Agenda do IRIS para a conectividade significativa em 2024
Escrito por
Paloma Rocillo (Ver todos os posts desta autoria)
13 de maio de 2024
Este texto apresenta as frentes de atuação que o IRIS se dedicará no âmbito de projetos em andamento e futuros na pauta de inclusão digital. O objetivo é tornar nítida a nossa estratégia de atuação, que será realizada com diversos parceiros, e convidar especialistas na área, lideranças comunitárias e a sociedade interessada no fortalecimento do acesso à internet como direito a se engajarem conosco.
A agenda do IRIS para promoção de conectividade significativa está estruturada em torno de três eixos: 1. desafios de acesso; 2. desafios de participação online e 3. desafios de cidadania digital. Como poderão ver, são desafios profundos que não demandam uma atuação contínua e prolongada.
Desafios de Acesso à Internet
Dados equivocados e incompletos pautando políticas públicas
O monitoramento de políticas de inclusão digital é realizado majoritariamente pela ANATEL a partir de uma fiscalização em campo reduzida e dados informados principalmente pelas operadoras de telecom. A sociedade civil tem notado uma diferença entre os dados de conectividade divulgados pela Anatel e a situação real vivenciada pelos usuários. Outras pesquisas sobre conectividade, como a TIC Domicílios e a PNAD, ainda que muito assertivas, são exclusivamente quantitativas e limitadas em termos de perguntas, pois precisam atender a critérios rígidos de manutenção de metodologia ao longo dos anos.
Isso resulta em um cenário em que políticas públicas estão sendo elaboradas sem considerarem parte importante da realidade brasileira e dando por resolvidas situações que são de precariedade. Há uma ausência substancial de dados qualitativos sobre conectividade, especialmente sobre grupos vulnerabilizados, o que impede a visibilidade do problema e seu consequente endereçamento.
Retrocessos relacionados a infraestrutura para última milha
A partir de um debate realizado na Europa, o Brasil começou a discutir novos modelos regulatórios para o setor das telecomunicações, principalmente a partir do debate sobre fair share. As operadoras têm defendido avidamente o fim da neutralidade da rede, do zero rating e a promoção do compartilhamento de custos com provedores de aplicações. Entretanto, essas propostas minam a soberania nacional-digital, a inovação e prejudicam mais a população de baixa renda.
Ao mesmo tempo que existe um avanço de propostas para retrocessos em modelos regulatórios, também se observa uma rejeição a mudanças necessárias, como a alteração do modelo de oferta de internet móvel baseado em franquia de dados. A sociedade civil brasileira considera que o modelo de acesso à internet móvel atual é uma violação à legislação brasileira, uma vez que promove desinformação e amplia a desigualdade digital, especialmente de grupos vulnerabilizados.
Ausência de um plano articulado nacional para inclusão digital
A desarticulação de políticas públicas é um problema sistêmico da gestão pública brasileira. Em relação às políticas de inclusão digital, pesquisa do IRIS aponta que a desarticulação é uma das principais justificativas da limitação do impacto das políticas anteriores. Em 2023, foi publicado um decreto para formação de um grupo interministerial para elaboração do plano nacional de inclusão digital, entretanto o grupo nunca foi implementado. Além da necessidade de coordenação para articular uma nova política robusta, é necessário um esforço de ampliar a efetividade de políticas vigentes e principalmente dos fundos públicos e dos recursos advindos de contraprestações devidas por operadoras. A ausência de um plano nacional articulado resulta em iniciativas esparsas que não resolvem o problema e geram ineficiência dos gastos e máquina pública.
Desafios de Participação Online
Negligência aos contextos sócio-culturais na promoção de habilidades digitais
Um dos grandes avanços de 2023 foi a construção da Estratégia Nacional de Educação Midiática, entretanto, não se observa um esforço robusto para que as diversas iniciativas de construção de habilidades digitais sejam empregadas de forma contextual às realidades postas.
Na prática, isso implica em esforços significativos desacompanhados dos resultados desejáveis, pois a população não se identifica, se envolve ou atribui valor a tais iniciativas. Em experiências prévias com formações para e com comunidades vulnerabilizadas, o IRIS concluiu que é elementar o desenvolvimento de estratégias baseadas nas identidades e demandas específicas de cada comunidade. Segundo dados da TIC Domicílios 2022, apesar do Brasil ter mais de 80% de usuários de internet, cerca de 10% afirmam produzir conteúdo online, o que implica em uma participação ativa muito reduzida na rede.
Ecossistema de discurso de ódio repressor a certos grupos
Ainda que se superem as barreiras relacionadas a acesso e habilidades digitais, a ascensão do discurso de ódio nas redes sociais tem criado uma atmosfera agressiva a determinados grupos. Tal atmosfera reforça a percepção da internet como um espaço de não pertencimento e estimula o distanciamento para proteção de eventuais ataques. Diversos casos relacionados a misoginia, discriminação religiosa e racismo circundam as redes sociais e já foram motivo para criadores de conteúdo e empreendedores digitais se afastarem das redes para se preservarem.
O estímulo à participação na internet deve ser acompanhado da construção de um ambiente digital receptivo e não-violento para que não se empregue esforços para a participação de grupos em espaços que reforçam violências históricas. O IRIS tem se dedicado especialmente à proteção, visibilidade e inclusão de mulheres e meninas no ecossistema digital no âmbito da campanha #MulheresNaGovernança.
Desafios de Cidadania Digital
Crescimento de golpes digitais que comprometem a confiança e fragilizam a segurança digital
A percepção de insegurança diante de fraudes digitais e da falta de conhecimento sobre segurança da informação é uma das justificativas para que determinadas pessoas não utilizem com mais afinco as tecnologias digitais. Associado a isso, existem discussões sobre como promover uma cultura de proteção de dados em que os próprios usuários sejam atores atuantes no fortalecimento de sua segurança online e na exigência do aprimoramento de processos de cibersegurança.
Lacunas para o desenvolvimento de inteligência artificial de forma não-discriminatória, responsável e ética
O crescimento do uso de inteligência artificial no Brasil não tem sido acompanhado de uma dedicação para um uso ético, não discriminatório e responsável. Enquanto grandes empresas dispõem de capital para realizar treinamento de equipes para adoção de inteligência artificial de forma a maximizar eficiência, o cenário majoritário brasileiro reflete um uso pouco consciente sobre aspectos prejudiciais à sociedade, ampliando a desigualdade de fruição dos benefícios da inteligência artificial. Além disso, os investimentos para o desenvolvimento de tecnologias nacionais com base em inteligência artificial são diminutos, de forma que observamos a ampla adoção de tecnologias estrangeiras, prejudicando o fortalecimento da soberania nacional e reafirmando a posição de dependência do público brasileiro das políticas desenvolvidas por companhias estrangeiras.
Uma agenda para 2024 que seguirá por muitos anos
Claro, adoraríamos superar todos esses desafios ainda esse ano, mas sabemos que não é possível. Assim, nos comprometemos a dar passos em direção a sua superação a partir das diversas pesquisas que temos planejadas para esse ano, bem como da articulação com parceiros como a Coalizão Direitos na Rede, com a qual co-organizamos a campanha #LiberaMinhaNet que você pode conhecer mais clicando aqui.
Escrito por
Paloma Rocillo (Ver todos os posts desta autoria)
Diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Representante do IRIS no Grupo de Trabalho sobre Acesso à Internet e na Força-Tarefa sobre eleições na Coalizão Direito nas Redes (CDR). Membro suplente no Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações (CDUST) da ANATEL. Co-autora dos livros “Inclusão digital como política pública: Brasil e América do Sul em perspectiva” (IRIS – 2020) e “Transparência na moderação de conteúdo: Tendências regulatórias nacionais” (IRIS – 2021).