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Para desinformação não ser lei: propostas contra “fake news”

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10 de dezembro de 2018

A propagação de informações sem embasamento em fatos, inverídicas ou imprecisas não é um problema novo. O uso de tecnologia informacional para produzir, direcionar e propagar, estrategicamente e com fins políticos, sim. O que vem sendo proposto, em termos regulatórios, para fazer frente às campanhas de desinformação?

O preço da informação

A produção de informação, no sentido de seleção de enfoques, pautas, direcionamento, quem produz, foi transformada pelo avanço do tratamento de dados proporcionados pelo digital. Especialmente, a coleta de dados, realizada por aplicativos de uso disseminado em dispositivos pessoais, contribuíram para essa nova realidade comunicacional. Junto com a informação, entretanto, circulam a desinformação e a má-informação, hoje categorizadas em 7 tipos distintos conforme conteúdo, motivação e meio de propagação.

Ganhamos poder de comunicar e colocar informação na internet. Mas participar de redes sociais ou ter cadastro em aplicações implica em fornecer dados – que serão usados para enquadramento em um perfil. O direcionamento de publicidade por perfil de interesses tem sido o modelo de negócios de aplicações online. Dados são o pagamento pela liberdade de acessar e disponibilizar informação.

A liberdade de expressão, sempre associada à capacidade democrática de uma população, carrega consigo uma contrapartida em responsabilidade que começa a ganhar atenção do mundo jurídico.  Qual o limite de uso desses dados? Com quem eles podem ser compartilhados? Como auditar o uso e o compartilhamento deles entre parceiros comerciais? Considerando a transnacionalidade dessas empresas, qual o regime jurídico aplicável nessas relações? Quais os riscos do perfilamento de usuários para direcionamento de conteúdo a ser mostrado a eles?

O que desinformação tem a ver com perfilamento?

Em especial, o escândalo envolvendo a “Cambridge Analytica” fez essas pautas ganharem a mídia nos últimos tempos. A empresa comprou de um pesquisador um pacote de dados de milhões de usuários do Facebook. Esses foram obtidos por meio de um questionário de teste de personalidade (que acabava dando acesso aos dados dos amigos de quem o preenchia). Com base neles, identificou grupos de opinião e plantou notícias falsas direcionadas a fim de manipular o resultado das eleições estadunidenses.

Nesse caso, houve prática já bastante conhecida, de direcionamento de conteúdo produzido sob medida para grupos específicos de pessoas – utilizado em relações públicas e marketing para ampliar venda e popularidade de produtos. A finalidade para a qual foi usada também não difere do que muitos veículos de mídia vêm promovendo há décadas – influência na opinião pública acerca de determinado fato.

A novidade está na combinação desses dois aspectos com o uso de tecnologia para perfilamento e implantação sistemática de notícias falsas.

O que se convencionou chamar de fake news é mais do que um fenômeno social cotidiano, deixou de ser mero acidente, erro jornalístico ou brincadeira de mau gosto. As pessoas têm ao alcance um acervo comum de informações, mas a maneira como elas chegam a cada uma é cada vez mais personalizada. O envio sob medida de desinformação tem efeitos no imaginário social. Antes da Cambridge Analytica, em 2016 houve o caso do hacker Andres Sepulveda, que diz ter usado um exército de bots para promover a campanha presidencial no México.

Por essa diferença entre um uso descuidado das mídias sociais e a adoção estratégica de perfilamento e direcionamento de conteúdo falso, autores e ativistas propõem o uso do termo “Campanhas de desinformação” em vez do jargão fake news, que passa a ideia de acidentalidade.

O crescimento da prática gera preocupações jurídicas com a responsabilização de quem provê esse tipo de ambiente por torná-lo seguro. Não há confiança de que a “mão invisível” da verificação de fatos (fact checking) por terceiros independentes seja suficiente. Algumas propostas de regulamentação de notícias falsas têm sido ventiladas e são hoje pauta em algumas casas legislativas, inclusive a brasileira.

Quando o legislativo encontra a desinformação

Busca no site da Câmara dos Deputados brasileira por projetos de lei com os termos “fake news” resulta em doze propostas. Todas são posteriores a fevereiro de 2018 (embora haja projetos mais antigos apensados). Referem-se à influência desse tipo de conteúdo em aspectos políticos, em especial em campanhas eleitorais.

Chama a atenção que todas buscam a criminalização da prática. Adotam, ainda, variados termos para defini-la. Entre eles, “oferecer”, “publicar”, “distribuir”, “difundir”, “criar”, “divulgar”, “compartilhar”, “participar nas tarefas de produção e divulgação”, “propagar”, “transmitir” notícias inverídicas. A maneira como os projetos propõem tratar essas condutas enfrenta problemas em três frentes: o tipo de solução jurídica que busca, o que quer combater e a quem volta o olhar para impedir as campanhas de desinformação.

E se a desinformação for crime?

O primeiro problema é justamente esse: propor tratamento no âmbito penal. Isso contradiz as justificativas para os projetos, de que a desinformação “não deixa rastros”. Isso quer dizer que é fácil quem criou e propagou desinformação intencionalmente permanecer anônimo. É fato que existem iniciativas semelhantes ao redor do mundo: a Malásia aprovou em 2018 a primeira lei que criminaliza fake news com pena de até seis anos de prisão. Mas essa não é uma medida recomendada.

A ONU, na Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão, Fake News, Desinformação e Propaganda, reconhece que a criminalização de condutas como difamação e similares é muito restritiva e deve ser abandonada. Também aponta que proibições genéricas de disseminação de informação sem uma definição precisa devem ser abolidas.

Em maio de 2018, apresentou-se, no Senado Federal, uma proposta diversa de lei, que busca alterar o Marco Civil da Internet para atribuir multa diária a descumprimento de ordem judicial que determina indisponibilização de conteúdos falsos pelo provedor de aplicações. Esse projeto pode ser um sinal de mudança no tratamento legislativo do tema, porém, é só um dos 13 que hoje tramitam no Congresso.

O que pode ser considerado desinformação?

A indefinição dos termos usados nas propostas e seu direcionamento para tratar da desinformação em campanhas eleitorais também dá margem para censura. Isso pois propõe remoção de conteúdo considerado inverídico ou que possa ferir a honra de terceiros. Especialmente nesse último caso, a verificação é subjetiva e os curtos prazos para providências que se pretende inserir nas leis penais e eleitorais podem ocasionar retirada de pauta de discussão pública de assuntos relevantes.

Esse tipo de proposta se afasta da tendência internacional de garantir a liberdade de expressão e comunicação, em que a principal obrigação dos governos é abster-se de interferir e garantir um ambiente favorável ao debate pluralista, conforme declarado no documento da União Europeia sobre combate à desinformação em linha.

Quem responde por uma campanha de desinformação?

Outro ponto frágil nas propostas encontradas é a equiparação entre quem cria e quem dissemina a notícia. O status de infrator é conferido tanto ao agente mal-intencionado quanto à própria vítima, que compartilha aquela notícia com seu círculo social.

As propostas enquadram somente o candidato político ou as instituições difamadas como vítimas. Isso desconsidera que o risco da campanha de desinformação reside no prejuízo à transparência e tomada de decisão pública informada. Ainda, pode-se destacar o fato de duas propostas serem, elas próprias, motivadas por desinformação acerca das notícias falsas, conforme análise feita por agência de jornalismo investigativo.

Ou seja, todos somos vítimas em um cenário de ampla disseminação de desinformação, o que torna questionável um tratamento desde o ponto de vista penal, ou mesmo reparatório no âmbito civil, desse tipo de atitude. Os danos de uma campanha de desinformação são sentidos mesmo que haja posterior retratação; a errata dificilmente tem o mesmo alcance da notícia inverídica.

Boas práticas contra desinformação

Buscando alternativas ao ineficaz tratamento penal ou repressivo e mirando a prevenção, um relatório publicado pela Universidade de Yale levanta a hipótese de ferramentas jurídicas. O foco não é no conteúdo, mas nos métodos de distribuição de informação. Isto é, poderia haver regulamentação sobre os bots de impulsionamento de conteúdo, tornando mais fácil identificar sua fonte e responsáveis.

 

A comunicação “Combater a desinformação em linha: uma estratégia europeia” aponta algumas medidas, como: proatividade das plataformas na identificação de notícias falsas, ampliação dos meios de responsabilização dos agentes veiculadores de desinformação e promoção de conteúdo confiável na internet.

Especificamente para redes sociais, aponta-se: transparência sobre o direcionamento de anúncios, bem como bloqueio de contas falsas, identificação de robôs, disponibilização de conteúdo diversificado e auditoria dos dados pela academia e especialistas. Também há enfoque na verificação de fatos, no apoio ao jornalismo de qualidade e na educação dos usuários em matéria de “alfabetização midiática”.

Todas essas medidas foram propostas tendo em consideração consulta ao público sobre fake news e desinformação online. Nela, a maioria dos participantes considerou de grande importância o papel das redes sociais na questão.

Tendo em vista essas recomendações, um parecer acerca dos projetos de lei em trâmite no Brasil foi emitido por comissão do Congresso Nacional no primeiro semestre de 2018. Recomendou-se mais debates para compreender a complexidade do assunto. Mas, frente ao caráter penal dos projetos em trâmite, acabou-se por indicar melhor definição dos elementos nos projetos de lei, tais como dosimetria e responsáveis.

Controle sobre quem acessa o quê

A possibilidade de censura por um controle governamental de fluxos de informação sempre causa temores. A autorregulação ou regulação multisetorial para a questão podem ser interessantes a fim de evitar isso.

Entretanto, a declaração conjunta da ONU sobre desinformação admite a possibilidade de restrições à liberdade de expressão. Controle de conteúdo se aplica a casos de interesse reconhecido pelo direito internacional e para prevenir ódio, incitação à violência, hostilidade e discriminação. São admitidas, inclusive, restrições que vão além da jurisdição e que afetem populações fora do território no qual são reguladas.

O bloqueio de sites, IPs, protocolos e portas de acesso são considerados medidas extremas, que só podem ser adotadas quando previstas em lei e forem a única opção apta a proteger o interesse público ou algum direito humano.

Os usuários que compartilham ou promovem conteúdo sem ser autores são protegidos, e as plataformas de disseminação, nesse modelo, também não são responsabilizadas. As campanhas de desinformação dependem de volume massivo de envios de mensagens automatizadas a partir de usuários falsos.

Talvez algum controle formal sobre a criação de contas automatizadas fosse mais efetivo do que punir quem recebe e compartilha notícias.

Isso traz de volta a questão dos dados: nenhum dos projetos de lei brasileiros de combate às fake news busca regulamentar o compartilhamento de dados entre diferentes atores do mundo digital.

Inclusive, intentou-se unificar as discussões, propondo, sem sucesso, apensar os projetos de lei sobre desinformação ao projeto da atual Lei Geral de Proteção de Dados, quando esta ainda tramitava. Ao considerar que as matérias não são correlatas, o legislativo demonstra estar abordando o tema de forma segmentada, embora os problemas sejam parte de um contexto maior.

Precisamos de visão abrangente sobre dados

As iniciativas internacionais, que buscam aliar os instrumentos jurídicos de combate à desinformação e os de proteção de dados, restringem o uso desautorizado e impõem transparência no tratamento dos dados de usuários. Enquanto isso, o legislativo brasileiro segue tratando os assuntos de forma dissociada. O perfilamento é visto como risco e a desinformação também, mas, ao olhar somente para um, trata-se de forma incompleta do outro.

A preocupação em definir o que é uma campanha de desinformação, quem pode ser responsabilizado, como prevenir sua propagação, assegurar a liberdade de comunicação e expressão na internet, são aspectos intrinsecamente ligados à regulamentação do uso de dados dos usuários.

Quem fornece seus dados pessoais e compartilha conteúdo tem papel secundário num mundo de coleta, tratamento e direcionamento de conteúdo. É preciso pensar em instrumentos jurídicos que vão além de apontar culpados e contornar os danos causados pela manipulação informacional. A regulamentação tem de estar atenta ao tratamento comercial e organizado de dados que impulsiona as campanhas de desinformação. Assim, as pessoas poderão ter autodeterminação perante os fluxos de informação, em vez de se deixar levar por eles.

Saiba mais acerca de influências da proteção de dados na União Europeia sobre o direito no Brasil em nosso paper GDPR e suas repercussões no direito brasileiro.

Algumas discussões sobre esse tema podem ser encontradas nos painéis do VIII Fórum da Internet no Brasil, que aconteceu em novembro de 2018.Caso você se interesse, assista aqui.

Número do PL Data de apresentação Ementa Autor partido
PL 9626/2018 27/12/2018 Altera os artigos 323, 324, 325, 326 e 327 e acrescenta o artigo 356-A à Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, bem como altera os §§ 1.º e 2.º do artigo 57-H da Lei n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997 – Lei das Eleições e acrescenta § 3.º ao mesmo dispositivo legal, para agravar as penas dos crimes eleitorais praticados por meio de veículos de comunicação. Carlos Sampaio PSDB/SP
PL 10915/2018 30/10/2018 Altera a Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral) para tipificar a divulgação por candidato de fatos sabidamente inverídicos (Fake News) no ano eleitoral e dá outras providências. Reginaldo Lopes PT/MG
PL 9973/2018 10/04/2018 Altera a Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral) e a Lei n° 9.504, de 30 de setembro de 1997 para tipificar a divulgação de fatos sabidamente inverídicos no ano eleitoral e dá outras providências. Fábio Trad PSD/MS
PL 9554/2018 07/02/2018 Acrescenta artigo ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para tipificar o crime de divulgação de informação falsa – fakenews. Pompeo de Mattos PDT/RS
PL 11004/2018 20/11/2018 Altera dispositivos da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral, para aperfeiçoar a tipificação do crime eleitoral de divulgação de fatos sabidamente inverídicos (notícias falsas). Jandira Feghali PC do B/RJ
PL 9532/2018 07/02/2018 Altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral, para dispor sobre as fake news e dá outras providências Francisco Floriano DEM/RJ
PL 10292/2018 23/05/2018 Altera os arts. 288 e 323 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral) para tipificar como crime eleitoral a criação, divulgação e o compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos, em ano eleitoral. Veneziano Vital do Rêgo PSB/PB
PL 9931/2018 03/04/2018 Tipifica o crime de divulgação de notícias ou informações falsas. Altera o Decreto-lei nº 2.848, de 1940; a Lei nº 12.965, de 2014 e o Decreto-lei nº 3.689, de 1941. Erika Kokay PT/DF
PL 9884/2018 27/03/2018 Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para tipificar a divulgação de informação falsa Fábio Trad PSD/MS
PL 9533/2018 07/02/2018 Altera a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências, para dispor sobre o incitamento através das redes sociais Francisco Floriano DEM/RJ
PL 9838/2018 21/03/2018 Tipifica criminalmente a conduta de quem oferece, publica, distribui, difunde notícia ou informação que sabe ser falsa em meios eletrônicos ou impressos. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 1940. Arthur Oliveira Maia PPS/BA
PL 9647/2018 28/02/2018 Dispõem sobre alteração na Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Heuler Cruvinel PSD/GO
PL 246/2018 22/05/2018 Acrescenta dispositivos à Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet), que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, para dispor sobre medidas de combate à divulgação de conteúdos falsos (fake news) ou ofensivos em aplicações de internet. Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa Senado

 

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

Escrito por

Coordenadora de Pesquisa e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestra em Direito da Sociedade de Informação e Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Membro dos grupos de pesquisa Governo eletrônico, inclusão digital e sociedade do conhecimento (Egov) e Núcleo de Direito Informacional (NUDI), com pesquisa em andamento desde 2010.

Interesses: sociedade informacional, direito e internet, governo eletrônico, governança da internet, acesso à informação. Advogada.

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