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A arena da Governança da internet como espaço para a consolidação de direitos

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26 de julho de 2022

Nas últimas décadas a internet se tornou ferramenta central para a dinâmica de uma sociedade contemporânea altamente globalizada. Modernizou processos, viabilizou pontes sociais, financeiras, intelectuais e, junto a centralidade adquirida, agregou diversos atores interessados em não apenas fazer parte, mas incidir sobre a internet que se constrói a cada dia. É esse ecossistema de governança que, de diferentes formas, incide na gestão dos recursos críticos da rede – que vão desde aspectos técnicos e infraestruturais, que garantem sua funcionalidade e estabilidade, mas também contempla a definição dos princípios que devem conduzir o seu desenvolvimento ao redor do globo.

Os desafio são muitos 

A internet, por sua natureza descentralizada e transfronteiriça, traz desafios a serem pensados a nível global e enfrentados com ações coordenadas que busquem manter seu caráter aberto e interoperável – isto é, para que dispositivos diferentes, de diferentes lugares e modelos possam estar conectados e aptos a se comunicar. Por outro lado, aspectos legais, socioculturais, técnicos, econômicos, geográficos despontam como pontos de atenção para a construção de soluções que compreendam a complexidade de uma rede tão extensa e de função social fundamental na atualidade. Num país de extensão continental, como o Brasil, a própria universalização da internet ainda é um horizonte distante e, com 1 a cada 4 brasileiros desconectados da rede, vemos um cenário de inclusão digital incompleto e insuficiente, que se sobrepõe a desigualdades históricas experienciadas no país. No nosso tempo, a consolidação do direito à internet deve ser vista como uma pauta essencial para a promoção da cidadania. 

Hoje, diferentes setores da sociedade se vêem econômica e estruturalmente dependentes de um bom funcionamento da rede – Empresas, governos, cidadãos, seja para fins logísticos, seja para fins sociais. Até mesmo a manutenção dos nossos processos democráticos são inevitavelmente atravessados pelas dinâmicas online. Essa capitalidade da pauta faz com que seja necessário trazermos à mesa representantes de diferentes setores, e as pautas e desafios a serem debatidos nos próximos anos são muitos. 

O Brasil protagonizou momentos importantes na governança da internet, tal como a aprovação do Marco Civil da Internet. O texto, que estabelece os direitos e deveres para o uso na rede do Brasil, virou referência mundial como uma regulação baseada em direitos civis, na contramão de abordagens punitivistas. A lei serviu de subsídio para o fortalecimento do cenário regulatório sobre internet no Brasil, que mais tarde aprovaria a Lei Geral de Proteção de Dados (2018) e, hoje, segue amadurecendo pautas regulatórias que reforcem direitos e enfrente os desafios contemporâneos – como a propagação de fake news, a moderação de conteúdo na rede, ou o enfrentamento à ameaças vigilantistas com o aumento do fluxo e tratamento de dados.

O modelo multissetorial brasileiro é referência e nos coloca muito bem localizados no debate internacional. Sua manutenção é importante para o fortalecimento de uma internet democrática e aberta – inclusive em seus aspectos processuais. Além disso, o espaço da governança é estratégico para a luta pelos direitos humanos, para a garantia da liberdade de expressão e associação, e para a inclusão e desenvolvimento dos indivíduos e sociedade. 

Processos estratégicos 

A Governança da internet tem como um de seus princípios o estímulo à inovação e, talvez, seu maior desafio seja uma inovação capaz de integrar e atender todas as suas demandas e diversidade numa governança democrática e colaborativa. Para construir a internet que queremos, aberta e inclusiva, lidamos hoje com obstáculos regulatórios, entraves técnicos, sociais e o desafio de formar uma comunidade de usuários apta a exercer a sua cidadania online. O modelo multissetorial brasileiro, como já mencionado, é uma referência global – e deve ser utilizado como ferramenta para democratização dos processos e resultados. 

Por fim, vale lembrar sempre que nossos desafios são multidisciplinares. Quando se fala na complexidade da rede mundial de computadores, um mesmo problema deve ser atacado por soluções coordenadas entre diferentes atores e setores. A solução será complexa, multissetorial e inclusiva, e a arena da governança da internet é espaço estratégico para fortalecer e universalizar uma rede que é tão dinâmica e diversa quanto a sociedade que a constrói.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Diretora do Instituto de Referência Internet e Sociedade, é mestranda em Política Científica e Tecnológica na UNICAMP. É formada em Ciência Sociais pela UFMG. Foi bolsista do Programa de Ensino Tutoriado – PET Ciências Sociais, onde desenvolveu uma pesquisa sobre o uso de drones em operações militares e controvérsias sociotécnicas. Fez parte do Observatório de Inovação, Cidadania e Tecnociência (InCiTe-UFMG), integrando estudos sobre sociologia da ciência e tecnologia. Tem interesse nas áreas de governança algorítmica, vigilância, governança de dados e direitos humanos na internet.

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