Apropriação tecnológica: Empoderando indivíduos e comunidades na era digital
Escrito por
Lucas Samuel (Ver todos os posts desta autoria)
22 de maio de 2023
Já parou para pensar como as mudanças tecnológicas têm impactado a sociedade em um ritmo acelerado nunca visto antes? A rapidez com que a tecnologia digital progride tem exigido a busca constante por conhecimento e, sobretudo, pelo aprendizado de novas habilidades para termos autonomia ao lidar com tanta inovação. Quem consegue acompanhar e se adaptar às novas nuances, consegue mirar novos horizontes, seja no mercado de trabalho, na educação ou na vida cotidiana. É sobre este assunto que este texto irá tratar hoje, então te convido a refletir comigo sobre como a sociedade está mudando e como podemos nos apropriar da tecnologia para causar mudanças significativas.
Apropriação tecnológica: Desvendando o conceito
Na visão da brasileira, doutora em Política Social pela UnB, Cristina Kiomi Mori, a inclusão digital é composta por três elementos: a) a democratização do acesso, b) a alfabetização digital e c) a apropriação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) pelo indivíduo. No terceiro elemento, destaca-se a maneira de a pessoa exercer sua criatividade e autonomia diante da tecnologia para ampliar o acesso a recursos digitais, fortalecer a participação cívica e social, os serviços e as informações pertinentes, bem como para promover o desenvolvimento pessoal e comunitário.
Quando nos apropriamos da tecnologia, somos capazes de usá-la de modo coletivo, criativo, reflexivo e crítico para enfrentar os desafios impostos, buscar soluções inovadoras e eficientes e, sobretudo, melhorar as condições de vida tanto ao nível pessoal quanto em comunidade. Sendo assim, internautas deixam a postura passiva de apenas receber conteúdo e passam a se valer das ferramentas tecnológicas como agentes de transformação, para instituírem mudanças.
Nessa perspectiva, a apropriação tecnológica configura um processo pelo qual indivíduos, ou mesmo comunidades, adaptam e utilizam a tecnologia de acordo com suas percepções, necessidades e contextos específicos. O interessante é que a apropriação tecnológica envolve não apenas o uso das ferramentas tecnológicas, mas também “o mundo de significados”, pelo qual os saberes locais podem ser colocados em prática, dando assim, uma nova significância e usabilidade às ferramentas para atingir os objetivos desejados.
Ética e responsabilidade no uso da tecnologia
Já ciente do que se trata o conceito, cabe agora respaldar a importância de usar as ferramentas tecnológicas de maneira ética e com responsabilidade. A ética e a responsabilidade no uso da tecnologia devem ser consideradas em todas as fases da relação homem-máquina, desde o desenvolvimento das habilidades digitais iniciais até a aplicação da tecnologia no cotidiano. O ideal é usufruir das ferramentas tecnológicas para aumentar o bem-estar humano, para fortalecer as relações comunitárias e para trazer desenvolvimento, por exemplo. Acontece que muitas pessoas que possuem habilidades digitais avançadas, utilizam a internet de uma forma antiética, realizando atos ilegais sobre aqueles que ainda não se apropriaram da tecnologia.
Tangente a isso, a exclusão digital, que é a falta de acesso ou habilidades adequadas em relação à tecnologia, tem levado a disparidades sociais e econômicas, ampliando ainda mais as desigualdades existentes, bem como fomentado a vulnerabilidade dos indivíduos no ambiente online com o constante avanço da tecnologia. Tendo isso em perspectiva, questões éticas no uso da tecnologia como a quebra de privacidade, violação de dados pessoais, desinformação, etc. tem preocupado a todos. Com a coleta em grande escala de informações pessoais por meio dos dispositivos e aplicativos, o uso inadequado dos dados pode levar a manipulação e discriminação, por exemplo. E a desinformação, desestrutura as relações sociais ao provocar insegurança e desconfiança.
Por esse e tantos outros motivos, é primordial que os indivíduos, através do letramento digital, se apropriem da tecnologia para saber lidar com os desafios impostos pela era digital, de modo que não se sintam mais vulneráveis, mas sim empoderados para fazer escolhas conscientes e críticas do uso das tecnologias. Através do letramento digital, os indivíduos terão a oportunidade de aprender como navegar na internet, a utilizar aplicativos e softwares, bem como tendem a identificar os riscos e as oportunidades que a tecnologia pode oferecer. Dessa forma, é possível promover o desenvolvimento pessoal e comunitário para a construção de uma sociedade mais inclusiva e tecnologicamente capacitada ao ter a ética como bússola orientadora.
Promovendo a apropriação tecnológica e reduzindo a lacuna digital
Está lembrado (a/e) que a apropriação tecnológica é o terceiro elemento que compõe o conceito de inclusão digital mencionado anteriormente? Uma pessoa incluída digitalmente, teoricamente, deve deter todos os três elementos: (i) acesso, (i) uso e (iii) potencial transformador – apropriação tecnológica -.
Tendo isso em vista, gostaria de compartilhar um fato que sempre presencio e que me dói ao saber que é realidade. O meu pai, o Severino, 58 anos, mora na zona rural da cidade de Mari (PB), mas especificamente no Assentamento Tiradentes. Na nossa casa, a internet chega através da fibra óptica (Acesso) e ele utiliza o seu Smartphone para se conectar e navegar na Internet (Uso). Acontece que meu pai possui um nível extremamente baixo de letramento digital e, consequentemente, ainda não se apropriou da tecnologia para facilitar a sua vida no dia a dia. Por outro lado, o seu acesso à internet é resumido em enviar mensagens de voz através do WhatsApp e se entreter com os vídeos curtos do Tik Tok e do Kwai. Acontece que nestes aplicativos circulam muita desinformação e o pior, ele acredita em tudo que ver e no que dizem.
Conto esse relato para respaldar que a apropriação tecnológica, através do letramento digital, é uma etapa fundamental para garantir a inclusão digital e reduzir a lacuna tecnológica daqueles que vivem, principalmente, em comunidades vulnerabilizadas. Para promover a apropriação tecnológica, é importante fornecer às pessoas os recursos e as habilidades necessárias para utilizarem as ferramentas tecnológicas de forma eficiente e adaptadas aos seus contextos.
Além disso, é de extrema importância que sejam criados ambientes de inclusão digital, social e de apoio em escolas, nas universidades e em associações rurais, por exemplo, que permitam que as pessoas se sintam identificadas, confortáveis e confiantes em experimentar novas tecnologias e explorar seus recursos para promover transformação local. Para reduzir a lacuna digital, também é importante reconhecer as barreiras socioeconômicas e geográficas que impedem o acesso, o uso e a apropriação equitativa da tecnologia, bem como é necessário reconhecer a importância de se criar políticas governamentais que incentivem o desenvolvimento de habilidades digitais.
Portanto, a apropriação tecnológica, quando alcançada e colocada em prática, tem um papel importante e significativo na redução das desigualdades sociais e na promoção da justiça social. Sendo assim, o potencial transformador que as ferramentas tecnológicas possuem, pode ser usado para mitigar os diversos problemas que tangem a pobreza, a exclusão social, o racismo e a desigualdade de gênero tanto a nível comunitário quanto internacional.
As opiniões e perspectivas retratadas neste artigo pertencem a seu autor e não necessariamente refletem as políticas e posicionamentos oficiais do Instituto de Referência em Internet e Sociedade.
Escrito por
Lucas Samuel (Ver todos os posts desta autoria)
Graduando de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. Atua como estagiário no Instituto de Referência em Internet em Sociedade (IRIS). Bolsista do Programa Policy Fellows (2022) do LACNIC. Participante do Programa IGF Youth Ambassador (2022) promovido pela ISOC. Foi bolsista da South School on Internet Governance (Argentina, 2020). Atuou como pesquisador Internacional sobre conectividade rural e inclusão digital pelo LACNIC no ano de 2020, atuando como Líder 2.0 na América Latina e Caribe.