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Coronavac, Cuca e Twitter: políticas de Estado que acabaram sendo de influencer

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20 de janeiro de 2021

“Não tenham medo”. Essas foram as palavras da enfermeira paulistana Mônica Calazans, primeira pessoa vacinada contra a Covid-19 no Brasil. A frase é direta e não poderia resumir de forma mais adequada o próximo desafio que cresce com a tão esperada vacinação no Brasil: o de fazer com que a população, de fato, tome a vacina, uma vez que, como alegam os cientistas, a adesão de grande parte da população é crucial para a imunização. Esse texto discute a relação do papel do Estado nesse cenário em meio às estratégias de comunicação online da população, de instituições e de influenciadores digitais que contam com discursos capazes tanto de nos aproximar do fim quanto de estender ainda mais a pandemia.

“O Butantã tá on” com a Coronavac

A aprovação para uso emergencial da vacina de Oxford e a CoronaVac no Brasil, em meio a uma trágica segunda onda de infecções por coronavírus, principalmente no norte país, trouxe uma possibilidade de esperança que, há meses, era inexistente. No Twitter, mais de 160 mil pessoas não acreditaram que seria MC Fioti, dono de “Bum Bum Tan Tan” — funk cujo clipe já ultrapassa 1,5 bilhão de visualizações no YouTube — o responsável por “encher seus os olhos de lágrimas”, com o vídeo em que o MC canta sua música junto a funcionários do Instituto Butantan em comemoração à aprovação da vacina. 

Apesar da apropriação do próprio instituto científico sobre a música e os comentários bem humorados de quem não vê a hora de tomar a vacina e já se prepara “para virar jacaré” o quanto antes, é preciso lembrar que tudo isso se apresenta como parte de uma disputa de narrativas muito delicada – e que os algoritmos guiados por nossas preferências pessoais não costumam revelar.

O pesquisador Fabio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, deixou esse embate um pouco mais claro, apresentando os perfis mais influentes que comentaram sobre o “tratamento precoce” contra a Covid-19 — até então sem nenhum tipo de respaldo científico em relação à sua eficácia. Na apresentação dos dados, é possível perceber que perfis de cientistas e autoridades de saúde representam uma parcela muito pequena em relação aos demais.

Infelizmente esse é um de muitos exemplos de como o buraco das fake news é muito mais embaixo — uma vez que na internet participam de discursos de desinformação não apenas aqueles que o emitem, mas também os que interagem com ele e o passam para a frente. As interações online com esse tipo de conteúdo têm proporções estratosféricas e, como já comentei aqui no blog, representam um problema que de virtual não tem nada.

De acordo com o relatório da Avaaz em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações “As Fake News estão nos deixando doentes?”, 48% dos brasileiros usam as redes sociais e aplicativos de mensagem como fonte de informação sobre vacinas. A pesquisa apontou também que:

“a proporção de pessoas que acreditam em desinformação sobre vacinas é maior entre os que usam redes sociais e/ou WhatsApp como fonte de informação – 73% contra 60% para quem cita outras fontes”

Se, por um lado, os memes da bruxa jacaré mais famosa da literatura nacional sambando após tomar sua primeira dose da CoronaVac são uma forma de nos apropriarmos do absurdo com bom humor, por outro, o absurdo da desinformação é o que vem se apropriando da maior parte do nosso país na forma de discursos —  os quais ganham ainda mais força no ambiente online. 

A política deveria ser de Estado, mas acabou sendo de influencer

Com a situação crítica de falta de leitos e de oxigênio para o tratamento de pessoas em estado grave em Manaus (que foi alertada anteriormente às autoridades) e a circulação de notícias e mais notícias da situação desesperadora no estado do Amazonas, dezenas de postagens de arrecadação para a compra de cilindros de oxigênio foram amplamente divulgadas nas redes sociais. Entre elas, postagens de influenciadores, como Whindersson Nunes, arrecadaram milhares de reais e engajaram ainda mais influencers e celebridades brasileiras na causa.

Enquanto isso, na Indonésia, influenciadores digitais estão entre os primeiros a serem vacinados contra a Covid-19. Raffi Ahmad, digital influencer indonésio com mais de 50 milhões de seguidores no Instagram, foi vacinado ao lado do presidente do país. Assim como a primeira vacinada no Brasil, Raffi também disse aos seus seguidores: “Não tenham medo da vacina”. Esse fato pode soar como marketing e, no fim das contas, é mesmo. É importante salientar que o Marketing de Influência, como parte de estratégia de Marketing Digital,  não se resume apenas a stories de recebidos e cupons de desconto para lojas online.

Apesar do sentido ligado fortemente ao mercado e às vendas, estratégias de publicidade também são fortemente empregadas para a “venda” de ideias. Nesse sentido, o papel de influenciadores digitais, nos últimos anos, tem sido cada vez maior. Consciente disso, o chefe da agência de saúde de Bandung justificou a vacinação de influenciadores, apontando o potencial de conscientização sobre a vacina entre o público jovem, principalmente no Instagram.

O ator Bruno Gagliasso, ao postar um vídeo de um carregamento de cilindros chegando à capital amazonense no Twitter comentou: “Segura aí Manaus que o Brasil inteiro ta olhando por vcs!!!!”

Apesar do enorme potencial de influenciadores e do engajamento das celebridades na conscientização em torno da vacinação e das campanhas de doações, é preciso não esquecer entre tantas postagens que políticas públicas de dimensão estatal não são de responsabilidade de Youtubers, Instagrammers e celebridades, mas sim de governantes. Os já saturados “tempos de pandemia” em que vivemos exigem, sim, ações estratégicas de comunicação — como o uso do Marketing de Influência — mas também exigem, cada vez mais, a consciência de que não são apenas os influenciadores, os famosos e a sociedade civil que devem estar “olhando” pelo nosso país. Esse é um dever central do Estado.

Discursos digitais e muito reais

Com a tão aguardada aprovação das vacinas e início da vacinação no Brasil, é preciso reconhecer a comunicação como primordial para que essa conquista da ciência tenha efeito no país, uma vez que milhões de brasileiros precisam ser vacinados para que a pandemia, de fato, acabe. Com a necessidade de distanciamento social, o ambiente online e as tecnologias de informação e comunicação têm sido o principal palco dos discursos — capazes tanto de gerar conscientização e influenciar positivamente através da informação, ciência e humor, quanto de deixar mais pessoas doentes e estender, ainda mais, esse momento de crise sanitária e também de gestão pública.

Vale lembrar que o compartilhamento de postagens revela uma responsabilidade social, isso é, uma responsabilidade que não está destinada apenas aos influencers ou às instituições públicas que as postam. Também é responsabilidade de cada cidadão que interage com o conteúdo, tendo em vista que o processo de comunicação digital é vivo — e faz uma diferença real entre a vida e a morte de alguém junto a políticas públicas do Estado.

As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.

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Coordenador de comunicação do IRIS, designer e ilustrador freelancer no mercado editorial e publicitário, com foco em criações vibrantes que mesclam natureza, orgulho LGBT+ e surrealismo. Graduado em Publicidade pela UFMG, é coordenador de comunicação no Instituto de Referência Internet e Sociedade, onde atua pela democratização do conhecimento. Também foi membro do programa Youth no IGF2023 no Japão e pesquisador em temas de inclusão digital, autor dos livros “Glossário da Inclusão Digital” e “Inclusão digital como política pública”. Além disso, também é apresentador do podcast “Lascou!”, sobre as dificuldades de artistas on e offline.

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