Economia do Compartilhamento e o Distanciamento Social: dá match?
Escrito por
Juliana Roman (Ver todos os posts desta autoria)
25 de janeiro de 2021
A economia do compartilhamento ou economia compartilhada, que vinha crescendo há pelo menos uma década, vem enfrentando um grande desafio ao deparar-se com a reviravolta socioeconômica causada pela pandemia de Covid-19. Diante do cenário atual, onde as rígidas orientações de distanciamento social são constantes e sem previsão exata para terminarem, como defender a ideia de “alugar e dividir” bens ou serviços com alguém que não conhecemos ou, ao menos, sabemos se mantém os cuidados necessários para não contrair o vírus?
A economia do compartilhamento: me explica?
De forma (bem) resumida, pode-se dizer que a economia do compartilhamento viabiliza o acesso à bens e serviços por meio de tecnologias digitais. O acesso à internet, a maior adesão de redes sociais e o boom dos smartphones foram pontos cruciais para o crescimento dessas plataformas. A partir daí, houve o surgimento de um novo padrão de consumo baseado no acesso aos bens e serviços, e não mais, necessariamente, na aquisição de bens.
A partilha sempre esteve presente no contexto do convívio em sociedade, quem nunca pediu algo para a vizinha ou para uma colega do colégio? No entanto, o conceito de dividir como modelo econômico tem uma história mais recente. A aceleração na expansão da economia compartilhada, impulsionada pelos avanços da tecnologia da informação e comunicação, apareceu com maior força a partir da crise econômica de 2008.
O consumo sustentável, a proposta de um estilo de vida mais econômico, maior conveniência, a construção de conexões sociais e a preservação do meio ambiente são os principais fatores que impulsionam a economia compartilhada que tem entre os seus principais adeptos o público jovem, entre 18 e 24 anos. Como nada nem ninguém agrada aos gregos e troianos, os pontos fortemente defendidos pelos entusiastas são confrontados pelos críticos, os quais denunciam essas plataformas pelo motivo de serem voltadas ao lucro e não ao compartilhamento.
Conforme o relatório disponibilizado pela consultoria PwC, intitulado “The Sharing Economy”, os setores que apresentam maior crescimento são aqueles que envolvem viagens, mobilidade, streaming de vídeo e música, finanças e prestadores de serviços. Ainda de acordo com o documento, as plataformas digitais voltadas à economia compartilhada movimentariam cerca de US$ 335 bilhões anuais até 2025, em relação aos US$ 15 bilhões em 2014 – ano em que a pesquisa foi realizada.
Os impactos econômicos da crise sanitária de Covid-19
As plataformas de compartilhamento facilitam o compartilhamento entre pessoas que não se conhecem ou que não têm conexões em comum. À primeira vista, pode parecer muito íntimo dividir a casa ou o carro com alguém que não conhecemos, mas isso tem se tornado cada vez mais comum atualmente. Através dessas plataformas digitais, defende-se a ideia de que o acesso às plataformas de compartilhamento figura como uma espécie de novo conceito de posse.
Um exemplo que deixa isso muito claro é: se eu preciso de um parafuso na minha parede, eu preciso comprar uma furadeira? A resposta pode ser positiva ou negativa, dependendo da intenção da pessoa em questão. Particularmente, eu não costumo usar furadeiras (nem sei como utilizar uma), então seria mais adequado e rentável que eu contratasse alguém que saiba utilizá-la e coloque o parafuso na minha parede sem que eu precise comprar uma furadeira e aprender a usá-la.
Perfeito. Entendi, mas e agora? No contexto atual, onde evitamos o contato até mesmo com pessoas amadas e próximas, familiares e amigos, como sentir-se confortável ao dividir o carro ou a casa com alguém que não sabemos quem é ou se toma os cuidados necessários para não contrair o vírus?
A resposta é: não há como se sentir confortável nessa situação. Isso foi evidenciado pelas plataformas de serviço compartilhado, as quais foram bastante afetadas diante do atual cenário de pandemia. O medo do contágio e a rápida transmissão do vírus, até então desconhecido, afastou pessoas das plataformas de serviços. Empresas com grande representatividade no Brasil e no mundo, como Uber e Airbnb, demonstraram abalo econômico significativo durante o período de isolamento social. Ambas plataformas tiveram seus faturamentos consideravelmente diminuídos no ano de 2020, marcado pelo isolamento social.
O período de quarentena gerou impactos significativos na empresa que domina o transporte urbano via aplicativos no Brasil. Os principais números da operação global da Uber, no segundo trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019, revelou que a empresa teve queda de 29% no seu faturamento total, o que representa cerca de US$ 1,8 bilhão. Além disso houve queda de cerca de 44% dos usuários ativos mensais nos aplicativos da Uber e o número de viagens realizadas teve queda de 56% em relação ao segundo trimestre de 2019.
Outro ramo fortemente afetado pelas limitações trazidas pela pandemia foi o turismo. Milhares de viagens foram postergadas durante o período de isolamento social, impactando também os setores que promovem hospedagem. Tentando contornar os reflexos da pandemia, o Airbnb fez um empréstimo de US$ 1 bilhão junto aos seus investidores. De acordo com a empresa, os valores tinham como finalidade o auxílio de anfitriões (aqueles que hospedam a terceiros em suas residências) e hóspedes (aqueles que buscam os serviços da plataforma) em diversas regiões do mundo. Dessa forma, foi criado um fundo de auxílio, no valor de US$ 250 milhões, para ajudar os anfitriões da plataforma a cobrir o custo dos cancelamentos relacionados à crise sanitária.
O “novo normal”
O “novo normal” tem sido o termo utilizado para referir-se à época “pós-Covid” no mundo. O conceito tem sido empregado não somente para designar o período pós-vacina, mas também o período de adaptação às novas exigências surgidas em decorrência da pandemia sem precedentes na história recente.
Para driblar a realidade nada auspiciosa, o Airbnb, seus anfitriões e os hóspedes tiveram que se readequar. Por exemplo, hospedagens de alta rotatividade, que em um contexto sem pandemia costumavam ser ocupadas novamente no mesmo dia, tem passado por períodos maiores de desocupação, como 72 horas, para prevenir contágios. Além disso, a limpeza e higienização dos locais está sob rigorosa fiscalização por parte da plataforma.
Da mesma forma, a Uber teve que se adequar para tentar frear os impactos negativos na medida do possível. Os protocolos de segurança e higiene da empresa foram atualizados de acordo com as exigências das autoridades de saúde. Além disso, o uso de máscara se tornou obrigatório sob pena de penalização do motorista ou do usuário em caso de violação.
No entanto, ainda parece haver uma luz no fim do túnel chamado “pandemia” tanto para a Uber quanto para o Airbnb. No Brasil, ainda não há previsão exata de quando acontecerá a efetiva vacinação e imunização da população. Sendo assim, é provável que as pessoas, que tenham condições econômicas para tanto, optem pelo transporte compartilhado ao invés do transporte público, onde o nível de exposição é muito maior. Não obstante, é provável que muitos brasileiros se mantenham expostos ao vírus devido à falta de recursos econômicos para arcar com um custo maior do que a passagem do ônibus ou porque dependem unicamente do vale-transporte fornecido pelo empregador para se locomover pela cidade.
Na mesma direção, aqueles que desejem viajar, provavelmente, irão optar, até se sentirem seguros outra vez, por destinos onde seja possível chegar de carro. Dessa forma, não será necessário embarcar em aviões ou ônibus intermunicipais onde há maior concentração de pessoas. Sendo assim, o setor de hospedagem também poderá reaquecer.
Confiaremos no compartilhamento de bens e serviços no futuro?
A expansão e consolidação da economia do compartilhamento vinha apresentando impactos econômicos positivos, além do crescente nível de adesão por parte da população. Hoje em dia, a facilidade com a qual os indivíduos, mesmo quando desconhecidos, se conectam, trocam e compartilham informações é transformadora.
Apesar dos fortes impactos econômicos sofridos pelas plataformas de compartilhamento, conforme demonstrado neste texto através dos exemplos da Uber e Airbnb, as empresas parecem estar buscando soluções para lidar com as adversidades.
No futuro (esperamos que logo), com um cenário pandêmico mais seguro — onde grande parte da população esteja vacinada — é muito provável que setores como a mobilidade e acomodação sejam fortemente requisitados outra vez – vai dar match. A tendência é que, na medida do possível, os usuários retomem a confiança e voltem a utilizar essas plataformas.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Juliana Roman (Ver todos os posts desta autoria)
Líder de pesquisa em proteção de dados pessoais e pesquisadora no Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS). Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS 2022), vinculado ao Centro de Estudos Europeus e Alemães (CDEA). Realizou pesquisa de campo em Amsterdam, Holanda, durante o Mestrado para fundamentar estudo comparado realizado na dissertação. Especialização em Direito do Consumidor pelo Centro de Direito do Consumo (CDC) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (UC 2021). Pós-graduação (lato sensu) em Direito Digital na Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP 2021). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS 2019). Colaboradora no projeto de pesquisa “Proteção de Dados Pessoais nas Américas”, idealizado em parceria pelo Grupo de Pesquisa CNPq “Observatórios da Lei Geral de Proteção de Dados e do Marco Civil da Internet”, vinculado a Universidade de São Paulo (USP), e pelo Grupo de Pesquisa CNPq “Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização”, vinculado a UFRGS. Realizou período de mobilidade internacional na Universidad Internacional de Cataluña, Barcelona, Espanha (UIC 2017). Durante a graduação, realizou período de estudo de língua estrangeira em Vancouver, Canadá. Foi bolsista de iniciação científica do Programa de Bolsa Pesquisa – BPA (PUCRS 2016-2018). Prestou serviços de assessoria jurídica voluntária no Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU UFRGS) – Direito do Consumidor (G7) – durante os anos de 2019 e 2022. Atua e pesquisa nas áreas de proteção de dados pessoais e privacidade, Direito da Informática, criptografia, Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e Direito do Consumidor.