Paisagens urbanas e cenários distópicos: produzir cidades inteligentes para quem?
10 de janeiro de 2019
Filmado em 1982, o filme Blade Runner é ambientado na futurística Los Angeles de 2019, em um cenário repleto de carros voadores, verticalização de edificações e telões publicitários onipresentes. Apesar de o mérito da história ir bem além dos efeitos especiais e estética elaborada, é impossível negar a importância imagética da distopia de futuro que permeava a mente de Ridley Scott nos anos 1980. Os diversos elementos tecnológicos compunham uma espécie de cidade inteligente, porém vigilantista, em que passado (humano) e futuro (androide) disputavam os espaços em busca de reconhecimento, sobrevivência e, até mesmo, amor. Sob diferentes perspectivas, objetiva e subjetivamente, as paisagens das cidades inteligentes revelam mais que um horizonte de modernização tecnológica: representam e ressignificam as próprias disputas sociais no ambiente urbano. Mas a quem estão destinadas? É este o tema de nosso post esta semana.
Cidades inteligentes: da ficção à realidade
Na ficção de Blade Runner, uma espécie de delírio envolve espectadores por meio de recursos visuais e narrativos, entre eles a ubiquidade das formas de controle: o Voigt-Kampff, uma espécie de polígrafo de interrogação para verificar se alguém é realmente humano; o Spinner, carro voador utilizado para vigilância policial; e a inteligência artificial que percebe variações de humor, realiza reconhecimento facial e sugere práticas comportamentais perfiladas.
A arquitetura da cidade cinematográfica também reflete um aprofundamento das hierarquias sociais, em conformações urbanas nas quais os mais ricos vivem em ambientes elevados, amplos, limpos e silenciosos, enquanto as classes mais baixas disputam espaço nas ruas sujas e apinhadas, moram em apartamentos cubiculares e estão sujeitas às milhares de luzes e sons dos anúncios publicitários que lhes sequestram o olhar.
Com a confluência sem limites da alta-tecnologia em meio a poucos (e remanescentes) elementos biológicos, as distopias são, muitas vezes, narrativas centradas na perda do controle humano sobre o desenvolvimento da sociedade e da tecnologia, ou sobre os recursos naturais necessários à sobrevivência. Esse tipo de história relata a escassez, a marginalização e a insegurança provenientes da alegórica otimização das ações humanas em favor de um certo grupo e, costumeiramente, em detrimento de outros.
Embora as cidades ainda não estejam tomadas pelos carros que voam, o futuro imaginado para 2019 não está tão distante quanto se pode pensar. Com a crescente incorporação das novas tecnologias no cotidiano das cidades, vemos alguns desses mesmos elementos de Blade Runner apresentados sob a forma de inovações (carros autônomos, reconhecimento facial na ruas chinesas e em redes sociais, a Alexa da Amazon, etc.), que transformam qualitativamente também as formas de sociabilidade e de produção do espaço das cidades.
Diante do fenômeno global da cibercultura, é preciso questionar a chegada do futuro a fim de evitar que a vida imite a arte, assegurando às cidades sua função hegemônica, mas também condizente com a heterogeneidade de interesses e grupos que a compõem. Nessa confluência de fatores, direito, governos, mídias e tecnologias interagem das mais diversas maneiras.
Paisagens urbanas e inteligência a serviço da integração da cidade
A construção de modelos de desenvolvimento e renovação das cidades remonta a uma ideia constante de que há uma crise urbana a ser superada, e que ela decorre da ausência de mecanismos para assegurar crescimento econômico e bem estar social. A produção da cidade, ação humana por excelência, ocasionaria também o agigantamento do espaço e a incompreensão humana sobre sua totalidade. Em decorrência dessa sensação de crise, surge a perda de controle sobre áreas fundamentais da organização urbana.
Por estabelecerem programas de renovação focados em setores específicos, as cidades criativas e sustentáveis apresentam sua capacidade de transformação condicionada a uma visão fragmentada da cidade. Embora fundamentais para assegurar qualidade de vida, cultura e equilíbrio ambiental, não são capazes de, per si, estabelecer uma visão holística dos desafios enfrentados pelos centros urbanos. Políticas culturais expõem o risco de privilegiarem as manifestações de determinado grupo social, enquanto que ações ambientais podem excluir o potencial humano ao considerar apenas os efeitos negativos do impacto na natureza. Às críticas mais comuns a esses modelos, podem ser somadas também a pontualidade dos setores que são afetados pelos programas e índices de sustentabilidade: principalmente os de energia, água e transportes.
Muito embora esses setores sejam cruciais para o redesenho da malha urbana, a busca de eficiência localizada impossibilita uma abordagem compreensiva do fenômeno urbano. As cidades necessitam de ações que tenham não só alvos culturais, ou ambientais, mas que também vislumbrem a composição de um ambiente mais seguro, inteligente, saudável e financeiramente equilibrado.
O uso da tecnologia da informação já é imprescindível para a superação dos desafios criados pela urbanização, e os programas de renovação e potencialização das cidades adotam plataformas que priorizem a eficiência de custos e de recursos na elaboração de políticas de desenvolvimento, mas é necessário fazer com que as cidades sejam, além de criativas e sustentáveis, verdadeiramente inteligentes. Para isso, é preciso ir além da tecnologia.
As diferentes tecnologias empregadas na criação dessas cidades devem se basear em um modelo de inovações que seja, além de eficiente em termos de custos e recursos, inteligente, confiável e integrado. Esse deve ser o mote de elaboração do sistema a ser implementado. As cidades devem operar plataformas capazes de harmonizar as mais diversas áreas e elementos que as constituem, a fim de que as perspectivas de realização do indivíduo, seja na esfera pública seja no âmbito privado, estejam conectadas na rede de desenvolvimento e de proteção estabelecida.
É nesse sentido que a adoção do paradigma da paisagem urbana pode ser um fator de incremento às dinâmicas de inteligência propostas. Se por um lado as cidades inteligentes apresentam objetivos similares aos das cidades sustentáveis, a reconciliação entre economia e ecologia propagada naquelas deve estar a serviço não somente da interligação dos espaços verdes e das áreas construídas (a chamada green-gray integration), como também na garantia da conectividade e da multifuncionalidade dos espaços em um plano socialmente inclusivo.
Sendo o espaço da cidade também um espaço de fluxos com três camadas de suportes materiais, caberá ao circuito de impulsos eletrônicos promover uma estratégia de transformação do espaço que reafirme as referências culturais e identitárias daquela comunidade. A proposta é reunir os paradigmas culturais e ambientais na produção de uma plataforma propensa a revisar e atualizar os processos que já ocorrem na cidade, sem desprezar elementos que anteriormente eram considerados acessórios. A compreensão do espaço urbano a partir de sua paisagem resulta em uma equação que permite adicionar os elementos dos modelos anteriores e compor uma visão holística das questões a serem enfrentadas. A paisagem é o resultado da interação entre a cultura como agente e a natureza como meio.
A polissemia do conceito de paisagem carrega o potencial de estabelecer um sistema apto a delimitar um conjunto e sua funcionalidade, também no plano operacional, uma vez que a paisagem inclui as próprias coisas e também sua imagem, sua representação que é organizada em tipos, motivos e modelos, além de servir como uma forma caracteristicamente moderna de representação e encontro com o mundo externo, seja em suas qualidades gráficas e pictóricas, seja nos meios de conectar o indivíduo à comunidade, assim como em formas de representação gráfica como mapas, sinalizações, mobiliários urbanos, pinturas, fotografias, vídeos e filmes.
A compreensão da paisagem urbana ultrapassa o caráter meramente estético das formas de expressão e, ainda associada a seu componente pictórico, passa a incorporar valores e sentimentos humanos e sociais em uma experiência de referência mais visceral. Neste sentido, o território pode produzir também sensações de bem estar que são comercializáveis e voltadas aos interesses não somente das práticas sociais coletivas mas servem também à produção de valor de capital e conveniência transferível às relações de consumo.
Para lidar com a complexidade que resulta das interações entre os valores simbólicos, materiais e capitais que exsurge das dinâmicas do espaço urbano, o sistema de educação para a tecnologia deve envolver não somente uma agenda de inspiração digital mas também emancipatória. A capacitação dos agentes interessados para a composição de uma governança multinível, capaz de sublinhar a diversidade cultural e social que compõe a urbe, deve dialogar com um projeto coletivo de inovações técnicas a serem implementadas sob o critério de efetividade econômica e ambiental, mantendo-se com custos acessíveis que assegurem seu potencial inclusivo. Nesse sentido, a adoção de uma abordagem learning based pode se apresentar como um desafio estratégico para assegurar as 6 dimensões da inteligência urbana: Smart Economy, Smart Mobility, Smart Environment, Smart People, Smart Living, e Smart Governance.
Sob este aspecto, a formação de bancos de dados inteligentes sobre a cidade deve captar não apenas o equilíbrio dos caracteres naturais, da área construída e das relações que se estabelecem entre eles, mas também considerar paradigmática a viabilização de uma paisagem urbana que traduza não somente o bem-estar relacionado a estes caracteres, assim como os valores a serem partilhados pelos indivíduos que transitam e se relacionam nos espaços gerais da cidade, sejam eles públicos ou privados com impacto direto na fruição das áreas públicas. A cibercultura aponta para a presença de uma civilização da telepresença generalizada, na qual a física da comunicação atende à tendência à hibridização entre o espaço, o corpo e a informação estabelecendo uma passagem para as formas digitais de interação ao criar um universal por contato, a partir de um contínuo sem fronteiras onde a humanidade mergulha junto aos demais seres em um mesmo banho de comunicação interativa.
Tecnologia e suas acessibilidades possíveis
Entre os principais benefícios do emprego de tecnologia pelas cidades inteligentes, estão as variadas formas de inclusão e acessibilidade. A vasta disponibilidade de dados e métricas, aliada à internet das coisas (IoT – Internet of Things, em inglês), proporciona possibilidades de conexão há pouco tempo inimagináveis, até mesmo por diretores de ficção científica: dispositivos para captação de sons de arrombamento (segurança pública); sensores de volume de tráfego para a temporização automatizada de semáforos (eficiência no gerenciamento do trânsito); rastreamento geolocalizado de cargas e passageiros para geração de métricas de fluxo de processos e pessoas (mobilidade urbana); rega de plantas e árvores de acordo com o clima e a incidência solar diária (racionamento de recursos hídricos); e iluminação pública e privada por meio de sensores de movimento (eficiência energética).
Essas e outras aplicações no contexto urbano corroboram transformações profundas na paisagem das cidades, desde a experiência de mobilidade das interações entre automóveis e pedestres, até as relações estéticas estabelecidas entre a publicidade perfilada (vide item seguinte) e seus consumidores. Em constante transformação por intervenções no ambiente, a cidade inteligente pode também ampliar a capacidade de inclusão. De acordo com alguns estudos, a larga disponibilidade e acessibilidade de sensores e conexões de internet incorporam cada vez mais pessoas e objetos à lógica da produção e processamento de dados.
Por exemplo, portadores de necessidades visuais podem se beneficiar da liberdade proporcionada por carros autônomos. Sensores de presença de pedestres podem aumentar o tempo vermelho do semáforo para veículos, facilitando a travessia das ruas de acordo com a necessidade de cada pessoa. Quiosques e mapas interativos de informação podem ajudar turistas a navegar por uma cidade cujo idioma nativo eles não dominam. Meios de pagamento não monetário, e até mesmo sem a necessidade de inserção física (contactless), podem aumentar a segurança das transações, corroborar a regularização formal da circulação de dinheiro, evitar fraudes e facilitar o câmbio automático de diferentes moedas.
Outro exemplo importante de perfilamento publicitário inteligente foi uma campanha espanhola desenvolvida para crianças, contra a violência infantil, que era vista apenas por espectadores com menos de 1,35 metros (devido ao ângulo de visão dos tótens dos anúncios). Enquanto as crianças observavam uma imagem que remetia a formas de denúncia contra os agressores, seus acompanhantes, por serem mais altos, viam outro conteúdo. Essa foi uma maneira inteligente de direcionar diferentes mensagens que se gostaria de transmitir, visto que muitas vezes as crianças estão acompanhadas dos próprios agressores, mas de forma discreta e em um mesmo espaço, para espectadores distintos.
Marginalizações inteligentes: gentrificação e concentração geolocalizada de benefícios digitais
O que entendemos por inteligência na organização urbana também pode significar, a depender da forma como ela é implementada e aos interesses de quem ela serve, eficiência no desenvolvimento de processos de gentrificação e de concentração dos benefícios que inicialmente a justificam. Se o procedimento de “smartização” das coisas implica no emprego de tecnologia de ponta para a prestação de serviços no contexto urbano, também é possível que essa aplicação de recursos, direta e indiretamente, seja enviesada, assim como o são tantos outros atualmente.
Em seus estudos sobre a formação econômica brasileira e latino-americana, Celso Furtado enfatiza os processos de acumulação desigual de riquezas que ensejaram o que ele determina como subdesenvolvimento, provendo assim explicações sobre as origens de estruturas assimétricas que se busca eliminar por meio da indução ao desenvolvimento. Para o autor, seria incongruente que países e regiões subdesenvolvidas buscassem se desenvolver por meio de técnicas produtivas inadequadas a suas realidades culturais e geográficas. Essa importação de técnicas e métodos produtivos, em detrimento da valorização da natureza, da criatividade e da engenhosidade local, teria o condão de perpetuar relações de dependência com países produtores de tecnologia, além de aumentar o fosso de desenvolvimento entre essas regiões.
O mesmo processo pode ser observado em fenômenos recentes de assunção tecnológica por países e regiões em desenvolvimento. Em geral, são fenômenos que envolvem a importação de tecnologias, exigem o licenciamento de software e demandam a capacitação técnica de pessoal especializado. Além disso, a aplicação de novas tecnologias, ou de infraestrutura tecnológica, seja como política pública, seja como estratégia comercial da iniciativa privada, não é imediatamente disseminada. São incorporações pontuais, em locais e em mercados estratégicos. Essa seria uma reprodução das assimetrias de desenvolvimento internacionais também no âmbito interno, entre litoral e sertão, entre Sudeste e Nordeste, entre capital e interior, entre centro e periferia, e assim por diante.
Para Furtado, seria necessária uma “criatividade cultural” para superar a imposição social, política e econômica do capitalismo na contemporaneidade. Esse é um dos meios de inovar, seja no âmbito dos bens de propriedade intelectual, das estruturações produtivas e até mesmo das atividades sociais.
Sem levar em consideração aspectos culturais e a heterogeneidade dos povos, a sociedade conforma-se com as velhas estruturas reprodutivas de uma “marginalidade urbana” e de um “autoritarismo econômico”, capaz de “bloquear os processos sociais em que se alimenta essa criatividade, frustrando o verdadeiro desenvolvimento”. Nesse contexto impositivo, as relações de poder entre os agentes são assimétricas, a competição não é perfeita, e as teorias econômicas clássicas seriam insuficientes para explicar os contratempos ao desenvolvimento de regiões não industrializadas, ou que apresentam baixos índices de industrialização. Tendo em vista que o progresso econômico e a integração comercial dos povos não são homogêneos, o desenvolvimento regional requer diferentes estratégias de implementação, a depender dessas características locais.
Assim como a disseminação econômica e tecnológica não ocorre de forma homogênea pela sociedade (internacional ou nacional), as cidades inteligentes também têm o potencial de agravar marginalizações e concentrar alguns dos benefícios dessa digitalização do espaço offline. A própria China experimenta esse paralelo atualmente: um dos maiores níveis de desigualdade de renda no mundo e, no entanto, fácil acesso a tecnologias de ponta, como um dos principais exportadores (e criadores) do setor. Enquanto metade do país ainda é rural, pobre e desconectada das redes, a outra metade concentra investimentos nacionais e estrangeiros, produz inovação tecnológica nos mais variados setores, é hiperconectada e estabelece algumas das principais tendências internacionais do mercado tech. Segundo relatório da Thomson Reuters, a China tornou-se, em 2011, o país que mais depositou pedidos de patente no mundo, superando assim os tradicionais mercados norte-americano e japonês.
Essa distribuição desigual do capital informacional, especialmente por meio da disseminação tecnológica heterogênea, também tem seus reflexos no contexto digital, ou online. Denominada divisão digital, essa consequente heterogeneidade decorre de duplo princípio de fomento: a falta de capital produtivo e tecnológico, por si só, demanda menos capacitação e emprego de inteligência informacional em seu cotidiano; além disso, a desconexão hodierna provoca também preterimento nas escolhas mercadológicas de quem busca investir (de renda, educacional, racial, de gênero, entre outras).
Nesses contextos de desconexão, na ausência de políticas de desenvolvimento tecnológico estrategicamente direcionadas, reproduzem-se e aprofundam-se as razões pelas quais a própria desconexão existe, corroborando assim a conformação de novos bolsões de marginalização. Uma aplicação igualmente desigual dessas tecnologias tem o potencial de manter ou aprofundar as desigualdades notórias que enfrentamos no planejamento urbano. Enquanto a intencionalidade na produção dos lugares pode lhes atribuir valores de inclusão, inovação, sustentabilidade e progresso, também é possível que escassez, segregação e marginalização sejam a tônica da “smartização” das cidades do século XXI.
Cidades inteligentes exigem tecnologias capacitadoras ou transformadoras para sua institucionalização. No entanto, essa dimensão deve ser subsequente a planos estratégicos e democráticos no que diz respeito às escolhas de transformação da cidade intencionadas. A tecnologia melhora a qualidade de vida, mas a tecnologia não deve ser um objetivo por si só. Ao contrário, seu aproveitamento como ferramenta de progresso e evolução dos conceitos de cidade necessita ser sopesado mediante fatores também sociais, econômico-desenvolvimentistas e de ampliação da acessibilidade.
Conclusão
Em uma das mais belas cenas de Blade Runner 2049, talvez em um exercício de futurologia ainda maior em relação ao primeiro filme, o diretor Denis Villeneuve escolhe retratar K, o andróide interpretado por Ryan Gosling, em um momento de reflexão. Sozinho, K caminha sobre uma cobertura em frente a um outdoor de neon na chuvosa Los Angeles quando, após direcionar seu olhar para um outdoor, a personagem retratada no anúncio dele se aproxima e afirma: você parece solitário. Ao fundo, surge um letreiro que pisca os dizeres: Tudo o que você quer ouvir; tudo o que você quer ver.
Na paisagem distópica, o diálogo entre máquinas revela-se sintomático e um subterfúgio do roteiro centro-tecnológico para refletir o sentimento do protagonista. É o auge da individualização subjetiva na qual o andróide, tendo sempre vivido na certeza de sua condição, passa a questionar sua própria existência, na esperança de ser também humano. Sua única possibilidade de redenção é a alteridade.
Este também deve ser o objetivo central de qualquer sistema tecnológico e informacional a ser implementado nas cidades inteligentes. Para que o espaço produzido na urbe continue convergindo as percepções e expectativas individuais, é necessário calcar o modelo de inovações na busca da alta eficiência no uso de recursos e na redução dos custos de forma combinada com as máximas inteligência, confiabilidade e integrabilidade dos programas a serem implementados.
Uma cidade que pretenda superar as adversidades da urbanização de modo inteligente deve não apenas zelar pela qualidade ambiental com o uso racional dos recursos naturais. É necessário estabelecer modelos de otimização dos serviços públicos, mas também um sistema de educação para a tecnologia que apresente inspiração digital e emancipatória. Deste modo, as plataformas poderão se combinar em instrumentos de inclusão e de acessibilidade, assim como de proteção de grupos minoritários e vulneráveis.
O modelo também precisa ser confiável, prezando pela criação de programas de governabilidade que permitam transparência e explicação sobre decisões tomadas, bem como convoquem a população para a discussão acerca do uso e aproveitamento dos dados coletados a fim de assegurar o uso plural do sistema adotado e dos serviços e espaços produzidos. A democratização do uso apresenta-se como caminho para superar a descrença no potencial transformador desses programas, permitindo inclusive a superação de algumas disparidades territoriais. A confiabilidade é imprescindível para transpor as dificuldades e desafios do subdesenvolvimento.
A integração das referências culturais e identitárias na paisagem urbana visa a superar qualquer fragmentariedade reminiscente dos modelos desenvolvidos anteriormente ao permitir uma compreensão holística da composição física e social da urbe. Embora possibilite a individualização das intermediações tecnológicas, o paradigma da paisagem combate os processos de marginalização espacial ao promover a incorporação de elementos múltiplos em um todo heterogêneo valorizando, assim, a pluralidade.
O avanço da tecnologia por meio de um plano de desenvolvimento que não esteja propositadamente modelado para incentivar as capacidades culturais, ambientais e sociais fará com que as cidades, também elas, precisem questionar sua própria existência. Afinal, o atendimento aos requisitos mais notórios de formação de uma cidade inteligente – como o desenvolvimento de uma rede de banda larga que viabilize aplicações digitais e também o enriquecimento do espaço físico e do mobiliário urbano com sistemas digitais – não será efetivo para a reprodução da vida urbana se não estiver voltado à construção de uma estratégia que englobe a realização de todos os indivíduos.
É neste sentido que o olhar integrativo da paisagem urbana pode fornecer subsídios para a constituição de um sistema urbano de valores, servindo de arcabouço paradigmático para os dados a serem assimilados na produção e reprodução dos modelos de desenvolvimento adotados. Seu caráter integrativo possibilita a combinação de elementos vários em um movimento polissêmico capaz de fortalecer a inovação em práticas territoriais e regionais.
Cabe às cidades inteligentes do futuro responderem se também terão a capacidade de ser tudo o que queremos ouvir e ver. Terão os indivíduos as mesmas oportunidades de ocupar e experimentar o espaço, sem que lhes falte um sentimento de humanidade a alicerçar a sua própria existência?
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