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Por dentro da distribuição de processos do STF

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20 de setembro de 2018

No dia 13/09/2018, a equipe da Universidade de Brasília (UnB) responsável por examinar o sistema de distribuição de processos do Supremo Tribunal Federal (STF) publicou um parecer com os resultados de sua avaliação. No post de hoje, entrevistamos o professor Henrique Araújo Costa, um dos pesquisadores do grupo, a respeito do processo e das conclusões.

Sistemas de distribuição de processos e a demanda por transparência

A regulação jurídica da distribuição de processos, procedimento que determina quais julgadores ficarão responsáveis por quais causas, estabelece que essa distribuição deve ocorrer de forma alternada, aleatória e igualitária (art. 285 do CPC). Esse procedimento é realizado por meio de algoritmos computacionais em muitos tribunais brasileiros, incluindo o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O funcionamento interno desses programas é bastante obscuro, o que levanta questões importantes ligadas à transparência e segurança dos sorteios.

Quando o ministro Teori Zavascki faleceu num acidente aéreo no início de 2017, a questão de quem seria sorteado para relatoria dos processos ligados à operação lava-jato atraiu muito interesse público. A definição do relator de um processo influencia amplamente seu andamento, o que provoca curiosidade ainda maior em torno do sistema.

Como alerta o criptógrafo Diego Aranha: “Ao contrário da percepção comum, não há nenhuma garantia de que máquinas precisam funcionar como esperado, e seu funcionamento correto depende tanto da habilidade do programador em projetar algoritmos quanto de sua resistência a manipulações externas”.

Pensando nisso, o STF lançou um edital para uma avaliação de seu sistema em maio deste ano, a qual foi efetivada pela equipe da UnB e teve como produto o parecer.

Os resultados da avaliação e os espaços de melhoria do sistema

Segundo o professor Henrique Costa, não há “nada de errado” com a forma como a distribuição é feita atualmente. A distribuição foi classificada por ele como “muito boa”, embora existam “espaços de melhoria”.

Um desses espaços seria a documentação do sistema. Segundo o parecer, “representantes do STF informaram que existem documentos e planilhas que explicam parte da solução, mas que não existe uma documentação completa dos softwares e componentes.” Nesse sentido, o texto recomenda “documentar procedimentos (processos de trabalho) para melhorar o grau de governança das seguintes rotinas: classificação, autuação e distribuição de processos;” bem como do desenvolvimento do software, sobretudo na implementação de novas versões.

Outra melhoria possível na visão do pesquisador seria “mesclar os pareceres com diálogos, e passarmos a ter reuniões e, inclusive, audiências públicas, se for o caso, para que todos possam responder num ambiente mais institucional e possamos andar para frente”. Na mesma linha, ele apontou a importância da alternatividade entre as instituições responsáveis pela avaliação ao longo do tempo.

Por que não divulgar o código-fonte?

No parecer, a equipe da UnB se posicionou favoravelmente à divulgação do código-fonte e pontuou que o sistema não se resume a ele. Não obstante esse ponto, os pesquisadores afirmam que “dentro da perspectiva de um trabalho em construção” a abertura desse código seria “desejável como um dos marcos evolutivos do processo de distribuição.”

A Comissão do STF, por outro lado, alega em seu relatório (que pode ser encontrado junto ao parecer no link acima) que “o PARECER apresentado não detalha eventuais riscos e não esclarece os motivos que fundamentaram a sugestão de publicação dos códigos-fonte; considerando-se, ainda, que, por opção da EQUIPE UnB, não houve acesso efetivo aos códigos-fonte e demais componentes que integram a solução de distribuição de processos”. Isso seria, segundo a Comissão, impeditivo para que chegassem à mesma conclusão a respeito da divulgação do código.

Na visão do professor Costa, a questão pode ser invertida: “se não há vulnerabilidade na divulgação, por que não divulgar?” ponderou o pesquisador.

“Se ele não for divulgado, tudo continua como está. Ninguém vai descobrir nada de errado, porque de fato não tem, mas o que vai acontecer é que as pessoas continuarão criando narrativas, hipóteses e perguntas. Acontecerá uma distribuição e todos dirão que aquele ministro ou o outro ministro recebeu por indução, que aquilo não era aleatório, etc. Então o mal de não divulgar é que se educa menos as pessoas. E ao educar menos, há mais espaço para conspiração e sensacionalismo.” refletiu ele.

Finalmente, o professor reiterou que se trata de um trabalho em construção e informou que a equipe da UnB encontra-se disponível para “seguir nesse trabalho e esclarecer tudo que eventualmente não tiver ficado claro”.

A íntegra da entrevista está disponível abaixo.

A avaliação envolveu encontros para apresentação dos aspectos legais, procedimentais e tecnológicos da distribuição, bem como visitas técnicas à seção do STF responsável por essa distribuição. Como se deram esses encontros e visitas?

Como você pode ver, a Comissão do Supremo é uma comissão que tinha participantes tanto da presidência quanto da Secretaria Judiciária – parte mais operacional que entende dos processos – e da parte de T.I.. Eles tinham uma composição multidisciplinar. Quando nós demandávamos algum esclarecimento mais aprofundado numa dessas frentes, eles chamavam outras pessoas. Tivemos uma série de entrevistas onde nivelamos nosso conhecimento e checamos algumas coisas e depois tivemos acesso a uma sala com segurança e tudo o mais, na qual poderíamos ver o código e fazer perguntas. Foi assim que o trabalho se desenrolou.

Na equipe da UnB havia pessoas da área jurídica e também pessoas da área tecnológica. O acesso ao código por parte dessas pessoas da área tecnológica foi considerado satisfatório?

Sim. Veja, quando entramos para ver um código desses, não adianta entrarem só pessoas de tecnologia que não tenham uma visão do contexto. Elas precisam entrar assistidas. E aí eu estava presente e nós consideramos que foi suficiente para emitir a opinião que emitimos. Agora, é claro, eu já falei isso em outras entrevistas, isso é um trabalho em construção. Tudo pode melhorar. Então nós ficamos felizes por ter tido a chance de iniciar um diálogo e de ter um conhecimento suficiente para recomendar a divulgação do algoritmo. Por enquanto é isso.

Ao fim dos encontros, a equipe da UnB considerou mais adequado apresentar um parecer contendo diversas recomendações sobre o sistema que um relatório exaustivo abordando ponto por ponto (como previa o Edital). De que forma o grupo foi levado a optar por essa escolha de apresentação dos resultados, em oposição ao relatório?

Isso é uma pergunta interessante que eu posso responder de uma forma simples. Acho que isso nos escapou porque nós, quando somos chamados, nossa linguagem é a linguagem de parecer, então demos um parecer. Mas chamar um papel de parecer ou de relatório não muda nada sua essência. O que acontece é que o edital fixou alguns quesitos e esses quesitos nós consideramos que nem todos seriam necessários para nos manifestarmos sobre o cerne da questão.

Então nós nos manifestamos sobre aquilo que consideramos maduro e achamos que era um caminho possível nos limitarmos ao que falamos e concluir o que concluímos. Eu me lembro que a resposta do Supremo diz, em algum momento, que estaria disponível para um trabalho complementar. E nós estamos dispostos a seguir nesse trabalho e esclarecer tudo que eventualmente não tiver ficado claro.

O senhor pode dar um exemplo de algum desses pontos que o edital sugeria que fossem apresentados de forma mais exaustiva, mas que isso não seria necessário na avaliação da equipe da UnB? E em função de que?

É bom lembrar que eu estou submetido a um termo de sigilo, então há aspectos que eu vou preferir que se busque o próprio Supremo, mas eu diria que é apenas uma questão de identificar o cerne do que precisamos nos manifestar. Primeiro essa questão da transparência e que nós apresentamos uma opinião isenta ou, pelo menos, uma opinião que não é da instituição, e sim de um terceiro. E essa opinião é no sentido de que se não há vulnerabilidade na divulgação, por que não divulgar? Eu acho que existe um pouco essa inversão. Não tentamos justificar por que deve ser publicado, tentamos investigar o contrário: qual a razão de não divulgarem? Essa é a questão.

Agora, existe uma série de perguntas lá que nós não avaliamos por serem colaterais. Elas não são nenhuma espécie de desvio. O que importa é que o Supremo fez uma coisa pela primeira vez ao lançar esse edital e nós atendemos, mas é uma coisa que não é tão quente do ponto de vista da notícia. O fato é que, muitas vezes, quando você vai desenvolver um trabalho, esse trabalho pode ter algum rendimento nessa dinâmica de entrar, auditar e se manifesta. Isso é uma possibilidade.

Agora, existe uma outra possibilidade mais rica, a qual ainda não tivemos condição de fazer, que é o diálogo. E essa dinâmica do diálogo é muito mais flexível e permite que muito mais progresso seja feito. Esses retornos que nós fizemos, na verdade, parecem ficar mal-explicados, como se não tivéssemos respondido tudo. No diálogo isso não acontece, não é verdade? Porque você diz: “Olha, eu acho que a melhor pergunta é essa, essa e essa” ou “Os aspectos que podemos fazer com o tempo e os recursos que temos são esses, e depois disso teremos mais clareza sobre o assunto e poderemos aprofundar”. Eu vejo isso dessa forma: O que um parecer pode fazer e o que o diálogo pode fazer.

Isso toca na questão de divulgar ou não divulgar o código. A posição da equipe no parecer é de que não existem riscos envolvidos na divulgação do código. Podem existir, na avaliação do grupo, riscos envolvidos em não divulgá-lo? Como, por exemplo, a existência de bugs ou vulnerabilidades que passariam despercebidos?

Se ele não for divulgado, tudo continua como está. Ninguém vai descobrir nada de errado, porque de fato não tem, mas o que vai acontecer é que as pessoas continuarão criando narrativas, hipóteses e perguntas. Acontecerá uma distribuição e todos dirão que aquele ministro ou o outro ministro recebeu por indução, que aquilo não era aleatório, etc. Então o mal de não divulgar é que se educa menos as pessoas. E ao educar menos, se tem mais espaço para conspiração e sensacionalismo. Eu acho que é isso.

Um dos pontos que o grupo toca no parecer diz respeito ao fato de que embora a questão de divulgar ou não o código-fonte do software de distribuição receba muita atenção, a transparência em relação ao sistema não se limita a isso. Que outros aspectos a equipe considerou significativos no que se refere à transparência desse sistema e por quais motivos?

Se você procurar, uma das recomendações e sugestões mais substanciosas que fizemos foi melhorar a divulgação das certidões de distribuição. O que isso significa? Melhorar a forma que a documentação do processo é feita desde o momento que o processo chega na instituição até ser remetido aleatoriamente para um julgador.

O que ocorre hoje? Vou tomar a liberdade de explicar uma coisa um pouco mais tecnológica. Todo o processo judicial foi construído sobre a metáfora do documento. Autos de papel, documentos, certidões, toda essa burocracia. E o processo eletrônico replica essa lógica, de uma maneira até inocente. Quando você começa a entrar numa abstração maior que é essa do fluxo de trabalho, ou de como é a rotina, de quais são os dados e de como eles podem ser consultados de uma maneira massiva para que se tenha uma visão dada por um subconjunto de dados, isso é totalmente diferente da abordagem da metáfora de um monte de papel empilhado.

E o que nós estamos tentando sugerir é que é importante que os dados a respeito do processamento e da distribuição, tanto da parte que a prepara quanto da parte que efetivamente realiza esse sorteio, deveriam estar disponíveis de uma maneira em que cada cientista ou cidadão tivesse condições de formular suas hipóteses e testes, montar seus gráficos e fazer suas consultas. Então uma das recomendações que fazemos é no sentido de evoluir a maneira de prestar informação.

Há uma questão que envolve o preparo anterior a essa distribuição, que diz respeito a uma mudança que o STF passou nos últimos anos: de distribuir processos agrupados por classe para distribuí-los individualmente. O senhor poderia comentar a respeito disso?

Quando um processo chega em qualquer tribunal, atualmente a lei diz que sua distribuição deve ser imediata. Isso significa dizer que ele não pode ficar esperando um sorteio, ele tem que chegar e ser sorteado. Imagine uma situação em que um tribunal qualquer decidisse só receber novos processos após julgar todos os que já estão acolhidos por ele. E aí o seu processo, por exemplo, fica sem um responsável e você não tem sequer a quem recorrer.

Isso é uma situação ilegal, no entanto a lei não permite mais isso ao definir que a distribuição deve ser imediata. Aí eu volto a pergunta para você: dizer que a distribuição deve ser imediata significa que cada processo deve ser sorteado no segundo que chega ou nós podemos fazer lotes e distribuir diversas vezes ao longo do dia?

Essa é uma pergunta, na verdade, cuja resposta depende da interpretação que é feita. Eu entendo que não há objeção aos sorteios acontecerem em diversos lotes ao longo do dia. Não é necessário sortear o processo assim que ele chega. A questão é que se o sorteio ocorre processo a processo, o cuidado com a segurança precisa ser maior.

Se o sorteio acontece em blocos de processo, por exemplo, a cada hora com os processos recebidos nessa hora, essa segurança passa a ser feita de uma forma mais fácil. Isso porque ninguém consegue dominar um sorteio dentro de um lote, enquanto alguém consegue, em tese, dominar um sorteio que seja avulso. Essa é a questão. Então são escolhas: quando se escolhe fazer uma distribuição avulsa, processo a processo, o cuidado tem que ser maior. Se se escolhe fazer uma distribuição por lotes significa que ninguém jamais dominará a distribuição de um processo avulso. Isso é mais barato, é mais fácil. É só uma questão administrativa a ser considerada, não é a vulnerabilidade.

Além do ideal de aleatoriedade na distribuição, o sistema também fica responsável por garantir igualdade na divisão de trabalho entre os ministros. Quais mecanismos são empregados para garantir isso, inclusive a nível técnico? Na sua visão e na do parecer da equipe, existe regulamentação suficiente em torno desses mecanismos de compensação?

Essa é uma pergunta interessante porque envolve vários conceitos e dá margem a muita especulação. O fato é o seguinte: nem todo ministro recebe a mesma carga de trabalho no mesmo dia, porque eles podem estar doentes, viajando, afastados ou em funções distintas e o sistema precisa criar técnicas de compensação para que alguns ministros, ao superar esse impedimento que tiveram – digamos que por estar em viagem -, para que então ao voltar receba um pouco mais do que os outros e ter a mesma carga de trabalho.

E aí surgem as dúvidas: essa compensação, será que ela fere a aleatoriedade? E isso é a pergunta que é comumente feita. E a resposta é a seguinte: ela não fere a aleatoriedade, o que ocorre é que ao longo do tempo em que vai acontecer a compensação, alguns ministros concorrerão com uma chance um pouco maior que as de outros. Ao longo do tempo, essa compensação se estabilizará e as diferenças dia a dia ficam diluídas ao longo do tempo.

Esse é um mecanismo bem engenhoso que é pouco conhecido, mas ele existe. E a compensação ataca esse problema: como fazer a distribuição de trabalho igualitária entre os ministros. Ela não tem nenhuma vulnerabilidade ou problema. É só que as pessoas talvez não estejam prontas para compreender que um ministro pode receber mais que o outro e que isso não fere a aleatoriedade.

Ela só feriria a aleatoriedade se ela fosse uma compensação sem nenhum limite. Imagine que você seja um ministro, e no dia em que você voltasse de viagem, todos os processos caíssem para você. Imagine esse cenário. Aí feriria a aleatoriedade. Mas há controles no sistema para que isso não aconteça. Se você for um ministro que sai e fica sem receber processos, quando você voltar, durante algum tempo, você vai receber um pouco mais. É assim que se compatibiliza carga de trabalho e aleatoriedade na distribuição.

Isso no nível da forma como a coisa é realizada. E no nível da regulação normativa desses mecanismos, como o senhor avalia a relação entre esse processo e o arcabouço existente no que tange o modo ao como a compensação deve ser feita?

A possibilidade da compensação é regulada. Agora, e isso é algo que eu sempre friso para nunca passar a mensagem errada e ser tirado de contexto, tudo na vida pode ser melhorado, até uma coisa muito boa tem espaço para melhora. A distribuição do Supremo é uma coisa muito boa que, ainda assim, tem espaço para melhora. E em qualquer sistema corporativo avaliado são encontrados espaços de melhoria.

Um dos espaços de melhoria existentes no STF diz respeito a documentação e justificativa de todas as alterações realizadas para que não exista nenhuma margem. Nossa contribuição é muito mais no sentido de melhorar a qualidade da documentação que de modificar o que está em andamento. É necessário estabelecer um registro das informações referentes à justificativa, granularidade, frequência, segurança, etc.

Tudo isso precisa estar presente, não basta que funcione. E eu diria até que em qualquer auditoria realizada em qualquer tribunal, órgão público ou empresa, essa vai ser uma recomendação universal. Não significa uma vulnerabilidade, e sim um espaço para melhora.

Antes do Edital, o STF havia ignorado e mesmo negado pedidos realizados através da Lei de Acesso à Informação para publicização do código, alegando falta de ‘previsão normativa’ acerca disso. O STJ também já negou divulgar o código do seu algoritmo sob alegações de motivos de segurança. O TSE tem adotado uma atitude similar, impondo restrições significativas aos pesquisadores que realizaram a avaliação da urna eletrônica, como remover trechos inteiros do código-fonte durante a realização do teste de segurança para aumentar a dificuldade do teste, por exemplo. Como o senhor enxerga essa atitude de alguns órgãos judiciais diante da demanda social por transparência no uso das novas tecnologias?

É importante frisar bem que eu estou respondendo uma pergunta sobre a minha opinião sobre outros tribunais. É a minha opinião. Não estou dando a opinião da equipe e nem da Universidade. E a minha opinião sobre isso é que o ciclo de demanda por transparência que estamos vivendo demandará, também das instituições, um aprendizado e um preparo.

Embora a transparência seja desejável, ela tem ônus, e nós temos que ter, em nossas instituições, formas de fazer frente a esse ônus, para que não tenhamos mais esse tipo de resposta. Uma resposta que esbarre, por exemplo, nessa argumentação de segurança, que na verdade não é de segurança, e sim, talvez, de indisponibilidade de meios, de falta de preparo para que isso ocorra.

É uma consequência da demanda pela transparência que precisa ser enfrentada e provida. Não acho que esse tipo de justificativa vá prevalecer no longo prazo.

O senhor falou que tudo está em construção e tudo pode ser melhorado. Na sua avaliação em relação à forma como a avaliação do sistema de distribuição do STF foi realizada dessa vez, que aspectos o senhor enxerga que poderiam ser aprimorados para as próximas avaliações, por exemplo?

Isso é interessante, porque como eles fizeram algo num modelo diferente, não temos muitas referências para dizer se melhorou ou piorou em função de ter sido a primeira vez. O que eu acho, e isso também está no parecer, é que não seria tão importante ter muitas instituições trabalhando ao mesmo tempo.

Isso é o que o edital queria no início e acabou não se concretizando porque só nós aparecemos. Então eu acho que é melhor ter alternatividade entre instituições propositoras e fiscalizadoras e entre as instituições ao longo dos anos. Isso por uma questão de rotina de trabalho, pois é uma coisa tão complexa e extenuante que poderia ficar bagunçado caso houvesse gente demais. Então, eu faria isso, eu acho que deve ser alternado: primeiro uma, depois outra, e sempre mudando para que ninguém fique dono desse assunto.

Outra coisa que eu acho que pode melhorar também é mesclar os pareceres com diálogos, e passarmos a ter reuniões e inclusive audiências públicas, se for o caso, para que todos possam responder num ambiente mais institucional e possamos andar para frente. Eu tenho o maior prazer de colaborar com a imprensa, mas isso tem suas limitações. Se houvesse um espaço realmente oficial para que esse debate ocorresse eu acho que seria uma coisa muito boa.

Para concluir: o interesse em torno desse tema está ligado a uma questão mais ampla sobre o papel cada vez maior que a tecnologia assume no Poder Judiciário. Nessa linha, quais os principais desafios que o senhor considera que enfrentaremos nos próximos anos no que diz respeito à informatização do campo jurídico?

Essa pergunta é muito difícil, mas eu vou responder a partir de um enfoque que tem me angustiado bastante: o das falsas promessas. Temos que tomar consciência do que realmente é possível e do que ainda não é possível. Então embora seja um campo muito promissor, não podemos nos tornar reféns de promessas vazias.

Eu acho que nós ainda passaremos por um tempo no qual diminuiremos nossas expectativas a respeito das conquistas da tecnologia. Hoje estamos muito aquecidos e acreditando que a tecnologia é a saída para muitas coisas. Isso leva a falsas expectativas.

Então teremos, eu acredito, um desaquecimento em relação a isso porque iremos nos frustrar um pouco com as conquistas que a tecnologia está trazendo. E assim que nos frustrarmos um pouco será ótimo, porque a partir de então começaremos a atuar mais dentro das possibilidades de uma evolução gradativa e dolorosa. Eu acho que é isso.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

É diretor do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Mestrando em Divulgação Científica e Cultural pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e bacharel em Antropologia, com habilitação em Antropologia Social, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do núcleo de coordenação da Rede de Pesquisa em Governança da Internet e alumni da Escola de Governança da Internet no Brasil (EGI). Seus interesses temáticos são antropologia do Estado, privacidade e proteção de dados pessoais, sociologia da ciência e da tecnologia, governança de plataformas e políticas de criptografia e cibersegurança.

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