O efeito dominó – A internet como território ativista e ferramenta política

Sabemos que a internet é apenas uma extensão da sociedade, assim como as redes sociais online são reproduções do ciclo social offline. Logo, tudo que acontece no ambiente cibernético é um reflexo do que se passa em nossa sociedade, com maior potencialidade de alcance. Através das plataformas digitais as pessoas podem se envolver em discussões em tempo real, permitindo reações rápidas e engajamento instantâneo.

Este texto pretende levantar discussões sobre o papel da internet como ferramenta política, abordando os debates presentes na web e suas potencialidades transterritoriais. 

A formação de comunidades e o ciberativismo 

O agrupamento humano sempre foi natural e isso tende a ser reproduzido na web. Pessoas que partilham dos mesmos interesses e afinidades se aproximam também no ambiente online, o que é confortável e esperado. Entretanto, a formação de comunidades é delicada no que diz respeito à possibilidade de alguém se fechar em “bolhas” com esses grupos; quando essas bolhas são estouradas, proporcionam estranhamento – assim como na vida offline. A questão é: embora existam leis para regulamentação de condutas online nos aspectos criminais e civis, algumas pessoas ainda usam do anonimato possibilitado pela web para ultrapassar a liberdade de expressão e proferir discursos de ódio. 

Uma voz pode começar um movimento e é isso que acontece na internet, gerando impactos tanto positivos quanto negativos.

A primavera árabe e a descoberta da potencialidade da rede

No fim de 2010, na Tunísia, o jovem comerciante Mohamed Bouazizi ateou fogo no próprio corpo após a polícia ter confiscado produtos de sua banca. O ocorrido gerou comoção e revolta no país e desencadeou uma série de protestos, questionando o autoritarismo do governo e provocando a renúncia do presidente que estava há mais de 20 anos no poder. 

Os atos de protesto foram difundidos em plataformas como o Twitter e o Facebook, crescendo de forma exponencial até se tornarem movimentos internacionais, gerando uma onda de protestos que se estenderam por diversos outros países do Oriente Médio e norte do continente africano. Todas as manifestações tinham um interesse em comum: a divisão de poderes de maneira democrática e maior participação popular em tomadas de decisão.

Brasil 2020 e o Black Lives Matter

O Twitter tem sido uma das plataformas online mais utilizadas para ativismo e discussões políticas. Marcas e personalidades influentes se posicionam e interagem com a população, fomentando debates socialmente relevantes.

No último mês, diversos vídeos documentando violência e repressão policial foram veiculados, principalmente após o assassinato de George Floyd em Minnesota. O ocorrido foi gravado por testemunhas que divulgaram o vídeo na internet, desencadeando uma série de protestos que se estenderam mundialmente. O caso se espalhou rapidamente, provocando revolta e chamando atenção para discussões sobre privilégios de raça e abuso de poder por autoridades policiais – estas que, apesar de serem pautas urgentes e importantes, não são abraçadas como deveriam pela população de modo geral.

No mês seguinte, a rede social foi tomada por diversos perfis anônimos que expuseram universitários que injustamente utilizaram de cotas raciais para entrar em universidades públicas de todo o Brasil. “Fraudadores de cota” entrou nos assuntos mais comentados da plataforma em escala brasileira. Apesar da iniciativa ser bem intencionada, existem certos problemas ao se fazer justiça com as próprias mãos. Alguns nomes foram expostos injustamente, como a indígena Larissa Sá, que teve seu pertencimento étnico questionado devido a seu fenótipo.

Na mesma semana, a internet se revoltou com o caso do menino Miguel, que foi vítima de negligência e abandono de incapaz pela patroa de sua mãe e morreu ao cair do 9º andar de um prédio em Recife. A hashtag #JustiçaPorMiguel também entrou para a lista de assuntos mais comentados do Twitter, juntamente com #VidasNegrasImportam, hashtag traduzida do movimento Black Lives Matter, que surgiu em 2014 nos EUA. A criança de 5 anos foi deixada aos cuidados de Sari Gaspar Corte Real, esposa do prefeito de Recife, e não foi identificada na mídia com prontidão, apenas após ativistas negros criarem uma petição pedindo a responsabilização dos envolvidos no crime. 

O efeito dominó na inteligência coletiva

Inteligência coletiva é um conceito criado pelo filósofo e pesquisador Pierre Lévy, e diz respeito à bagagem de cultura e conhecimento que cada usuário leva consigo ao acessar a internet. Isso possibilita acesso a conteúdos variados e se processa na medida do compartilhamento desses conteúdos, os quais antes da rede de computadores só eram encontrados em espaços físicos e discussões presenciais. 

O efeito dominó se dá através desse compartilhamento de bagagem, que fomenta as discussões sociais levantadas anteriormente no texto. É importante trabalhar para a utilização da internet da melhor forma possível, propagando conhecimento de forma positiva para o crescimento pessoal, o desenvolvimento cidadão coletivo e o exercício da democracia.

Conclusão

O objetivo desse texto é levantar discussões, instigar o pensamento crítico e o reconhecimento do seu lugar neste vasto território. Entretanto, é dever central do Estado não só a garantia do respeito aos direitos humanos no ambiente virtual como também o fortalecimento de práticas democráticas na rede.

Como cidadãos, continuamos abrindo espaço para a internet que buscamos e utilizando da formação de comunidades e da liberdade de expressão online para instigar o governo ao cumprimento desse papel. 

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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