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O .Br está em risco. E nossos direitos também.

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14 de outubro de 2019

Se você chegou até este post é porque clicou em um endereço que está no site “irisbh.com.br”. Esse é o endereço que leva até todos os conteúdos que o IRIS e cada um dos autores deste blog colocam à disposição aos usuários da internet. Você sabe como chegou até aqui? 

Se você não precisou digitar uma infinidade de números, pouco amigáveis para apreensão humana, e conseguiu pegar o “atalho” entre o seu dispositivo e este texto é em razão do DNS (domain name system): o sistema de nomes de domínio. 

O DNS

O sistema de nomes de domínio funciona em escala global e operacionaliza a internet, por viabilizar a comunicação entre servidores espalhados pelo mundo. Trata-se, em termos muito simples, de um sistema que harmoniza cada ponta da internet com as redes que nela operam. 

O sistema de nomes permite que a internet seja “a rede das redes” e orquestra todas as redes autônomas que operam simultaneamente. A comunicação entre diferentes servidores, dispositivos e usuários da internet lança mão desse sistema alfanumérico para tornar viável sua operacionalização. 

Por meio dos nomes de domínio, não precisamos digitar uma enorme sequência de números para conseguir acessar este post, por exemplo, nem precisamos acessar cada uma das máquinas pelas quais trafega o que encontramos na “superfície” da internet.

De onde vem o .Br?

Os nomes de domínio são administrados em escala global pela ICANN –  Corporação de Internet para Atribuição de Nomes e Números – que coordena a infraestrutura da internet centrada em princípios de segurança, estabilidade e interoperabilidade. 

A distribuição de nomes de domínio pelo sistema forma a topologia da internet e segue uma lógica hierárquica, entre diferentes “níveis”. A partir da raiz do DNS, seguem-se os “domínios de topo”. Estes, por sua vez, dividem-se em genéricos (.net, .com, .org) e nos geográficos, que fazem referência aos países (.de – Alemanha, .uk – Reino Unido, .in – India, etc). No caso do Brasil, o .BR é administrado e coordenado pelo Nic.br. Por meio do registro.br, pessoas naturais e jurídicas podem registrar diferentes combinações alfanuméricas que servem também para servidores de emails e outros serviços. 

Internacionalmente, o registro de nomes segue o princípio “First comes, first served”, ou seja, aquele que registra primeiro pode utilizar a combinação no nome de domínio. Não é possível que existam dois nomes de domínio exatamente iguais, pois não seria possível que eles cumprissem sua função na estrutura da internet. O critério de conceder o nome de domínio ao primeiro que o registra não é exclusivo do sistema de nomes de domínio. Também pode ser encontrado nos sistemas de propriedade intelectual, para registros de marcas e patentes. 

No caso do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, a sigla IRIS já tinha sido registrada por outra instituição com o formato iris.com.br e também iris.org.br. Dessa forma, precisamos recorrer a outras combinações que estavam disponíveis, uma vez que o instituto não é o único que pode se identificar pela combinação I+R+I+S.

O registro realizado, então, foi: irisbh.com.br. No entanto, ainda seguem disponíveis para registro: iris.blog.br ou iris.etc.br, entre outros com diferentes combinações, tantas quantas os algarismos do alfabeto. Uma variação de irisbh.com.br poderia ser oirisdebh.com.br, disponível para registro. Existem ainda, de acordo com o censo de 2010, pelo menos 50 mil pessoas no Brasil que se chamam “Iris” e poderiam ainda estar interessadas em registrar o próprio nome ou sua variação. Apenas em Belo Horizonte – MG, o censo registrou 904 pessoas chamadas Iris. O critério “ordem de chegada” é, na prática, uma forma de não incumbir à entidade de registro o juízo de quem merece ou não ter algum nome de domínio. 

Qual a polêmica?

Em um processo judicial que já dura anos e chegou ao Superior Tribunal de Justiça (atualmente o EREsp nº 1695778), o domínio carolinaferraz.com.br está no centro da discussão. Por um lado, Maria Carolina Álvares Ferraz alega que o domínio deve ser reservado a ela e reclama danos morais por outra pessoa (jurídica) ter registrado o domínio e nele veiculado conteúdo pornográfico. A polêmica está, no entanto, no fato de o processo também envolver o Nic.br, que tão somente realiza o registro, além daqueles que efetivamente tinham controle sobre o domínio e o conteúdo disponibilizado.

Ao longo dos anos, ordens judiciais para “derrubada” do domínio foram cumpridas pela entidade registradora e a transferência também realizada, quando substanciada por entendimento judicial. A questão que avançou até o Superior Tribunal de Justiça é: deve um intermediários da internet ser responsabilizado por atos ilícitos de terceiros que atuam na “ponta”?

A opção por não responsabilizar intermediários por atos ilícitos de terceiros está clara no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). O sistema legal brasileiro optou por um regime de responsabilização que apenas se dá quando o intermediário desobedece uma ordem judicial. A racionalidade dessa modalidade de responsabilização busca preservar o funcionamento livre da internet e significa uma limitação justificada pela natureza da tecnologia e necessidade de mantê-la operando. Mais do que isso, está baseada na ideia de que entes privados não podem realizar controle – censura – sobre terceiros. Esse controle, baseado na ponderação de direitos presentes na ordem constitucional, está reservado ao Poder Judiciário. Este, por sua vez, ao emitir as ordens, passa a veicular os intermediários na medida de seu cumprimento e não pelo conteúdo em si. 

Direitos envolvidos

A especificidade do funcionamento da internet e da organização de sua topologia exige também que o sistema de responsabilidade daqueles que a operam seja diferenciado. Isso porque não apenas a velocidade das interações foi exponenciada pela internet, mas também sua variedade e quantidade. É, do ponto de vista pragmático, impossível que se filtre ou faça algum controle prévio sobre todos os nomes de domínio, suas variações e camadas, sem que isso coloque o serviço em si em risco. 

Ainda, direitos fundamentais e garantias previstos em toda a ordem constitucional seriam colocados sob o crivo de uma única instituição. Seriam, como resultado, inviabilizados nossos direitos que também se refletem nas camadas da internet, incluindo o sistema de nomes de domínio. Mesmo se fosse operacionalizável qualquer tipo de filtro ou controle sobre registros de nomes de domínio, isso colocaria sob uma entidade privada a responsabilidade de dizer quem ou não deve ter determinado registro. Essa é uma situação que flagrantemente atinge as liberdades de expressão, manifestação de pensamento, associação, pois equivale a uma censura prévia que se exigiria do registro. Como um agente privado pode dizer quem deve ficar com um nome? Ou ainda, sob quais critérios qualquer intermediário deveria avaliar que tipo de conteúdo deve estar online? Não é possível tolerar, em um Estado Democrático de Direito, que não seja o Judiciário aquele que pondere direitos.

Se o Nic.br for responsabilizado por conferir quem registra cada domínio, fazer juízo de quem pode ou não registrar e ainda receber a obrigação de fiscalizar o conteúdo nele veiculados, sua operação será inviável do ponto de vista técnico e econômico. Isso também significaria sinalizar para um caminho brutalmente contrário às práticas internacionais do sistema de nomes de domínio e marcar negativamente a presença do Brasil, por meio do .br, no cenário global da internet de forma irreversível.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Fundadora e Diretora  do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, é mestre e bacharel  em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Fundadora do Grupo de Estudos em Internet, Inovação e Propriedade Intelectual – GNet (2015). Fellow da Escola de Verão em Direito e Internet da Universidade de Genebra (2017), da ISOC – Internet and Society (2019) e da EuroSSIG – Escola Europeia em Governança da Internet (2019). Interessa-se pelas áreas de Direito Internacional Privado, Governança da Internet, Jurisdição e direitos fundamentais.

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