Desafios e perspectivas do uso de mídias sociais digitais no campo da saúde
Escrito por
Silvana Schultze (Ver todos os posts desta autoria)
9 de outubro de 2017
Características do ambiente digital e comportamentos típicos de usuários de mídias sociais parecem vir despertando a atenção de pesquisadores em saúde interessados em estabelecer uma ponte entre a comunidade científica e a sociedade. Em pesquisas com esta abordagem, e possível que a grande contribuição das mídias sociais seja a possibilidade de alcançar grupos populacionais específicos, inclusive aqueles que, por motivos diversos, são avessos a ações e intervenções em saúde baseadas na presença física do sujeito.
Dois aspectos das mídias sociais parecem nortear estudos no campo da saúde que inserem o ambiente virtual em sua metodologia, seja em relação à escolha da internet como objeto, ferramenta ou âmbito de pesquisa, ou à expectativa em se atingir os objetivos propostos na pesquisa: o caráter democrático da internet, e a confiança no sigilo identitário possível em interações online. Comunidades online oferecem aos seus participantes um forte senso de comunidade aliado a informações detalhadas e fundamentadas sobre a temática do grupo, e nelas as interações são informacionais e relacionais, misturando-se entre si e por vezes tornando-se recreativas ou transformadoras, incluindo, neste último aspecto, resistência e ativismo. Dessa forma, a análise das interações online pode contribuir para a compreensão das estratégias de vigilância de problemas específicos e de busca e consolidação de redes de apoio que determinadas populações desenvolvem, oferecendo subsídios relevantes para o desenvolvimento de ações e intervenções em saúde focadas em tais especificidades.
Muitos avanços foram feitos em relação à aplicação de mídias sociais à pesquisa em saúde, e no campo da Saúde Pública, em especial, foram estabelecidas recomendações para o uso de netnografia, como a inclusão de variáveis sociais a nível individual em sistemas de informação de saúde e a realização de ações em populações vulneráveis. Ainda que a busca na internet por informações sobre saúde possa provocar ansiedade e questionamentos sobre a própria capacidade de lidar com o conteúdo acessado, mídias sociais são utilizadas por pacientes para aumentar seu conhecimento sobre saúde, trocar conselhos e obter apoio social, por meio da publicação de suas dúvidas, experiências, informações e expectativas (SILVER, 2015).
A reflexão e discussão sobre a relevância e os pontos forte do uso da pesquisa narrativa para explorar experiências em redes sociais por populações específicas permite que se dê voz a essas populações para que relatem seus conhecimentos de enfermagem e práticas clínicas, quando se tratar de populações de prestadores de serviços de saúde, e do uso de sites de redes sociais como meio de suporte social, quando se tratar de populações que recebem cuidados em saúde, numa abordagem que facilita a construção de relacionamentos e a flexibilidade metodológica com grupos de amostra freqüentemente difíceis de se envolverem. O papel em expansão de sites de redes sociais modificou a forma como o apoio social é fornecido, o que levou ao estabelecimento de medidas para avaliação dos benefícios da rede social Facebook em relação à diminuição de depressão e à melhoria da qualidade de vida, estabelecida a partir de quatro fatores de apoio social: percebido, emocional, negativo e recebido/instrumental (MCCLOSKEY et al, 2015). Investigação de evidências de sofrimentos psicológicos e físicos presentes em narrativas sobre adoecimento é uma estratégia para compreensão dos mecanismos de resposta e recuperação a eventos extremos, oferecendo oportunidade de estruturação de histórias divergentes em busca de sentidos e crenças compartilhadas e que oferecem suporte à adaptação e ao crescimento frente a situações de estresse (SALTZMAN, 2013).
Mídias sociais podem melhorar conexões entre pesquisadores e profissionais de saúde, contribuindo para a tradução de evidências de pesquisa para a prática clínica, e vêm também sendo empregadas em ações que visam ao acompanhamento das opiniões de pacientes a respeito de recursos de cuidados em saúde. Experiências de adoecimento também são largamente identificadas nas redes sociais e midiáticas. No campo da saúde, o trabalho narrativo representa um recurso relevante na produção do conhecimento, tanto na perspectiva do ensino quanto da pesquisa e do cuidado, assim como a mediação de testemunhos de pacientes e familiares possui valor como uma forma especial de empoderamento. Uma vez que nos últimos anos a saúde transformou-se em uma das principais preocupações do homem, cresce cada vez mais o contingente de indivíduos que acessam a internet em busca de informações sobre saúde, individual ou de terceiros.
Para PAIM (2014), o senso comum exibido por agentes comunitários de saúde encarregados de entrevistar membros da comunidade para fins de pesquisa, especialmente quando entrevistam mulheres, parece transformar as entrevistas em interrogatório, inquérito ou inquisição, nos quais são reproduzidas prescrições ao mesmo tempo em que são ignorados a determinação social do processo saúde-doença e, por vezes, indícios de situações familiares críticas, como violência doméstica. O ambiente virtual, neste sentido e novamente em função da possibilidade de anonimato, apresenta-se como um ambiente seguro para compartilhamento de narrativas livres e espontâneas ricas em informações dessas naturezas. A análise pura dessas informações, despida de uma elaboração do sujeito, entretanto, podem levar à reprodução de ideologias dominantes que, no entender do autor, mascaram a concentração do poder, riqueza e saber como determinantes de riscos e danos à saúde (PAIM, 2014).
As pessoas incorporaram em suas vidas particulares, de alguma forma, a ideia de risco, ainda que suas atitudes em termos de conduta sejam distintas, fazendo parecer que existe uma aura de ameaça pairando constantemente sobre todos e podendo atingir a alguns individualmente a qualquer momento, especialmente se não forem seguidos os preceitos da prevenção em saúde e da precaução nas atividades (CASTIEL et al, 2010). Ao lado da doença real e da perspectiva de doença, a sociedade passou ainda a conviver com um ideário que incorpora uma percepção utilitarista e pragmática da vida, enxergando o corpo como uma máquina a ser consertada ou um objeto obsoleto a ser constantemente melhorado, e a estetização da saúde é um exemplo de parâmetros que atuam na construção desse contexto. Decorrentes da influência discursiva que promove interesses e questões vindas de outras áreas, muitas vezes não ligadas à saúde mas que não deixam de nela interferir, estes parâmetros revelam a estrutura social e os conflitos presentes na sociedade, bem como a convergência entre áreas de atuação até pouco tempo atrás consideradas distintas, mas que hoje se encontram mescladas e contribuem para a produção de novos significados, novas práticas e novos problemas de saúde pública.
Apesar da diversidade de aplicações de mídias sociais em pesquisas de ordem social, muitas questões acerca de ética, governança, profissionalismo, privacidade, confidencialidade e qualidade da informação ainda não têm resposta no campo das mídias sociais, sobretudo quando envolvem cuidados médicos e de saúde. Há necessidade de compreensão acerca de regulamentação pública e de registros médicos, bem como de treinamentos englobando ética e proteção de informações pessoais nas diversas situações que se apresentam na comunicação eletrônica. A abordagem empírica é uma das grandes dificuldades nas ciências humanas e sociais, em especial no que diz respeito ao estudo de novas tecnologias e da internet – que pode ser tanto objeto quanto local e instrumento de pesquisa – ainda que o interesse por essa modalidade de pesquisa esteja evidentemente avançando.
Referências
CASTIEL, Luiz David; GUILAM, Maria Cristina Rrodrigues; FEREIRA, Marcos Santos. Correndo o risco – uma introdução aos riscos em saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010.
FERREIRA
McCLOSKEY, W.; IWANICKI, S.; LAUTERBACH, D.; GIAMMITTORIO, DM; MAXWELL, K. Are Facebook “Friends” Helpful? Development of a Facebook-Based Measure of Social Supportand Examination of Relationships Among Depression, Quality of Life, and Social Support. Cyberpsychol Behav Soc Netw. 2015 Sep;18(9):499-505.
PAIM, Jairnilson. Prefácio. In: RANGEL-S, Maria Ligia; GUIMARÃES, Jane Mary; BELENS, Adroaldo. (Org.). Saberes em Saúde, Ciência e Comunicação. Salvador: UFBA, 2014
SALZMANN-ERIKSON, M.; HICDURMAZ, D.; Use of Social Media Among Individuals Who Suffer From Post-Traumatic Stress: A Qualitative Analysis of Narratives. Qual Health Res. 2016 Jan 29. DOI: 1049732315627364.
SILVER, MP. Patient perspectives on online health information and communication with doctors: a qualitative study of patients 50 years old and over. J Med Internet Res. 2015 Jan 13;17(1):e19. doi: 10.2196/jmir.3588.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seus autores e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
1 comentário
É interessante ver que a sensação de anonimato que a internet nos dá, ao mesmo tempo que gera os sem noções, pode ser útil para a geração de pesquisas. Esperamos que as regulamentações venham rápido para que a saúde possa usufruir ao máximo dessa ferramenta maravilhosa que é a internet.