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Algoritmos: A “Lei da Atração” feita à sua imagem

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14 de outubro de 2024

A fim de manter um feed de redes sociais mais leve e longe de conteúdos negativos, é preciso refletir o que realmente movimenta o algoritmo. 

Nesta era de grande tráfego de informações, um momento comum dos navegantes das águas cibernéticas é decidir se gostam de um comentário em um bom ou mau sentido. Às vezes, o navegante gosta do comentário porque achou o comentário engraçado, fofo, prestativo, correto, assertivo, ou qualquer coisa perto de “foda”, “bafônico” ou “perfeito”. Entretanto, um outro motivo do porque esse navegante pode gostar de um comentário é justamente porque ele julga o comentário errado, controverso ou absurdo.

Nesse segundo caso, o usuário gosta da discussão que ele gera: ele normalmente comenta ou curte quem está contra o comentário principal, pois quer participar da discussão ou ver o comentarista ser massacrado pela enxurrada de “fechos”, “lacres”, “cortadas”, “jantadas” e “mitadas” de outros usuários. Inadvertidamente, essa interação indica aos algoritmos da maioria das plataformas de redes sociais que esse tipo de entretenimento agrada o usuário, orientando a plataforma a mostrar vídeos com péssimos comentários e até a colocá-los em destaque para o usuário.

Acredito que este é, para as plataformas, um engajamento honesto e lucrativo. Entretanto, pode ser o engajamento mais vicioso e danoso que um usuário pode experimentar. É como se a controversa Lei da Atração  – completamente esvaziada de ciência – fosse uma realidade matemática: o usuário traz aquilo que ele manifesta em suas ações nas redes sociais, moldando o algoritmo à sua imagem pública. O que exploraremos neste texto é olhar para os algoritmos de uma forma mais lúdica e entender melhor como o navegante da internet pode atrair ou repelir certos tipos de comentários, principalmente os que ele mais desgosta.

Como funciona o algoritmo de redes sociais? 

Cada rede social tem seu algoritmo próprio e eles não são abertos ao público, o que temos para explicá-los é uma coleção de registros e estudos de especialistas e dos próprios usuários. Portanto, como a reportagem da BBC explica, o algoritmo é a forma de canalizar informações automaticamente em uma linguagem de programação. Para as redes sociais, o algoritmo normalmente se orienta por seis tipos de interação, estas, às vezes, podem não ser evidentes como a gente pensa. Os tipos de interação mais comumente registrados por algoritmos de redes sociais são

  • Curtidas e “deslikes”
  • Comentários, quais as palavras usadas no comentário
  • Tempo de engajamento, quanto tempo você passa com o vídeo ou a postagem abertos em seu celular ou computador
  • Quantidade de engajamento, quantas vezes você acessa determinado conteúdo
  • Pesquisas e palavras-chave

Nas redes sociais, esses dados e muitos outros são acumulados para selecionar o conteúdo que o usuário mais passa tempo interagindo. Nesse sentido, não é necessariamente o conteúdo que ele gosta, mas sim o que mais o prende. Desta forma, se o usuário de uma plataforma como por exemplo, o Instagram, passar 30 minutos digitando ou lendo apenas os comentários de um vídeo de uma tragédia, a plataforma está registrando que esse tipo de conteúdo é procurado pelo usuário em questão. Entretanto, durante esses 30 minutos, o usuário pode estar acompanhando comentários maliciosos, ou até criminosos, e tentando combater esse tipo de atitude na internet. Então, é provável que os próximos conteúdos sugeridos sejam parecidos ou relacionados a essa tragédia, estabelecendo um ciclo para esse usuário.

Outro detalhe importantíssimo são as palavras-chave. As palavras-chave não são as hashtags no final do texto, elas são todas as palavras que circulam pelas redes sociais. Afinal, se uma palavra como “nojento” está em alta no X, ela será selecionada como trending topics independentemente se temos uma cerquilha (#) antes dela ou se a palavra “nojento” normalmente acompanha situações desagradáveis. Da mesma forma, o comentário do indivíduo navegante é afetado. Se ele tem uma tendência a curtir ou fazer comentários como uma mesma palavra, por exemplo um jargão como “mimimi”, “lacre”, “jantou”, ele também atrai outros perfis que têm um comportamento parecido.

Por outro lado, utilizar palavras negativas, mesmo que em um exemplo, são isca para pessoas que curtem e comentam essas palavras. Vamos supor que o bom usuário encontre um conteúdo em que uma pessoa faz uma denúncia de racismo. O usuário, revoltado, comenta: “Já, já vem a turma que diz que isso é um absurdo! Que racismo é mimimi.” Naturalmente, pessoas que comentam que críticas de racismo são “mimimi” serão direcionadas pelo algoritmo para esse vídeo, pois ali a plataforma entende que é uma fonte de engajamento para as duas opiniões.

Como estudos demonstram, comentários negativos carregam uma dose de estresse elevada e podem ter um efeito duradouro nas pessoas, afetando também quem não é alvo e apenas o presenciou. Ademais, toda essa carga de interações com palavras negativas pode atrair mais conteúdos que carregam palavras similares, a fim de potencializar o engajamento do usuário.

Ironicamente é assim que a lei da atração funciona. Por ser uma crença ou filosofia de vida, ela nada tem de científico, entretanto,  a existência de algoritmos torna realidade alguns mandamentos dessa crença. Por exemplo, não manifestar boas energias, falar mal de outras pessoas, ou conversar e interagir com pessoas de “más energias” são curiosamente similares ao efeito de não interagir negativamente, evitar palavras negativas e afastar conteúdos e comentários negativos.

A “Lei da Atração” e o algoritmo

Desta forma, se a experiência online de um indivíduo está sendo tóxica, a opção de “ver menos esse tipo de conteúdo”, a qual normalmente é acessível nas grandes plataformas, é preferível a um comentário em forma de desabafo como “é tanta coisa ruim que vemos na internet, que tristeza”. Ademais, publicar menos palavras comumente usadas em comentários criminosos, assediadores ou que contenham discurso de ódio é também diminuir a frequência com que eles aparecem.

Além disso, vale a pena refletir: será que discutir com quem você discorda em todas as oportunidades é um esporte saudável ou uma obsessão?

Lembrando que, essa situação não é fruto de mágica nem das energias do universo, esse ambiente virtual foi moldado por dezenas – ou centenas – de milhares de funcionários que compõem as Big Techs e o desenvolvimento de suas plataformas. O que move essas empresas é a pulsão pelo lucro e a necessidade de manter usuários conectados pelo máximo de tempo, independentemente se isso é bom ou ruim. Atualmente, quem melhor faz esse filtro é o próprio usuário e ele precisa refletir o que está realmente buscando nas redes e como está alimentando seu algoritmo.

O algoritmo que construímos

Para além da ação individual, é interessante que produtores de conteúdo pensem em como se projetam nas redes sociais. Se o perfil é baseado em agitar “haters”, ele receberá os haters; ainda assim, mesmo um perfil o qual não é baseado em haters, o público do perfil pode atrair tais haters com menções e comentários de indignação ao comportamentos desses “odiadores” da internet.

Outra reflexão possível é pensar em grupos sociais vulneráveis. Muitos usuários, inclusive os influencers das redes e profissionais que abordam a educação midiática, trabalham em cima do combate ao discurso de ódio. Entretanto, essa própria discussão pode atrair grande números de comentários com discurso de ódio pela simples menção deles. Não é conclusivo, mas uma tática que ainda não foi explorada ou registrada extensivamente cientificamente é a tentativa de não abordar palavras-chave do algoritmo que impulsionam o conteúdo para contas que costumeiramente praticam violência contra esses grupos sociais.

Concluindo, os algoritmos das redes sociais agem como uma espécie de reflexo das nossas interações, moldando o conteúdo que nos é apresentado de acordo com nossas ações, sejam elas positivas ou negativas. Essa dinâmica revela uma realidade intrigante: ainda que os algoritmos sejam matemáticos em seu funcionamento, o comportamento digital do usuário, muitas vezes inconsciente, alimenta o que ele consome.

Assim, interações com conteúdo negativo, ainda que com boas intenções, podem inadvertidamente reforçar a presença desse mesmo conteúdo em seu feed. Adicionalmente, o algoritmo é uma via de mão dupla que une pessoas opostas em comentários parecidos, aumentando a exposição à interações danosas aos usuários. Portanto, cabe ao usuário e a comunidade online exercitar um papel ativo e consciente na gestão do que deseja ver e compartilhar nas redes, seja evitando engajamentos tóxicos, seja reforçando sua presença em discussões mais saudáveis.

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Estagiária de pesquisa do Instituto de Referência Internet e Sociedade. Líder do Gender Standing Group da Internet Society. Cursa Bacharel em Inglês na Universidade Federal de Minas Gerais. Integrante da delegação Youth para o IGF Kyoto 2023. Escritora independente e coautora do livro Ao Pé da Serra e ativista pela causa LGBTQIAP+. Coautora do artigo “A gamificação do ódio no cenário brasileiro: um mapeamento das estratégias de enfrentamento do GT do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania” publicado nos anais do IV Seminário Governança das Redes

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