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Como publicidades de jogos de azar online alimentam violências de gênero

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10 de junho de 2024

Que os jogos de azar online são um grande problema nós já sabemos, mas e quando a publicidade desses jogos passa a se valer de estratégias misóginas de engajamento? Entenda no texto!

Nas raras vezes em que naveguei pelo Facebook nos últimos meses me deparei com alguns stories de páginas que eu nem lembrava que seguia, com conteúdos para lá de curiosos, dizendo o mínimo. O padrão recorrentemente é de o primeiro story ser de um conteúdo com apelo sexual, sobretudo explorando a imagem de mulheres, e os seguintes de divulgação de plataformas de cassino online, como a do conhecido “jogo do tigrinho”.  Se não entendeu, se liga nessas capturas de tela da sequência:

Uma página com mais de 4M de seguidores fez essa sequência de publicações no dia 06 de junho de 2024.

Em 2023, inclusive, chegou a tramitar e ser aprovado pela Câmara de Deputados o Projeto de Lei 3915/2023, de autoria do deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO), que busca criminalizar a divulgação, promoção ou endosso de jogos de azar, incluindo o Jogo do Tigrinho, por influenciadores digitais e artistas. O PL estabelece penas severas para os infratores, como advertências, multas que podem chegar a 2% do faturamento da pessoa jurídica, e até a suspensão da atividade de influenciador digital.

De todo modo, muito antes deste PL ser proposto, jogos de cassino online, do tipo caça-níquel, destes que prometem ganhos em dinheiro, como o ‘jogo do tigrinho’, já era considerado ilegal por ir contra a Lei de Contravenções Penais, que caracteriza como criminosas as práticas de jogos de azar em que a perda ou ganho dependem da sorte. Os prejuízos financeiros, sociais e psíquicos gerados por plataformas como essas, que estão cada vez mais difundidas no Brasil, acarretou em operações que investigam esquemas criminosos envolvendo influenciadores digitais em estados como Maranhão e Paraná, além de ter levado ao suicídio de Ângela Maria Camila da Paz, em dezembro de 2023. 

As estratégias discursivas de quem divulga esses jogos de azar são muito parecidas, com promessas sedutoras de grandes ganhos financeiros e baixo investimento. E dinheiro fácil, quem não quer? O grande problema relacionado a publicidades como a da página das imagens é que, além de tudo, as pessoas entenderam que a objetificação feminina nas redes gera engajamento, cliques e prende a atenção. O que quero dizer é que quanto mais tempo o usuário despende assistindo, respondendo, reagindo e curtindo ao primeiro story da sequência – o misógino -, mais os stories daquela página serão entregues para o público. E é desta forma que à problemática dos jogos de azar online adiciona-se a camada da objetificação do corpo da mulher na indústria digital.

Misoginia em publicidades online é sinônimo de lucro para plataformas

No artigo A objetificação do corpo da mulher na indústria digital e suas implicações para a violência de gênero, as autoras argumentam que as redes sociais perpetuam o machismo e a violência contra a mulher ao despersonalizar e reduzir o corpo feminino a um objeto. Essa desumanização reforça a dominação masculina e legitima diversas formas de violência, tanto no espaço público quanto privado. 

Conteúdos polêmicos e sensacionalistas, incluindo aqueles que objetificam mulheres, atraem cliques e visualizações, deste modo os usuários acabam ficando mais tempo nas plataformas, aumentando o tráfego e o engajamento. O emaranhado de misoginia online não gera lucro apenas para quem divulga os jogos de tigrinho utilizando deste tipo de estratégia discursiva, e nem somente para os donos das plataformas de jogos de azar, mas também – e sobretudo – para as plataformas de redes sociais.

Todo tráfego gera dados de comportamento e preferências dos usuários que são coletados e vendidos para anunciantes, e informações sobre interesses em conteúdos relacionados a estereótipos de gênero são valiosíssimas para segmentação de mercado. Os anúncios baseados em tais estereótipos são direcionados para públicos específicos e campanhas que exploram a imagem feminina para vender produtos têm alta taxa de conversão, de modo que os anunciantes pagam mais por espaço publicitário em conteúdos com alta visibilidade, mesmo que esses conteúdos reforcem estereótipos prejudiciais.

Desinformação, misoginia e fraudes em campanhas publicitárias

Você leu até aqui e pensou que acabou? Não, ainda piora! Uma pesquisa conduzida pelo NetLab UFRJ para o Ministério das Mulheres do Governo Federal brasileiro investigou e gerou um relatório com dados que informam como as mulheres são alvos de campanhas publicitárias abusivas e fraudulentas nas plataformas digitais, analisando a disseminação de desinformação, misoginia e fraudes. Foram identificados 1.565 anúncios publicitários problemáticos direcionados a mulheres, em um período de 28 dias, nas plataformas da Meta (Facebook, Instagram, Messenger e Audience Network). Os anúncios analisados incluem fraudes relacionadas à saúde e estética, bem como conteúdos que reforçam estereótipos de gênero e uma grande parte desses anúncios contém informações enganosas ou fraudulentas, de modo que ampliam a vulnerabilidade das mulheres, perpetuando a misoginia e incentivando atitudes discriminatórias e violentas

Prospecções de futuro

A pesquisa conclui que há uma falha significativa nas plataformas digitais em detectar e remover anúncios prejudiciais direcionados a mulheres, destacando a importância de políticas mais rigorosas para combater a desinformação e a violência de gênero online e sugere, ainda, a necessidade de maior regulamentação e transparência na publicidade digital, e de medidas para proteger as mulheres contra campanhas abusivas e desinformativas.

E o ‘jogo do tigrinho’? Bom, quando se avaliam os riscos associados às plataformas online que simulam máquinas caça-níqueis, prometendo ganhos financeiros fáceis, primordialmente são apontadas as questões de endividamento, problemas de saúde mental e as dificuldades de recuperar perdas financeiras devido à ausência de regulamentação e a hospedagem das plataformas no exterior. O que se sugere é que, acrescidos a estes riscos e danos, sejam considerados tudo aquilo de maléfico que envolve a publicidade online nas discussões sobre regulação de plataformas, regulamentação de jogos de azar e, também, da profissão de influenciador digital.

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Comunicadora Social e Jornalista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestranda em Comunicação e Culturas Contemporâneas na Facom/UFBA, onde está vinculada ao GIG@, Grupo de Pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura. É especialista em Comunicação Estratégica e Gestão de Marcas e membra voluntária do Laboratório de Identidades Digitais e Diversidade (LIDD/UFRJ). Co-criadora da plataforma Conexão Malunga.

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