas oito anos de idade. Ao ser encontrada, seis dias depois, seu corpo estava desfigurado por ácido e exibia marcas de violência sexual. Os dois principais suspeitos, de famílias influentes na cidade, chegaram a ser processados, mas nunca foram punidos.

Então, no ano 2000, o dia 18 de maio foi definido pela Lei Federal nº 9.970 como “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”, a partir da mobilização de dezenas de entidades públicas e privadas. A ideia é lembrar de que diariamente um número imenso de outras crianças Aracelis sobrevivem e buscam justiça no Brasil.

Entre várias atividades e eventos, destacou-se a iniciativa “Faça Bonito: Proteja nossas Crianças e Adolescentes. Surgida em 2008 (e atualmente amparada pela Resolução nº 236/2023 do Conanda), a mobilização tem como símbolo uma flor amarela e laranja, em referência aos desenhos da primeira infância, e associada à necessidade de cuidado e proteção para um desenvolvimento saudável. Justamente essa flor inspirou a campanha “Maio laranja”, instituída no Pará pela Lei Estadual nº 8.618/2018, em busca de promover reflexões sobre o assunto durante todo o mês.

Ainda em 2011, instituiu-se o Prêmio Neide Castanha, com o nome da reconhecida assistente social, falecida em 2010, e que homenageia instituições ou pessoas com destaque na defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Esse ano, em 14 de maio, aconteceu a 13ª edição, no Plenário Ulysses Guimarães da Câmara dos Deputados.

Conceito de violência sexual online

Tanto quanto no mundo presencial, existem inúmeras possibilidades de uso adequado da internet, que podem oferecer oportunidades abrangentes e novas perspectivas bem sucedidas para crianças e adolescentes, em especial as que se encontram vulnerabilizadas. Porém, há também vários riscos, como exposição a conteúdo impróprio, ou o contatos com adultos com intenções sexuais e comportamentos contrários ao bem-estar próprio e de outros, conforme relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sobre a situação das crianças no mundo digital, de 2017.

O conceito de violência sexual se refere de forma ampla a qualquer ato ou tentativa de coerção, manipulação ou imposição física para obter uma atividade sexual sem consenso, incluindo estupro, abuso sexual, assédio sexual e exploração sexual. Essa categoria de violência pode ocorrer em diferentes contextos, tais como relacionamentos íntimos, família, trabalho, educação e conflitos armados.

E para crianças e adolescentes, a Internet também tem se mostrado um ambiente que exige cuidados. Particularmente no mundo online, podem ser destacadas três modalidades de violência sexual: sexting, sextortion e grooming:

  • Sexting é o envio de mensagens de cunho sexual, com texto, áudio, vídeo ou imagens;
  • Sextortion é a coação da vítima, por meio de ameaça ou agressão, para que assuma um comportamento de cunho sexual que não teria por livre escolha; e 
  • Grooming é o estabelecimento gradual de conexão emocional com a vítima, manipulando sua confiança, afeto e vulnerabilidades a fim de realizar uma exploração sexual.

PL 2628 e audiência pública no Senado

Em outubro de 2022, foi apresentado o projeto de lei nº 2.628/2022, que “Dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais”.

O texto inicial, redigido pelo Senador Alessandro Vieira, passou em junho de 2023 pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, onde foi aprovado o relatório do Senador Flávio Arns, favorável à proposta, sem mudanças. Todavia, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o relator Senador Jorge Kajuru apresentou um parecer com várias emendas, desfigurando a ideia original em vários pontos importantes e abrindo espaço para a submissão de outras sugestões de alteração. Em fevereiro de 2024 um texto substitutivo foi aprovado na Comissão, e enviado para apreciação na Comissão de Comunicação e Direito Digital.

A fim de ampliar os debates, nos dias 14 e 15 de 2024, a Comissão recebeu uma série de especialistas para discutir publicamente o Projeto de Lei nº 2.628/2022, que trata da proteção de crianças e adolescentes na internet. Entre as pessoas convidadas, além de nossa diretora Ana Bárbara Gomes, participaram Maria Mello, do Instituto Alana; Bruno Bioni, do Data Privacy; Francisco Brito Cruz, do InternetLab; Alana Rizzo, do YouTube Brasil; e Fernando Gallo, do TikTok Brasil, e vários outros nomes.

Os registros em vídeo, lista de participantes, apresentações de tela e notas taquigráficas, tanto do primeiro quanto do segundo dia, podem ser acessados no site da Comissão.

Em sua fala, a fim de auxiliar no amadurecimento de uma regulação democrática e protetiva, Ana Bárbara Gomes Pereira abordou quatro preocupações centrais a partir do texto do projeto que está sendo atualmente considerado:

  • Devido Processo de Moderação de Conteúdo: urge, em especial em tempos de desinformação, que seja imposto às plataformas o necessário dever de observar procedimentos nítidos para controlarem a circulação do que é publicado e os perfis, com garantias contra abusos, transparência ativa, salvaguardas que evitem os abusos ou ineficiência, por exemplo, mantendo canais de denúncia simplificados, agindo com rapidez, aumentando as equipes de análise em português, e priorizando denúncias envolvendo direitos de crianças e adolescentes; 
  • Segurança da Informação: provedores de aplicação não devem ser obrigados a reduzir o nível de proteção tecnológica de suas plataformas, o que implicaria comprometimento na experiência de todo mundo, incluindo crianças e adolescentes, e em especial no âmbito das mensagens instantâneas privadas, que devem ter uma regulação distinta na lei em relação aos procedimentos de denúncia de violência sexual, notadamente os parâmetros de armazenamento, sob o risco de criar uma grande vulnerabilidade de dados extremamente sensíveis e potencialmente danosos à saúde e segurança;
  • Acompanhamento parental e acesso à conteúdo: deve ser resguardada a privacidade de crianças e adolescentes de acordo com a sua fase do desenvolvimento, assegurando explicitamente e sem ambiguidade que o acompanhamento parental não imponha o acesso da família ao conteúdo das comunicações, de modo a garantir os direitos de livre desenvolvimento da personalidade, liberdade de expressão e de informação, entre outros; e
  • Conectividade Significativa e Políticas Públicas: deve ser garantido um conjunto de medidas e ferramentas, por padrão, para formação, orientação e proteção na inserção digital de crianças e adolescentes (sem alimentar a falácia de que seriam “nativos digitais”, naturalmente preparadas estar e interagir na internet), incluindo questões como o consumo de telas  e outros desafios enfrentados por grande parte das famílias brasileiras sem diretrizes e parâmetro de boas práticas para se protegerem online, cabendo ao Estado e sociedade assumir o compromisso da proteção compartilhada, sendo necessário haver coordenação e complementaridade nos esforços regulatórios e nas políticas públicas sobre o tema, com harmonia normativa, sem sobretrabalho e, principalmente, alcançando quem usa a internet com eficiência e fortalecendo direitos.

Com o conjunto de subsídios que foram apresentados nas audiências públicas, cabe agora ao Senador Flávio Arns, novamente relator do PL, apresentar sua nova proposta para o texto. Em seguida, será aberto um novo prazo para que outros Senadores proponham mudanças.

Caso seja aprovado, na tramitação prevista até o momento, ele seguirá diretamente para a Câmara dos Deputados. O texto do projeto de lei já passou por vários momentos, oscilando entre uma qualidade mediana e redações absolutamente ruins. A atenção da sociedade civil tem sido fundamental para evitar prejuízos maiores, por exemplo, na redução de garantias já asseguradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescentes.

Dicas práticas para o mundo online

Enquanto o Congresso Nacional não conclui a análise do PL 2628, o que as pessoas comuns podem fazer no dia a dia? Quando se trata da segurança online de crianças e adolescentes, a prevenção é essencial.

Por isso, listamos cinco dicas práticas para ajudar familiares e responsáveis na proteção dessas pessoinhas em desenvolvimento enquanto navegam na internet. 

  • Conheça: entenda sobre os serviços, demonstre interesse sobre os interesses da sua criança ou adolescentes e saiba quem são as pessoas com quem há conversas e amizades, permitindo reconhecer potenciais sinais de riscos e problemas;
  • Aprenda: todo serviço, app ou plataforma tem sua forma de operar, o que exige o aprendizado constante sobre as muitas particularidades, e o site De Boa na Rede organiza informações sobre como proteger crianças e adolescentes em cada uma das principais redes sociais, além de jogos e sistemas de celulares.
  • Dialogue: impedir o uso de redes sociais por crianças e adolescentes não vai trazer benefícios, sendo mais eficiente estabelecer um diálogo aberto e seguro sobre as tecnologias, com uma comunicação sem restrições, a fim de prevenir contra violências sexuais;
  • Proteja: garantir a segurança online é uma parte contínua e integrada da proteção a crianças e adolescentes, sendo central seu envolvimento na definição de regras, adoção de ferramentas tecnológicas, e gerenciamento das configurações de privacidade; e
  • Ajude: se eventualmente houver uma situação de desconforto ou até de violência, não hesite em procurar os meios cabíveis para encontrar amparo, seja para explicar a que sua criança ou adolescente não tem nenhuma culpa, seja para denunciar ilegalidades aos órgãos e autoridades competentes.

Esse conjunto de dicas é uma síntese inspirada em diversos materiais sobre o tema produzidos por UNICEF (em inglês e português), OMS – Organização Mundial da Saúde, INHOPE – International Association of Internet Hotlinese, e NSPCC – National Society for the Prevention of Cruelty to Children. A ideia é simplificar e facilitar a compreensão sobre a urgência desse tipo de cuidado, que não se resolve com uma ou outra ação, mas com um conjunto constante de medidas.

E para além desse tipo de estratégia mais prática, como saber mais sobre o tema?

Nossas pesquisas e outros materiais

Ao final dessa jornada sobre de onde vem o 18 de maio, o que se tem debatido e o que aconteceu esse ano, para onde você poderia direcionar sua atenção? Se você se interessou pelo assunto e quer saber mais sobre a proteção online de crianças e adolescentes, a primeira coisa que podemos dizer é que estamos desenvolvendo o projeto “Segurança da Informação e Proteção de Crianças e Adolescentes: Discursos e Propostas Regulatórias no MERCOSUL”.

Nossa intenção é conhecer a situação na Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela (em especial no tocante a ambiente com criptografia), e planejamos publicar já alguns achados muito em breve. Antes disso, você já pode conferir pelo menos três materias nossos, diretamente pertinentes:

  1. Violência Sexual Online e Criptografia 
  2. “Tão especial para não compartilhar com o mundo”: como o sharenting pode afetar a vida das crianças 
  3. Café & Chat I Crianças e Adolescentes Online

E por fim, acompanhe nossas redes sociais, onde frequentemente divulgamos materiais nossos e de outras organizações como referências sobre esse e outros temas da governança da internet.

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